Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo
A
Companhia Cinematográfica Vera Cruz (1949-1954) é a terceira e principal
tentativa de implantação de uma indústria cinematográfica no Brasil. Fundada
por Francisco Matarazzo Sobrinho e Franco Zampari, a empresa era bem mais
ambiciosa e moderna que a Cinédia (leia sobre a Cinédia aqui) e a Atlântida dispondo de recursos da burguesia
paulistana.
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Estúdio
da Vera Cruz em São Bernardo do Campo.
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Em São Paulo, o pós-guerra trazia diversa
ideias ricas em projetos diversos. A cidade passou a dispor de dois museus de
arte, uma companhia teatral, uma cinemateca e uma bienal internacional de artes
plásticas. Além disso, escolas de arte, manifestações musicais e exposições
eram comuns na cidade. A nova rival da Atlântida, renegava as chanchadas e
qualquer forma de cinema artesanal e amadora.
A Vera Cruz pretendia trazer ao país a
qualidade e experiência técnicas vindas da Europa, ao mesmo tempo em que
valorizava e preservava características da cultura brasileira. A companhia era
ambiciosa em alcançar um nível internacional. Estúdios imponentes foram
construídos e a contratação de técnicos excepcionais se uniam em uma equipe de estrelas
nacionais.
Entre os contratados, Alberto Cavalcanti, teve
um papel muito importante na história da Vera Cruz. Tendo uma sólida carreira
fora do Brasil, Cavalcanti se formou em arquitetura em Genebra e estudou
belas-artes em Paris, sendo um nome respeitado no exterior e tido um papel
importante no cinema vanguardista francês. Depois de trinta anos fora do
Brasil, o cineasta se depara com um ambiente cultural desconhecido. Ao assumir
a orientação artística da Vera Cruz como produtor geral, Cavalcanti leva para
os estúdios de São Bernardo do Campo técnicos de diversos países. Além disso, o
mais novo contratado da Vera Cruz foi responsável por supervisionar a primeira
produção do estúdio: “Caiçara” (Adolfo Celi, 1950). Na história, Marina (Eliane
Lage) se casa com um viúvo proprietário de um sítio no litoral de São Paulo. A
vida de casada é composta por um marido alcoólatra enquanto ela é cobiçada por
outros homens do lugar. Sua única alegria é o menino Chico (Oswaldo Eugênio),
cuja avó é adepta da macumba. Quando um marinheiro se apaixona por Marina e tem
seu interesse correspondido, Mariana usa a macumba para se ver livre do marido
e ficar com seu novo amor.
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Alberto
Cavalcanti
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Os desentendimentos e ruptura entre Cavalcanti
e os donos da companhia logo acontece e gera uma campanha de desprestígio que
corresponde às expectativas que foram criadas em torno do diretor. O pouco
conhecimento que Cavalcanti tinha do seu país o fizeram subestimar os profissionais
existentes no próprio Brasil. Isso acontecia também com os técnicos vindos de
diversos países da Europa que não possuíam raízes brasileiras para captar a
essência necessária para dar aos filmes a cara do Brasil. Era latente a negação
do estúdio a tudo o que fora feito antes, inclusive a escolha dos atores, salvo
duas exceções: Anselmo Duarte e Ruth de Souza. Fora esse aspecto, as estrelas
da Vera Cruz eram ainda desconhecidas. “Caiçara” venceu o prêmio de melhor
filme sul-americano no Festival de Punta del Leste, Uruguai. Já no Brasil o
filme não foi bem acolhido.
Durante os quase cinco anos de funcionamento,
a companhia realizou vinte e dois filmes de curta, média e longa-metragem.
“Tico-tico no fubá” (Adolfo Celi, 1951) é um grande sucesso, assim como as
comédias de costume de Amácio Mazzaropi, comediante que se tornaria campeão de
bilheterias. Outros sucessos como filmes épicos, melodramas, filmes biográficos
e filme noir, também fizeram parte da história da Vera Cruz. Com a saída de
Cavalcanti, os filmes continuam a tentar agradar tanto o público brasileiro
quanto o internacional. Produções locais são enviadas para diversos festivais
internacionais, incluindo Cannes e Veneza.
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Bastidores
de “Tico-tico no fubá”.
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Ingressos muito baratos e que não garantiam um
retorno desejado, má administração e gastos exorbitantes foram fundamentais
para o declínio da Vera Cruz. O empreendedorismo dos fundadores do estúdio mais
parecia uma aventura do que algo realmente mais planejado e com um conhecimento
prévio da estrutura de mercado. Outro fator crucial foram os americanos. Com o
Brasil sendo um dos melhores mercados mundiais para um filme de Hollywood, a
existência de um cinema sólido brasileiro, não seria nada bom para os
americanos.
A decadência da Vera Cruz já havia se iniciado
quando em 1953 é lançado “O Cangaceiro” de Lima Barreto. O maior trunfo da
companhia foi o vencedor no Festival de Cannes, na França. Com uma temática
brasileira, o filme foi um tremendo sucesso, aqui e no exterior, além de ter
sido a grande chance para a Vera cruz se livrar da falência. Porém, a
bilheteria estrangeira, paga em dólares, em vez de ajudar a saldar as dívidas
da Vera Cruz, ficou totalmente nas mãos de grandes empresas americanas, como a
Columbia Pictures, que tinha os direitos de distribuição dos filmes fora do
Brasil. A arrecadação brasileira do longa serviu para pagar um pouco mais da
metade dos custos de produção. Sendo assim, a companhia se enterrou mais ainda
em dívidas.
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Cena
do filme “O cangaceiro”.
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A Companhia Cinematográfica Vera Cruz encerrou
suas atividades em 1954. Com um tempo de vida relativamente curto, a produção
dos seus dezoito filmes e alguns documentários formou uma geração de cineastas
e profissionais de cinema que não existia antes. A qualidade técnica e
artística de seus filmes marcou uma época e mostrou que o cinema brasileiro tinha
sim potência e poderia ter mudado a história do cinema brasileiro de forma
significativa.
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