segunda-feira, 14 de agosto de 2017

A Morte Cansada

Texto de Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo 

Dirigido por Fritz Lang, o longa foi lançado seis anos antes da obra mais famosa do diretor, “Metrópolis” (1927). “A Morte Cansada” que é considerado o primeiro filme do cineasta a fazer sucesso internacionalmente, influenciou diversos outros diretores conhecidos, como Luis Buñuel, Ingmar Bergman (mais especificamente no filme “O Sétimo Selo” de 1957), Michael Powell, além de ser um dos filmes favoritos de Alfred Hitchcock. Como é comum acontecer com alguns filmes, “A Morte Cansada” não foi um sucesso logo quando foi lançado, ganhando seu reconhecimento e sucesso comercial depois que foi relançado em outros países da Europa.

A sinopse é sobre um jovem casal que está chegando em um vilarejo de carruagem, quando são surpreendidos por um estranho homem vestido de preto que embarca junto com eles. Chegando em uma taverna, o casal resolve beber alguma coisa e se deparam novamente com o homem vestido de preto. Quando a mulher resolve sair por um momento e logo retorna, percebe que seu noivo desapareceu. Ao perguntar para algumas pessoas do vilarejo se alguém viu o seu noivo, descobre que o mesmo deixou a taverna em companhia do estranho homem. Decidida a procurá-lo, ela descobre que seu amado foi levado pela morte (o senhor de preto), uma vez que chegou sua hora. Desesperada, a mulher tentar negociar com a morte para ter seu noivo de volta. A morte então propõe um desafio para a mulher em que ela terá que voltar em três períodos do tempo, em três países diferentes (Arábia, Itália e China). Em cada lugar ela viverá outras vidas junto com seu noivo e terá três tentativas para poupar sua vida. Se conseguir, terá seu noivo de volta em sua vida real.


O longa traz o questionamento e a resposta, que se dá no final do filme, sobre a força do amor e sua capacidade de vencer a morte. Vale notar também que o casal principal não tem nome, representando assim talvez a própria vida, porém materializada nos personagens do homem e da mulher. Mesmo com o lado voltado para o romance, o filme não cai em nada excessivamente melodramático. Já como um filme do expressionismo alemão, o design de produção já é mais contido e sem os excessos que existem em “O Gabinete do Dr. Caligari”, embora no segundo filme, o tema de caráter psíquico faça todo o sentido na escolha do design de produção mais chamativo.


Já as cruzes e o próprio cemitério são inevitáveis de aparecerem na tela e são muito bem fotografados na película que para representar a luz do dia, é tingida de sépia. Engana-se também quem imagina que o filme procura vagar pelo gênero do terror, por conta dos temas e símbolos abordados. Lang não deixa o personagem da morte cair em uma suposta vilania, pelo contrário, aqui a morte (interpretada por Bernhard Goetzke) ganha uma seriedade e respeito que dão ao personagem um patamar de algo que faz parte da vida de todos. A própria morte em si ganha uma dimensão curiosa, já que como sugere o título, ela mesma se encontra cansada do seu trabalho e de ser odiada pela humanidade já que está obedecendo ordens divinas. Considerando seu trabalho uma maldição, a morte explica para a mulher em uma cena, que está cansada de ver o sofrimento da humanidade. 

Os cenários são uma atração à parte. Como já mencionado acima, a força expressionista do filme é mais contida e se mantém em alguns objetos retorcidos na tela, como árvores, muros e nas atuações dos atores. Ainda sobre o cenário, chama a atenção um muro construído pela morte que rodeia um pedaço de terra comprado pela própria personagem e que serve para abrigar as novas almas que são levadas dessa vida. Alguns planos colocam os personagens diante desse muro que nitidamente se impõe a eles, que tentam encontrar um portão de acesso ao lugar sem nunca encontrar, já que apenas a morte sabe onde fica. Isso de certa forma faz uma alusão a nossa tentativa de tentar entender aspectos da vida como, claro, a própria ideia de morrer. Em uma cena, Goetzke é enquadrado de costas para o muro, onde aparece centralizado no mesmo. Isso reforça o equilíbrio e a sabedoria de seu personagem perante sua missão.


Efeitos de sobreposição e os cenários que representam os três diferentes países em que a jovem mulher precisa salvar seu noivo, também mostram um capricho notório. Destaque para a sala de velas acessas onde a morte explica que cada chama da vela ali presente, representa a vida de alguém. Ele mostra a mulher o momento em que chega o fim da vida de um bebê. Um efeito de sobreposição quase perfeito “encaixa” a imagem da morte com uma outra imagem sua segurando um bebê, dando a ideia de que a criança surgiu do nada nas mãos da morte. Antes disso vemos a chama da vela que aparece flutuado antes de se transformar no bebê, simbolizando sua vida.


A inspiração para o filme veio de um conto da mitologia indiana sobre Sati Savitri, mas também de uma experiência pessoal de Lang. O cineasta, ainda criança, sofreu com uma forte febre e teria visto um homem de preto usando um chapéu através de uma janela entreaberta. Quando já havia se curado, “a imagem da morte que traz uma mistura de afeto e horror, junto com a experiência mística”, nunca saíra da cabeça de Lang e acompanhou os temas de seus filmes.


Sendo assim, fica inegável como essa experiência influenciou o cineasta em “A Morte Cansada”, que merece ser conferido por aqueles que ainda não haviam ouvido falar na obra desse que é um dos grandes diretores do cinema.   








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