segunda-feira, 12 de junho de 2017

Elena

Texto de : Tarcísio Paulo dos Santos

“Elena” (2011) é o terceiro filme do diretor russo Andrey Zvyagintsev. Seu quarto filme, “Leviatã” (2014), foi indicado ao Oscar 2015 na categoria de melhor filme estrangeiro. Em 2017, o cineasta lançou “Nelyubov”, que conta a história de um casal, cujo processo de divórcio turbulento, faz com que Alyosha, filho do casal, acabe sendo deixado de lado, resultando no desaparecimento do garoto. O longa tem sido muito bem aceito pela crítica e já venceu o Prêmio do Júri no Festival de Cannes deste ano.


Com uma filmografia pouco extensa, Zvyagintsev já é um dos diretores mais respeitados dentro do cinema internacional, e de seu próprio país. Em “Elena”, acompanhamos a vida da mulher que dá título ao filme, interpretada por Nadezhda Markina. A personagem é uma ex-enfermeira que acabou casando com seu paciente, Vladimir (Andrey Smirnov). Vivendo em um apartamento de luxo, o casal já teve relacionamentos anteriores. Vladimir tem uma filha de outro relacionamento, Katya (Elena Lyadova) assim como Elena tem um filho, Sergei (Alexei Rozin), também de outra relação.



Se de um lado Vladimir não tem uma boa relação com Katya, Elena é muito apegada a sua família e se preocupa com o bem-estar de seu filho, sogra e netos, mesmo que os mesmos pouco se importem em assumir responsabilidades. Mesmo com um tema que busca ser universal (como diz o próprio diretor) ao retratar essa diferença de classes e principalmente as decisões tomadas pela protagonista, que vão aos poucos nos revelando mais sobre ela, é inegável como o roteiro traz também muito sobre a própria Rússia.  



O cotidiano de Elena e Vladimir é mostrado logo na primeira cena quando a protagonista acorda pela manhã, penteia os cabelos, acorda o marido, que dorme em outro quarto, prepara o café da manhã e vai até um bairro mais distante, visitar o filho. Mesmo que haja uma boa relação entre o casal, nessa rotina é possível perceber como a casa ampla e as cores predominantes nas luzes, objetos e paredes do apartamento, colocam um distanciamento e até um pouco de frieza na relação de Elena e Vladmir. A televisão sempre ligada, tanto no apartamento de Elena quanto no de seu filho, traz a alienação e a falta de um diálogo mais franco entre os personagens.

Por mais que a família de Elena não seja um exemplo a ser seguido (seu filho nunca arruma emprego e será pai novamente, mesmo sem ter condições para isso) o apartamento bem menor e os momentos em que todos tomam café juntos, traz um contraponto com a personagem e seu marido. Há algo de acolhedor e aconchegante na relação dela com seu filho, sogra e netos. Sabemos que seu neto adolescente irá para a faculdade só para não ter que ir para o exército, sendo que a falta de interesse do garoto em estudar é notória.


Os contrastes também acontecem no trajeto de Elena até o apartamento de seu filho. O roteiro faz questão de nos mostrar o trajeto da personagem que sai de seu bairro, para pega um ônibus, um trem e caminha até o bairro onde mora Sergei. O lugar fica perto de algumas indústrias e podemos perceber o contraste com o bairro onde Elena vive.

Dentro do cotidiano dessa dona de casa que ajeita os cabelos diante de uma penteadeira, cujos espelhos mostram reflexos da personagem, nos perguntamos quem é Elena. A mesma pergunta surge quando a câmera fixa em uma foto antiga da personagem, enquanto um movimento em travelling vai se aproximando da foto da mulher. Esse dia a dia aparentemente onde nada muito relevante pareça acontecer, às vezes é tomado por uma música responsável por dar o elemento de suspense e preparar o público para uma notória mudança no roteiro.


A Rússia que há quase 30 anos não é mais comunista, se viu dentro de um capitalismo em que o consumismo foi inevitável. Isso causou mudanças drásticas na população e a juventude no país parece não ter um rumo certo, o que também é mostrado no filme, quando em uma cena, o neto mais velho de Elena se envolve em uma briga tola pelo próprio prazer de arrumar confusão. Um pouco de contexto histórico mais questões da natureza humana, são os ingredientes suficientes para se fazer um filme como “Elena”, que busca questionar as decisões e atitudes de uma personagem aparentemente comum, mas que precisa tomar uma decisão diante da necessidade de ajudar sua família.



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