sexta-feira, 10 de março de 2017

Objetos cortantes

Resenha do livro: "Objetos cortantes" da autora  Gillian Flynn, de 2015




Objetos cortantes trás uma história de mistério instigante com uma dose de tensão que consegue prender o leitor durante o livro. Tudo gira em torno de misteriosos assassinatos de crianças em uma cidade pequena do interior dos Estados Unidos.

 A protagonista é Camille Preaker, uma personagem interessante com várias camadas, das quais vamos tendo acesso no desenrolar da história, uma delas é o fato de que  Camille tem o corpo todo marcado por sua mania extremista de se cortar, possui muitas cicatrizes, palavras que foram entalhadas por ela mesma, como meio de fuga de seus problemas ou de lembranças que permanecem nela, e ajudam a revelar seus sentimentos mais profundos e angustiantes.

 Ela é uma jornalista com a carreira estagnada, trabalha em um jornal pequeno da cidade Chicago, já passada dos 30 anos e sem perspectivas sobre o futuro, com diversos problemas e transtornos psicológicos. Camille é enviada para a cidade de Wind Gap a trabalho para investigar o assassinato de uma garotinha que chocou a pequena cidade.

A pacata Wind Gap é também a cidade natal de Camille, a qual ela não desejava voltar por fantasmas do passado, a cidade conservadora é o pano de fundo para o desenrolar do livro. Entrelaçado com a investigação e as entrevistas que Camille tenta   fazer com os moradores da cidade em buscas de respostas e de um suposto perfil de assassino, vamos descobrindo mais sobre a história de Camille enquanto ela vai explorando seus limites, numa jornada de autoconhecimento.

Camille cresceu em uma casa grande de família rica e tradicional, porém nunca conheceu o pai, foi criada pela mãe e pelo padrasto que sempre foi indiferente a seu respeito, ela ainda tem duas irmãs do segundo relacionamento da mãe, Marian que faleceu ainda criança e Amma uma garota de treze anos mimada e geniosa, que tem uma estranha relação com a irmã, que ao mesmo tempo que se projeta na garota, não sabe como lhe dar com a menina que parece despertar suas piores lembranças.

O relacionamento de Cammile com a família é muito problemático e beira o perturbador, sua mãe, Adora, é super controladora e hipocondríaca, vive para representar socialmente e parece não gostar da filha mais velha fruto de um antigo amor não correspondido. As cenas construídas na casa de Adora despertam certo desconforto no leitor, a forma pela qual Camille descreve a casa, sua frieza seus objetos e algumas lembranças ruins do passado solitário com uma irmãzinha doente gera uma angustia, pela qual é possível entender o porque de a personagem ser tão insegura.

Cammile é solteira e apesar de seus traumas  e seu desejo de mutilação e auto destruição é independente, vive sozinha em Chicago por isso se torna uma figura diferente aos olhos dos moradores conservadores de Wind Gape, o que da a sensação de estrangeirismo para a personagem e também para o leitor que passa a enxergar o lugar com os olhos de Camille, como uma cidade onde não se consegue se ter empatia por nada e ninguém, um lugar onde se deseja sair.  

O livro traz uma forma de narrativa muito sincera, estamos dentro da cabeça de Cammile, e ela por sua vez também não é um personagem de fácil empatia, mantendo sempre um olhar distante dos outros personagens e os descrevendo com certo desprezo sempre com um olhar de critica e cinismo com relação ao mundo a sua volta, porém é a partir desse ponto de vista que o livro ganha sua melhor faceta e é possível se interpretar uma critica social com relação a posição da mulher na sociedade, é interessante perceber que a cidadezinha retrograda pode ser entendida como a “prisão feminina” das imposições sociais, seja pela necessidade de manter uma vida de aparência e a importância de corpos perfeitos, ou pela “obrigação de um casamento”, mesmo que isso nem sempre de fato garanta felicidade, e indo a extremos como a ideia de abuso e violências.

Quando Camille retorna a sua cidade natal sem marido ou família e tem de confrontar suas antigas amigas de escola, o peso das cobranças de ser bem sucedida começa a recair sobre ela, que passa a se sentir desajustada. O livro trabalha de forma sutil a ideia dos rótulos e dos julgamentos até mesmo brincando com isso confundindo o olhar do leitor, fazendo ele se questionar a respeito de seus próprios preconceitos.

O livro constrói muito bem a trama, nos convidando a chegar a solução do mistério, porém no ultimo capítulo ele perde um pouco a fluidez e ritmo de narrativa que trazia, se tornando previsível, no entanto a história permanece instigante, e possui bons momentos de reviravoltas o que torna o livro muito interessante. 

Objetos Cortantes da escritora Gillian Flynn, mesma autora do Best seller “Garota Exemplar” que foi adaptado para o cinema contando com o trabalho de roteirização da própria autora e com a direção do aclamado diretor David Fincher.





"Garota Exemplar" - David Fincher 2014


Gillian Flynn continua fazendo a ponte com o audiovisual, é aguardada a série que adaptará Objetos Contatantes para a TV  produzida pela HBO, que já conta com o nome da atriz Amy Adams no elenco, para dar vida ao papel da Jornalista Camille Preaker.



Amy Adams

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

  O aspecto mais interessante em Vidas nuas é a fluidez como a cidade de São Paulo é filmada, desde seu primeiro plano quando temos acesso ...