segunda-feira, 20 de março de 2017

45 Anos


Por: Tarcísio  Paulo dos Santos Araújo

O cineasta britânico Andrew Haigh, além de alguns curtas, tem no seu currículo filmes como “Weekend”, a série “Looking”, que mostra a vida de três amigos gays que vivem em São Francisco, assim como o próprio filme da série que foi lançado em 2016. Uma das características do diretor é a capacidade de tratar as relações humanas com muita sensibilidade e profundidade.

Com “45 Anos” não foi diferente. O longa foi entre os filmes do diretor que mais teve destaque, contando com Charlotte Rampling concorrendo ao Oscar na categoria de melhor atriz em 2016. Assim como em “Weekend”, Andrew Haigh busca retratar a relações humanas a partir de momentos sutis que podem estar numa expressão ou ação dos personagens, assim como nos bons diálogos.


No longa, Rampling interpreta Kate, uma professora já aposentada que vive com seu marido, Geoff (Tom Courtenay). O casal irá completar quarenta e cinco anos de casado, e se preparam para uma festa em comemoração ao aniversário de casamento. Tudo parece ir bem até Geoff receber uma carta avisando que o corpo de Katya, sua antiga namorada, foi encontrado em uma geleira que derreteu. A mulher havia caído em uma fenda na década de 60, enquanto andava por uma montanha com Geoff. O que parecia ser uma triste e ao mesmo tempo uma notícia que não deveria afetar em nada a relação de Geoff com Kate, traz à tona sentimentos e descobertas que estavam congelados juntos com Katya...

“45 Anos” - Andrew Haigh 



Aos pouco o espectador observa como a relação de Geoff e Kate é posta à prova durante o filme, através de diálogos expositivos que vão revelando características da relação de Geoff com a falecida namorada, que começam a despertar na ex-professora, sentimentos que a farão questionar até que ponto seu marido casou-se com ela para tentar esquecer Katya. Não que Geoff não ame Kate, mas é que sua reação ao saber que acharam o corpo de sua ex-namorada, claramente o afeta muito. Ele passa a relembrar momentos que teve com a mulher e detalhes da sua vida com ela que nunca haviam sido compartilhados com Kate.


Geoff vai ficando com o olhar distante e pensativo, enquanto a câmera o desfoca, simbolizando uma distância do personagem de sua relação. Kate em um primeiro momento, vai ouvindo o desabafo do marido, mas aos poucos vai percebendo a importância que Katya teve. Interessante notar a verdade nos relatos dos personagens, que dispensam qualquer cena de flashback. A câmera por muitas vezes, evita alternar entre plano contra plano, focalizando o personagem por um bom tempo enquanto ele relata algo que teve importância para sua vida. 


“45 anos” - Andrew Haigh


Em meio a tudo isso, Kate continua cuidando dos preparativos do aniversário de casamento. A partir daí é como se as situações e lugares estivessem tomados por uma atmosfera de frieza e melancolia. Ao visitar o salão onde irá acontecer a festa, Kate aparece andando pelo lugar vazio e nota uma parede que parece estar faltando algum quadro. Coincidência ou não, mais adiante descobrimos que o casal não tem fotos juntos nos momentos mais significativos de suas vidas.

“45 anos” - Andrew Haigh

O desenrolar da história que acontece durante o outono, traz mais reforço para a personagem que parece “desvanecer” aos poucos. Às vezes a vemos diminuída andando por um campo enquanto procura o cachorro. A vegetação apresenta uma neblina e a fotografia traz uma paleta de cores meio azulada que parecem retratar a mulher como uma lembrança, algo que não é vívido na memória, mesmo ela estando casada com Geoff há 45 anos. O mesmo ocorre na direção de arte. Katy costuma usar um casaco branco que em determinados lugares onde ela é enquadrada, faz com que a personagem se “funda” com a paisagem ou com o que está atrás dela. Mesmo em dias ensolarados, as folhas secas e o vento reforçam essas ideias.

“45 anos” - Andrew Haigh

“45 anos” - Andrew Haigh

Chega em um determinado momento em que a mulher decide confrontar o “fantasma” de Katya. O enquadramento foi muito bem pensado, porque não temos em nenhum momento planos separados que mostram as fotos que são exibidas nos slides e planos que mostram a reação de Kate ao ver as fotos. Ambas aprecem juntas no mesmo plano, e Katya parece observar Kate, em uma poesia visual que retrata um confronto entre passado e presente.


No final, já no dia da festa, o roteiro de “45 Anos” evita um final clássico e direto, se concentrando mais nos sentimentos de Kate e uma possível decisão da personagem com relação ao seu casamento, é retratada através do semblante da personagem que é tomada por uma luz azul enquanto toca “Smoke Gets In Your Eyes” dos The Platters, cuja letra da canção reforma mais os sentimentos de Kate.





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