Imagine um filme sobre as inseguranças e
pressões de uma adolescente que acaba de começar a faculdade. Até aí tudo bem, mas como esse assunto seria abordado em um filme de terror que também
fala de canibalismo. É isso o que Julia Ducournau retrata em “Grave” (2016),
seu primeiro longa-metragem.
Da mesma forma que “Mate-me, por favor” (você
pode ler a análise do filme aqui: http://canalsimulacro.blogspot.com.br/2017/03/mate-me-por-favor.html. Contém Spoiles!) trouxe o horror nas
angústias da protagonista, o mesmo acontece em “Grave”. Aqui as reações da
personagem podem ser entendidas como metáforas para suas descobertas e diversos
distúrbios psicológicos tão comuns em uma jovem insegura e que de alguma forma,
quer se encaixar e ser aceita por todos enquanto lida com exigências e
pressões.
Valentine sofre praticamente uma enxurrada de
descobertas que parecem forçá-la a um amadurecimento em tão pouco tempo. A
escolha da faculdade como local onde ocorre tudo isso, foi uma escolha bem
interessante. Em um dos diversos trotes que ocorrem na faculdade, os calouros
precisam engatinhar, o que pode facilmente remeter a ideia do engatinhar de uma
criança que depois irá aprender a andar sozinha. O ato se encerra quando os
alunos chegam a uma festa de boas-vindas, agora podendo
ficar em pé e se divertirem.
Para Justine o engatinhar tem mais de um
significado. Ele representa um ato meio animalesco e primitivo, levando em
conta a descoberta que se dará pela garota em comer carne. Na festa, ela se
sente completamente perdida enquanto procura por Alexia (Ella Rumpf), sua irmã
mais velha, já veterana na faculdade.
Com tantas exigências e hostilidade vindas até
do próprio professor, começam os atos da personagem como forma de canalizar
toda essa situação desconfortável. A tricofagia (transtorno comportamental na
qual a pessoa transtornada passa a engolir os próprios cabelos e até de outra
pessoa), é retratada aqui em uma cena agoniante e repulsiva. São nesses
momentos que o gênero do horror mostra sua maestria ao maximizar algo que por
si só já é aflitivo.
Mas mais visceral, é claro, está na descoberta
da protagonista em comer carne. Essa
descoberta é sem dúvidas a mais importante para o amadurecimento da personagem.
O que no primeiro momento pode parecer algo feito apenas para chocar ou causar
repulsa, ainda mais pelo fato do filme ser de terror, traz um significado que
vai mais além do visual: uma descoberta de instintos que Justine sabe que se
não controlados, podem fazer mal às pessoas. Sua vontade de comer carne vai aos
poucos extrapolando as fronteiras do permissível quando ela passa a olhar para
Adrien (Rabah Nait Oufella), seu colega de quarto, de uma forma diferente. Aqui
esse olhar representa tanto uma afloração da sexualidade, já que a personagem
ainda não teve nenhuma relação sexual, como o desejo pela carne do colega.
Justine então tem a tarefa de usar o racional
para que nada saia do controle. O canibalismo aqui é retratado como algo que
não pode ser negado, pois faz parte de Justine, ao mesmo tempo em que deve ser
usado o bom senso, culminando numa forma excêntrica em como o filme aborda a
importância do autoconhecimento como forma de evoluirmos como pessoa.
“Grave” é sem dúvidas um dos melhores filmes
de terror do ano, pois consegue chocar sem deixar de lado uma boa construção de
personagens, que através de diversos aspectos psicológicos e comportamentais,
consegue criar uma narrativa sólida e cheia de interpretações.
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