segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Vera Cruz: o cinema brasileiro ganha destaque fora do país

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

A Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949-1954) é a terceira e principal tentativa de implantação de uma indústria cinematográfica no Brasil. Fundada por Francisco Matarazzo Sobrinho e Franco Zampari, a empresa era bem mais ambiciosa e moderna que a Cinédia (leia sobre a Cinédia aqui) e a Atlântida dispondo de recursos da burguesia paulistana.

Estúdio da Vera Cruz em São Bernardo do Campo.

Em São Paulo, o pós-guerra trazia diversa ideias ricas em projetos diversos. A cidade passou a dispor de dois museus de arte, uma companhia teatral, uma cinemateca e uma bienal internacional de artes plásticas. Além disso, escolas de arte, manifestações musicais e exposições eram comuns na cidade. A nova rival da Atlântida, renegava as chanchadas e qualquer forma de cinema artesanal e amadora.

A Vera Cruz pretendia trazer ao país a qualidade e experiência técnicas vindas da Europa, ao mesmo tempo em que valorizava e preservava características da cultura brasileira. A companhia era ambiciosa em alcançar um nível internacional. Estúdios imponentes foram construídos e a contratação de técnicos excepcionais se uniam em uma equipe de estrelas nacionais.

Entre os contratados, Alberto Cavalcanti, teve um papel muito importante na história da Vera Cruz. Tendo uma sólida carreira fora do Brasil, Cavalcanti se formou em arquitetura em Genebra e estudou belas-artes em Paris, sendo um nome respeitado no exterior e tido um papel importante no cinema vanguardista francês. Depois de trinta anos fora do Brasil, o cineasta se depara com um ambiente cultural desconhecido. Ao assumir a orientação artística da Vera Cruz como produtor geral, Cavalcanti leva para os estúdios de São Bernardo do Campo técnicos de diversos países. Além disso, o mais novo contratado da Vera Cruz foi responsável por supervisionar a primeira produção do estúdio: “Caiçara” (Adolfo Celi, 1950). Na história, Marina (Eliane Lage) se casa com um viúvo proprietário de um sítio no litoral de São Paulo. A vida de casada é composta por um marido alcoólatra enquanto ela é cobiçada por outros homens do lugar. Sua única alegria é o menino Chico (Oswaldo Eugênio), cuja avó é adepta da macumba. Quando um marinheiro se apaixona por Marina e tem seu interesse correspondido, Mariana usa a macumba para se ver livre do marido e ficar com seu novo amor.

Alberto Cavalcanti


Os desentendimentos e ruptura entre Cavalcanti e os donos da companhia logo acontece e gera uma campanha de desprestígio que corresponde às expectativas que foram criadas em torno do diretor. O pouco conhecimento que Cavalcanti tinha do seu país o fizeram subestimar os profissionais existentes no próprio Brasil. Isso acontecia também com os técnicos vindos de diversos países da Europa que não possuíam raízes brasileiras para captar a essência necessária para dar aos filmes a cara do Brasil. Era latente a negação do estúdio a tudo o que fora feito antes, inclusive a escolha dos atores, salvo duas exceções: Anselmo Duarte e Ruth de Souza. Fora esse aspecto, as estrelas da Vera Cruz eram ainda desconhecidas. “Caiçara” venceu o prêmio de melhor filme sul-americano no Festival de Punta del Leste, Uruguai. Já no Brasil o filme não foi bem acolhido.

Durante os quase cinco anos de funcionamento, a companhia realizou vinte e dois filmes de curta, média e longa-metragem. “Tico-tico no fubá” (Adolfo Celi, 1951) é um grande sucesso, assim como as comédias de costume de Amácio Mazzaropi, comediante que se tornaria campeão de bilheterias. Outros sucessos como filmes épicos, melodramas, filmes biográficos e filme noir, também fizeram parte da história da Vera Cruz. Com a saída de Cavalcanti, os filmes continuam a tentar agradar tanto o público brasileiro quanto o internacional. Produções locais são enviadas para diversos festivais internacionais, incluindo Cannes e Veneza.

Bastidores de “Tico-tico no fubá”.


Ingressos muito baratos e que não garantiam um retorno desejado, má administração e gastos exorbitantes foram fundamentais para o declínio da Vera Cruz. O empreendedorismo dos fundadores do estúdio mais parecia uma aventura do que algo realmente mais planejado e com um conhecimento prévio da estrutura de mercado. Outro fator crucial foram os americanos. Com o Brasil sendo um dos melhores mercados mundiais para um filme de Hollywood, a existência de um cinema sólido brasileiro, não seria nada bom para os americanos.

A decadência da Vera Cruz já havia se iniciado quando em 1953 é lançado “O Cangaceiro” de Lima Barreto. O maior trunfo da companhia foi o vencedor no Festival de Cannes, na França. Com uma temática brasileira, o filme foi um tremendo sucesso, aqui e no exterior, além de ter sido a grande chance para a Vera cruz se livrar da falência. Porém, a bilheteria estrangeira, paga em dólares, em vez de ajudar a saldar as dívidas da Vera Cruz, ficou totalmente nas mãos de grandes empresas americanas, como a Columbia Pictures, que tinha os direitos de distribuição dos filmes fora do Brasil. A arrecadação brasileira do longa serviu para pagar um pouco mais da metade dos custos de produção. Sendo assim, a companhia se enterrou mais ainda em dívidas.

Cena do filme “O cangaceiro”.

A Companhia Cinematográfica Vera Cruz encerrou suas atividades em 1954. Com um tempo de vida relativamente curto, a produção dos seus dezoito filmes e alguns documentários formou uma geração de cineastas e profissionais de cinema que não existia antes. A qualidade técnica e artística de seus filmes marcou uma época e mostrou que o cinema brasileiro tinha sim potência e poderia ter mudado a história do cinema brasileiro de forma significativa.

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