quarta-feira, 28 de junho de 2017

Cara Gente Branca

A dica de série dessa semana, é a polêmica “Cara Gente Branca”, a série trás questões de conflitos raciais muito pertinentes nesse nosso contexto social atual, discutindo apropriação cultural e racismo. Para quem ainda não sabe a série é baseada no filme “Dear White People”, de 2014 com a direção e roteiro de Justin Simien, que também assina como um dos roteiristas a adaptação seriada produzida pela Netflix, além de também ter dirigido o episódio piloto.

A série conta com uma bela equipe de direção e que sabe abordar a temática de problemas enfrentados por jovens negros e discriminação social, como o caso do aclamado diretor Barry Jenkins (Moonlight: Sob a Luz do Luar) que integra a equipe de direção.

Justin Simien













Justin Simien












A trama gira em torno de uma universidade americana conceituada, e que aparentemente não tem problemas com racismo, onde estudantes negros participam de diferentes movimentos, que lutam por uma maior representatividade dentro da universidade, além de exigir melhores condições de igualdade de tratamento tanto pela instituição, quanto pelos colegas de turmas. O que coloca tudo em cheque, já que o preconceito é sempre mascarado e empurrado para baixo do tapete.

Mas tudo se trata de estudantes em fase de descobertas em momentos decisivos em suas vidas, portanto todos os discursos politizados trazidos pela série passam antes pelo olhar desses jovens. É interessante perceber também a divergência de opiniões até mesmo dentro desses movimentos negros do campus, o que aproxima ainda mais tudo da realidade.

A protagonista Sam (Logan Browning), é uma jovem idealista estudante de audiovisual, que trabalha na rádio da faculdade onde apresenta o programa  intitulado Cara Gente Branca. É esse espaço que a moça usa para informar aos estudantes do que acontece na universidade, e também enfatizar os problemas da comunidade negra, de forma sátira e provocativa. Por assumir esse posicionamento e pelo sucesso de seu programa de rádio Sam se torna quase que uma líder estudantil. Mas a própria garota que vive seus conflitos pessoais como manter um relacionamento com um cara branco.



A série se desenrola e vai apresentando os outros personagens no decorrer dos episódios, no quais são apresentados outros alunos, que de certa forma estão ligados a Sam e a eventos dentro da universidade. Desse modo podemos ter o ponto de vista de vários personagens sobre uma mesma situação, isso ajuda a contextualizar para o espectador, que cada pessoa carrega uma história e uma realidade, daí a forma como ela pode reagir em determinadas situações são influenciadas.



A montagem da série é bem dinâmica e consegue manter um ritmo fluido, mesmo com os vários pontos de vista, e mesmo diante da abordagem de temas fortes. Também há muitos momentos cômicos, com cenas bem engraçadas onde os personagens vivem situações constrangedoras, o que possibilita a identificação do público jovem, pois os personagens estão na fase de auto afirmação, busca de formação de identidade e sexualidade, e todos os temas são bem humanizados.



A trilha sonora é muito boa, conta com músicas Black e Alternativas destaque para Childish Gambino, Innanet James, Michael Kiwanuka artistas que vale apena conferir o som.

Cara gente branca é um bom exercício de empatia, pois nos coloca a par dos problemas vividos pelas pessoas que talvez nem sempre seja os nossos, com um olhar menos estereotipado. Discutindo racismo em um momento muito delicado na sociedade americana, mas que também serve para muitas questões parecidas no Brasil. Uma série boa necessária e um ótimo entretenimento.

Não deixe de conferir a série!
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segunda-feira, 26 de junho de 2017

O Horror no Início do Cinema


Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Quando falamos de cinema de horror, é comum que alguns historiadores acabem dando mais ênfase nos filmes que marcaram o expressionismo alemão, mais especificamente começando pelo filme “O Gabinete do Dr. Caligari”, dirigido por Robert Wiene em 1919. Obviamente seu forte apelo visual, com o uso de sombras e até a forma como o psicológico de seus personagens são retratados de dentro para fora, são um verdadeiro marco para o gênero. Mas será que o horror já era abordado antes dos filmes expressionista produzidos na Alemanha?


A resposta é sim. A primeira obra a abordar elementos sobrenaturais, foi no caso, no romance “O Castelo de Otranto”. Escrito em 1764 por Horace Walpole, o livro é conhecido por ser o primeiro romance da literatura gótica. A história narra a tentativa do príncipe Manfredo em tentar continuar com o seu castelo (conseguido por meios ilegais) e de ter um filho com sua ex-futura nora, Isabela, para continuar sua geração. Em meio a tudo isso, Manfredo ainda precisa lidar com uma antiga maldição que o impede de ter a posse da propriedade, já que forças sobrenaturais agem contra suas vontades.


Não faltam elementos que caracterizam o terror gótico como casas velhas (embora no caso do romance se trate de um castelo), aparições, quadros cujas imagens se movem, passagens secretas, entre outros. A partir daí, surgiram mais clássicos da literatura como “Dracula”, escrito por Bram Stoker em 1897 e o grande clássico “Frankenstein”, escrito por Mary Shelley em 1818.

No cinema podemos considerar como o primeiro filme de terror já feito, o curta-metragem “A Mansão do Diabo” (Le Manoir du Diable, 1896), de George Méliès, produzido em 1896. Lembrando que só fazia um ano em que a primeira exibição pública de um filme havia sido realizada no mundo, com o curta “ A Chegada do Trem na Estação” (L'Arrivée d'un train en gare de La Ciotat, 1895), dirigido pelos irmãos Auguste Lumière e Louis Lumière. 

Disponíveis no Youtube, é óbvio que “A Mansão do Diabo” dificilmente assuste alguém que o veja, sem contar que Méliès antes de tudo, era um grande mágico, o que dá ao filme um tom mais divertido como o de se estar vendo um show de mágicas, aqui feitas através de diversos truques com a própria câmera. O caso é que esses filmes trazem visualmente diversos elementos que fazem parte do gênero do terror, como esqueletos, fantasmas, morcegos e claro, o próprio diabo.


Em 1907 o espanhol Segundo Víctor Aurelio Chomón y Ruiz, dirigiu na França “O Espectro Vermelho” (Le Spectre Rouge), que traz um espectro fazendo suas “maldades” para a plateia. Bem semelhante aos truques feitos por Méliès em “A Mansão do Diabo”, aqui pode-se notar uma produção caprichada, comparada a anterior. Com direito a cores (com a película pintada à mão) o espectro faz diversos truques bem semelhantes aos truques de mágica que conhecemos. 


Em 1908 o terror no cinema ganha uma casa. “A Casa Assobrada” (La Maison Ensorcelée), também dirigida na França por Chomón, conta a história de um grupo de pessoas que ao andarem por uma estrada, avistam uma casa e resolvem ficar por lá. Não demora muito para coisas surreais acontecerem no lugar. Também disponível no Youtube, o curta-metragem faz um notável uso da técnica stop motion para mover objetos que parecem criar vida própria. 


Já em 1910, os Estúdios Edison (fundada por Thomas A. Edison em 1894, e responsável pela produção de por volta de 1.200 filmes), lançou em o que seria a primeira versão de Frankenstein para o cinema. Com duração de pouco mais de 12 minutos, o curta não tem tanto tempo para desenvolver outras storylines, focando basicamente apenas no Dr. Frankenstein, sua noiva e sua grande descoberta: o segredo da vida. O Monstro é bem diferente tanto fisicamente quanto psicologicamente do famosos Monstro de James Whale na versão de 1931. Aqui a criatura não ganha dimensões psicológicas, muito menos há a humanização da mesma. O grotesco ganha mais força e o destaque está na cena em que o Monstro é criado pelo cientista. Em uma espécie de caldeirão, como se fosse uma obra de feitiçaria, a criação consiste em um esqueleto que vai aos poucos ganhando “carne” até que esteja totalmente constituído.


Entre os filmes que mais se aproximam do terror/horror, produzidos ainda quando o cinema dava seus primeiros passos, “Inferno” (L'Inferno, 1911), foi dirigido na Itália por Francesco Bertolini, Adolfo Padovan e Giuseppe de Liguoro. Livremente baseado na Divina Comédia de Dante, o longa tem mais de uma hora de duração e traz um capricho notório em sua produção, assim como efeitos especiais bem diferenciados. Todos os “círculos” que compõem o inferno podem ser conferidos na obra, como o limbo, vale dos ventos (luxúria), entre outros. Entre as técnicas usadas estão a sobreposição de imagens, fantasias de monstros, imagens ampliadas e projetadas sobre cenários em dimensões normais, pinturas corporais, colagens de chifres, e até cabos que suspendiam os atores. Um verdadeiro show de criatividade. 



O longa foi feito com base nos desenhos de Gustave Doré, famoso ilustrador de livros Francês e que ilustrou o livro A Divina Comédia de Dante em 1861. Pouco lembrado por historiadores, “Inferno” fecha assim a pequena lista de filmes que tiveram um destaque no cinema de horror/terror que antecederam o expressionismo alemão.



quarta-feira, 21 de junho de 2017

O Celuloide Secreto

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos

Aproveitando o mês do orgulho LGBT, nada melhor do que indicar um ótimo documentário que retrata a história do cinema LGBT americano. “O Celuloide Secreto” (The Celluloid Closet, 1995), dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman e conta com um interessante panorama sobre a representatividade de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros do cinema mudo, até o ano em que o documentário foi produzido. Claro que muita coisa mudou de 1995 para cá e filmes como “Meninos Não Choram (Boys Don't Cry, 1999), “O Segredo de Brokeback Mountain (Brokeback Mountain, 2005), “Tomboy” (2011), “Carol” (2015), entre outros, trouxeram ainda mais representatividade e abordaram a sexualidade humana com cada vez mais naturalidade, tratando-a como uma simples característica na vida de seus personagens.

Mas voltando ao documentário, o longa fala da influência do cinema americano no pensamento de como os heterossexuais viam os homossexuais, assim como o próprio homossexual se via na tela. No começo a homossexualidade era pouco retratada nos filmes e quando havia uma abordagem, ela era muitas vezes motivo de chacota, pena ou algo a se temer. Isso era bem comum no cinema mudo, porém fica o questionamento se ainda assim essa retratação ainda teria sua importância na visibilidade LGBT.

A Wanderer of the West (1927)


Com o código Hays, Hollywood se viu obrigada a retirar qualquer cena que retratasse situações como: beijos com a boca aberta, prostituição, aborto, nudez e claro, homossexualidade. Coube então a indústria Hollywoodiana ser extremamente sutil a ponto de muitas cenas que sugeriam a homossexualidade de algum personagem em seu subtexto, passarem batido pela censura da época. Gays e lésbicas então eram retratados de forma muito sutil e na grande maioria, costumavam ser os vilões das histórias.

Rebecca, A Mulher Inesquecível (1940)

A Filha de Drácula (1936)

Enquanto isso na Inglaterra, é lançado “Meu Passado me Condena” (Victim, 1961), longa que traz como protagonista um advogado homossexual, que tenta ajudar outros homens gays que estão sendo chantageados por um homem que ameaça expô-los perante a sociedade. A partir dessa época, voltando a Hollywood, o código Hays perde sua força e cineastas decidem abordar a homossexualidade com mais franqueza. Personagens gays e lésbicas nessa época eram geralmente retratados como pessoas infelizes, potencialmente suicidas e condenados a viverem uma vida nas sombras, sempre às escondidas. O documentário traz a ideia de que essa liberdade sexual, teria um preço bem alto para os personagens. 

Meu Passado me Condena (1961)

Tudo começa a mudar na década de 70 com filmes como “Os Rapazes da Banda” (The Boys in the Band, 1970), “Cabaret” (1972), “Priscilla, a Rainha do Deserto” (The Adventures of Priscilla, Queen of the Desert, 1994) e “Garotos de Programa (My Own Private Idaho, 1991), que colocam personagens LGBTs como protagonistas de suas próprias vidas e como bem observa um dos participantes do documentário, esses filmes não fazem uma retratação positiva de personagens gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros, mas sim uma retratação REAL dos mesmos.

Os Rapazes da Banda (1970)  

Cabaret (1972)           


Com várias entrevistas com diversos atores, historiadores, escritores, diretores e uma porção de filmes para qualquer cinéfilo ir correndo pôr em sua lista de filmes, “O Celuloide Secreto” é perfeito na forma como traça um panorama sobre o cinema LGBT.  


Priscilla, a Rainha do Deserto (1994)



Garotos de Programa (1991)



segunda-feira, 19 de junho de 2017

Dia do cinema Brasileiro

Texto de: Tarcísio Paulo dos Santos

Afonso Segreto e o cinema brasileiro
Afonso Segreto

Em um domingo no dia 19 de junho de 1898, na baía de Guanabara, Afonso Segreto realizou as primeiras imagens do Brasil. A bordo de um barco francês chamado Brésil, Afonso, que havia comprado um cinematógrafo dos irmãos Lumière em Paris, filmou a baía de Guanabara com o equipamento depois de dezesseis dias de travessia.


Pouco se sabe sobre Segretto. Por orientação de seu irmão Paschoal Segreto, Afonso realizou entre 1898 e 1901 cerca de sessenta fitas que constituem a maioria das filmagens que ocorreram no país e que infelizmente foram perdidas. Já Paschoal, foi o primeiro grande empresário voltado para o entretenimento no Brasil, sendo responsável pela entrada do cinema no país. 


Vindo de uma família pobre, Paschoal se viu obrigado a ir para o Brasil em 1883 para tentar a vida. Chegou junto com seu irmão mais velho, Gaetano. Os irmãos trabalharam no Rio de Janeiro vendendo bilhetes de loteria e jornais, o que os levou a organizar um pioneiro sistema de bancas. Quando se estabelecem no Brasil, trazem o restante da família. Afonso é o próximo a chegar no país. 

Paschoal Segreto
Paschoal começa a investir no ramo do entretenimento, o que era algo novo na cidade, que na última década do século assiste ao surgimento de cabarés, cafés-concertos e casas de chope, onde são oferecidos espetáculos de variedades e novidades mecânicas, como o cinematógrafo. Paschoal funda a EMPRESA (primeira empresa de porte e nome nacional do setor de entretenimento), e o cinema de torna para ele, a melhor atração do lugar, que mesmo com a instabilidade de energia que prejudicava a nitidez das sessões, decide investir no novo equipamento.

Em 1898, Afonso viaja para a Europa e compra e aprende a usar um Cinematógrafo (criado pelos irmãos Lumiére), que ele trouxe de volta para o Brasil onde começou a produzir os seus primeiros filmes. Os filmes de Afonso constituíam de fitas de curta duração, compostos por planos autônomos que inicialmente, abordavam os rituais e os representantes do poder, como aparições de presidentes da república e o movimento das tropas, nitidamente fazendo parte da política de boa vizinhança que Paschoal possuía com as elites do país. Alguns títulos são: “Chegada do Dr. Campos Sales a Petrópolis” (1898) e “Um Batalhão do Exército” (1899). Também havia a documentação de atividades pitorescas da cidade, como “O Largo de São Francisco” (1898) e “A Praia de Santa Luzia” (1898). Algumas desavenças entre Afonso e Paschoal, faz com que o primeiro seja mandado de volta à Itália, parando assim de produzir seus pequenos filmes. Paschoal segue na produção e exibição de filmes enquanto começam a surgir no país mais produtores e exibidores de filmes que inicial assim um grande ciclo com cerca de duzentos filmes por ano entre 1907 e 1911. Paschoal morreu em 22 de fevereiro de 1920, no comado de sua empresa, enquanto de Afonso, nunca mais soube-se nada depois de sua volta à Itália.  

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Elena

Texto de : Tarcísio Paulo dos Santos

“Elena” (2011) é o terceiro filme do diretor russo Andrey Zvyagintsev. Seu quarto filme, “Leviatã” (2014), foi indicado ao Oscar 2015 na categoria de melhor filme estrangeiro. Em 2017, o cineasta lançou “Nelyubov”, que conta a história de um casal, cujo processo de divórcio turbulento, faz com que Alyosha, filho do casal, acabe sendo deixado de lado, resultando no desaparecimento do garoto. O longa tem sido muito bem aceito pela crítica e já venceu o Prêmio do Júri no Festival de Cannes deste ano.


Com uma filmografia pouco extensa, Zvyagintsev já é um dos diretores mais respeitados dentro do cinema internacional, e de seu próprio país. Em “Elena”, acompanhamos a vida da mulher que dá título ao filme, interpretada por Nadezhda Markina. A personagem é uma ex-enfermeira que acabou casando com seu paciente, Vladimir (Andrey Smirnov). Vivendo em um apartamento de luxo, o casal já teve relacionamentos anteriores. Vladimir tem uma filha de outro relacionamento, Katya (Elena Lyadova) assim como Elena tem um filho, Sergei (Alexei Rozin), também de outra relação.



Se de um lado Vladimir não tem uma boa relação com Katya, Elena é muito apegada a sua família e se preocupa com o bem-estar de seu filho, sogra e netos, mesmo que os mesmos pouco se importem em assumir responsabilidades. Mesmo com um tema que busca ser universal (como diz o próprio diretor) ao retratar essa diferença de classes e principalmente as decisões tomadas pela protagonista, que vão aos poucos nos revelando mais sobre ela, é inegável como o roteiro traz também muito sobre a própria Rússia.  



O cotidiano de Elena e Vladimir é mostrado logo na primeira cena quando a protagonista acorda pela manhã, penteia os cabelos, acorda o marido, que dorme em outro quarto, prepara o café da manhã e vai até um bairro mais distante, visitar o filho. Mesmo que haja uma boa relação entre o casal, nessa rotina é possível perceber como a casa ampla e as cores predominantes nas luzes, objetos e paredes do apartamento, colocam um distanciamento e até um pouco de frieza na relação de Elena e Vladmir. A televisão sempre ligada, tanto no apartamento de Elena quanto no de seu filho, traz a alienação e a falta de um diálogo mais franco entre os personagens.

Por mais que a família de Elena não seja um exemplo a ser seguido (seu filho nunca arruma emprego e será pai novamente, mesmo sem ter condições para isso) o apartamento bem menor e os momentos em que todos tomam café juntos, traz um contraponto com a personagem e seu marido. Há algo de acolhedor e aconchegante na relação dela com seu filho, sogra e netos. Sabemos que seu neto adolescente irá para a faculdade só para não ter que ir para o exército, sendo que a falta de interesse do garoto em estudar é notória.


Os contrastes também acontecem no trajeto de Elena até o apartamento de seu filho. O roteiro faz questão de nos mostrar o trajeto da personagem que sai de seu bairro, para pega um ônibus, um trem e caminha até o bairro onde mora Sergei. O lugar fica perto de algumas indústrias e podemos perceber o contraste com o bairro onde Elena vive.

Dentro do cotidiano dessa dona de casa que ajeita os cabelos diante de uma penteadeira, cujos espelhos mostram reflexos da personagem, nos perguntamos quem é Elena. A mesma pergunta surge quando a câmera fixa em uma foto antiga da personagem, enquanto um movimento em travelling vai se aproximando da foto da mulher. Esse dia a dia aparentemente onde nada muito relevante pareça acontecer, às vezes é tomado por uma música responsável por dar o elemento de suspense e preparar o público para uma notória mudança no roteiro.


A Rússia que há quase 30 anos não é mais comunista, se viu dentro de um capitalismo em que o consumismo foi inevitável. Isso causou mudanças drásticas na população e a juventude no país parece não ter um rumo certo, o que também é mostrado no filme, quando em uma cena, o neto mais velho de Elena se envolve em uma briga tola pelo próprio prazer de arrumar confusão. Um pouco de contexto histórico mais questões da natureza humana, são os ingredientes suficientes para se fazer um filme como “Elena”, que busca questionar as decisões e atitudes de uma personagem aparentemente comum, mas que precisa tomar uma decisão diante da necessidade de ajudar sua família.



segunda-feira, 5 de junho de 2017

Grave

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos

Imagine um filme sobre as inseguranças e pressões de uma adolescente que acaba de começar a faculdade. Até aí tudo bem, mas como esse assunto seria abordado em um filme de terror que também fala de canibalismo. É isso o que Julia Ducournau retrata em “Grave” (2016), seu primeiro longa-metragem. 


Vencedor de dez prêmios até o momento, o longa é um dos filmes de terror de 2017 que mais tem chamado a atenção do público e da crítica, principalmente pelos relatos de espectadores que teriam passado mal durante a exibição do longa. Independente de notícias e até entrevistadores que estão mais preocupados em falar sobre o quão chocante o filme pode ser (embora seja compreensível que cada pessoa reaja de uma forma), “Grave” explora de forma eficaz e com um forte visual, as descobertas de Justine (Garance Marillier), uma jovem vegetariana que acaba de entrar na faculdade de veterinária. Após uma espécie de ritual realizado pelos veteranos para receber (ou humilhar) os calouros, Justine passa a sentir um impulso que a faz desejar por carne, seja ela crua, cozida, de animal, ou...humana. 


Da mesma forma que “Mate-me, por favor” (você pode ler a análise do filme aqui: http://canalsimulacro.blogspot.com.br/2017/03/mate-me-por-favor.html. Contém Spoiles!) trouxe o horror nas angústias da protagonista, o mesmo acontece em “Grave”. Aqui as reações da personagem podem ser entendidas como metáforas para suas descobertas e diversos distúrbios psicológicos tão comuns em uma jovem insegura e que de alguma forma, quer se encaixar e ser aceita por todos enquanto lida com exigências e pressões.

Valentine sofre praticamente uma enxurrada de descobertas que parecem forçá-la a um amadurecimento em tão pouco tempo. A escolha da faculdade como local onde ocorre tudo isso, foi uma escolha bem interessante. Em um dos diversos trotes que ocorrem na faculdade, os calouros precisam engatinhar, o que pode facilmente remeter a ideia do engatinhar de uma criança que depois irá aprender a andar sozinha. O ato se encerra quando os alunos chegam a uma festa de boas-vindas, agora podendo ficar em pé e se divertirem. 


Para Justine o engatinhar tem mais de um significado. Ele representa um ato meio animalesco e primitivo, levando em conta a descoberta que se dará pela garota em comer carne. Na festa, ela se sente completamente perdida enquanto procura por Alexia (Ella Rumpf), sua irmã mais velha, já veterana na faculdade.

Durante as aulas Justine observa um cavalo sendo anestesiado, animais mortos sendo estudados ou dentro de potes de vidro para se manterem conservados. Esses símbolos casam muito bem tanto com o mórbido, a ideia da presa fácil, assim como parecem representar a vulnerabilidade de Justine diante de sua insegurança, que a torna naquele momento um “animal” acuado.


Com tantas exigências e hostilidade vindas até do próprio professor, começam os atos da personagem como forma de canalizar toda essa situação desconfortável. A tricofagia (transtorno comportamental na qual a pessoa transtornada passa a engolir os próprios cabelos e até de outra pessoa), é retratada aqui em uma cena agoniante e repulsiva. São nesses momentos que o gênero do horror mostra sua maestria ao maximizar algo que por si só já é aflitivo.

Mas mais visceral, é claro, está na descoberta da protagonista em comer carne. Essa descoberta é sem dúvidas a mais importante para o amadurecimento da personagem. O que no primeiro momento pode parecer algo feito apenas para chocar ou causar repulsa, ainda mais pelo fato do filme ser de terror, traz um significado que vai mais além do visual: uma descoberta de instintos que Justine sabe que se não controlados, podem fazer mal às pessoas. Sua vontade de comer carne vai aos poucos extrapolando as fronteiras do permissível quando ela passa a olhar para Adrien (Rabah Nait Oufella), seu colega de quarto, de uma forma diferente. Aqui esse olhar representa tanto uma afloração da sexualidade, já que a personagem ainda não teve nenhuma relação sexual, como o desejo pela carne do colega.





Justine então tem a tarefa de usar o racional para que nada saia do controle. O canibalismo aqui é retratado como algo que não pode ser negado, pois faz parte de Justine, ao mesmo tempo em que deve ser usado o bom senso, culminando numa forma excêntrica em como o filme aborda a importância do autoconhecimento como forma de evoluirmos como pessoa.



Além disso, a relação entre Justine e Alexia também é retratada no filme. A relação das duas irmãs é responsável pela exploração rica das personagens, que tantas vezes é deixado de lado nos filmes de terror. A relação que está entre o amor e o ódio, além de muita competição entre ambas, mostra um amor incondicional entre elas que está acima de qualquer desavença. Até mesmo em uma briga entre Justine e Alexia, o trabalho corporal das duas atrizes as fazem parecer (literalmente) dois animais selvagens, marcando mais uma vez o animalesco e o visceral tão presentes no longa.



“Grave” é sem dúvidas um dos melhores filmes de terror do ano, pois consegue chocar sem deixar de lado uma boa construção de personagens, que através de diversos aspectos psicológicos e comportamentais, consegue criar uma narrativa sólida e cheia de interpretações. 


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