segunda-feira, 26 de junho de 2017

O Horror no Início do Cinema


Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Quando falamos de cinema de horror, é comum que alguns historiadores acabem dando mais ênfase nos filmes que marcaram o expressionismo alemão, mais especificamente começando pelo filme “O Gabinete do Dr. Caligari”, dirigido por Robert Wiene em 1919. Obviamente seu forte apelo visual, com o uso de sombras e até a forma como o psicológico de seus personagens são retratados de dentro para fora, são um verdadeiro marco para o gênero. Mas será que o horror já era abordado antes dos filmes expressionista produzidos na Alemanha?


A resposta é sim. A primeira obra a abordar elementos sobrenaturais, foi no caso, no romance “O Castelo de Otranto”. Escrito em 1764 por Horace Walpole, o livro é conhecido por ser o primeiro romance da literatura gótica. A história narra a tentativa do príncipe Manfredo em tentar continuar com o seu castelo (conseguido por meios ilegais) e de ter um filho com sua ex-futura nora, Isabela, para continuar sua geração. Em meio a tudo isso, Manfredo ainda precisa lidar com uma antiga maldição que o impede de ter a posse da propriedade, já que forças sobrenaturais agem contra suas vontades.


Não faltam elementos que caracterizam o terror gótico como casas velhas (embora no caso do romance se trate de um castelo), aparições, quadros cujas imagens se movem, passagens secretas, entre outros. A partir daí, surgiram mais clássicos da literatura como “Dracula”, escrito por Bram Stoker em 1897 e o grande clássico “Frankenstein”, escrito por Mary Shelley em 1818.

No cinema podemos considerar como o primeiro filme de terror já feito, o curta-metragem “A Mansão do Diabo” (Le Manoir du Diable, 1896), de George Méliès, produzido em 1896. Lembrando que só fazia um ano em que a primeira exibição pública de um filme havia sido realizada no mundo, com o curta “ A Chegada do Trem na Estação” (L'Arrivée d'un train en gare de La Ciotat, 1895), dirigido pelos irmãos Auguste Lumière e Louis Lumière. 

Disponíveis no Youtube, é óbvio que “A Mansão do Diabo” dificilmente assuste alguém que o veja, sem contar que Méliès antes de tudo, era um grande mágico, o que dá ao filme um tom mais divertido como o de se estar vendo um show de mágicas, aqui feitas através de diversos truques com a própria câmera. O caso é que esses filmes trazem visualmente diversos elementos que fazem parte do gênero do terror, como esqueletos, fantasmas, morcegos e claro, o próprio diabo.


Em 1907 o espanhol Segundo Víctor Aurelio Chomón y Ruiz, dirigiu na França “O Espectro Vermelho” (Le Spectre Rouge), que traz um espectro fazendo suas “maldades” para a plateia. Bem semelhante aos truques feitos por Méliès em “A Mansão do Diabo”, aqui pode-se notar uma produção caprichada, comparada a anterior. Com direito a cores (com a película pintada à mão) o espectro faz diversos truques bem semelhantes aos truques de mágica que conhecemos. 


Em 1908 o terror no cinema ganha uma casa. “A Casa Assobrada” (La Maison Ensorcelée), também dirigida na França por Chomón, conta a história de um grupo de pessoas que ao andarem por uma estrada, avistam uma casa e resolvem ficar por lá. Não demora muito para coisas surreais acontecerem no lugar. Também disponível no Youtube, o curta-metragem faz um notável uso da técnica stop motion para mover objetos que parecem criar vida própria. 


Já em 1910, os Estúdios Edison (fundada por Thomas A. Edison em 1894, e responsável pela produção de por volta de 1.200 filmes), lançou em o que seria a primeira versão de Frankenstein para o cinema. Com duração de pouco mais de 12 minutos, o curta não tem tanto tempo para desenvolver outras storylines, focando basicamente apenas no Dr. Frankenstein, sua noiva e sua grande descoberta: o segredo da vida. O Monstro é bem diferente tanto fisicamente quanto psicologicamente do famosos Monstro de James Whale na versão de 1931. Aqui a criatura não ganha dimensões psicológicas, muito menos há a humanização da mesma. O grotesco ganha mais força e o destaque está na cena em que o Monstro é criado pelo cientista. Em uma espécie de caldeirão, como se fosse uma obra de feitiçaria, a criação consiste em um esqueleto que vai aos poucos ganhando “carne” até que esteja totalmente constituído.


Entre os filmes que mais se aproximam do terror/horror, produzidos ainda quando o cinema dava seus primeiros passos, “Inferno” (L'Inferno, 1911), foi dirigido na Itália por Francesco Bertolini, Adolfo Padovan e Giuseppe de Liguoro. Livremente baseado na Divina Comédia de Dante, o longa tem mais de uma hora de duração e traz um capricho notório em sua produção, assim como efeitos especiais bem diferenciados. Todos os “círculos” que compõem o inferno podem ser conferidos na obra, como o limbo, vale dos ventos (luxúria), entre outros. Entre as técnicas usadas estão a sobreposição de imagens, fantasias de monstros, imagens ampliadas e projetadas sobre cenários em dimensões normais, pinturas corporais, colagens de chifres, e até cabos que suspendiam os atores. Um verdadeiro show de criatividade. 



O longa foi feito com base nos desenhos de Gustave Doré, famoso ilustrador de livros Francês e que ilustrou o livro A Divina Comédia de Dante em 1861. Pouco lembrado por historiadores, “Inferno” fecha assim a pequena lista de filmes que tiveram um destaque no cinema de horror/terror que antecederam o expressionismo alemão.



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