domingo, 12 de março de 2017

O Coração Delator

Por: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

“Esta é uma história relatada por um homem louco, e apresentada da forma como os acontecimentos foram registrados em sua mente distorcida”.

Assim se inicia o primeiro intertítulo do curta “O Coração Delator” (The Tell-Tale Heart, 1928), curta metragem mudo dirigido por Charles Klein e Leon Shamroy (não creditado), adaptado do conto homônimo de Edgar Allan Poe. Com adaptações mais conhecidas do público como “O Corvo” e “A Queda da Casa de Usher” (que por sinal também conta com uma adaptação muda, realizada também em 1928 na França, por Jean Epstein), vale a pena conhecer mais essa que se encontra no Youtube. Mesmo sem legendas em português para os intertítulos, quem já conhece o conto e por conta do próprio cinema mudo ser um cinema que privilegia o contar histórias através das imagens, não fica difícil de compreender a narrativa.

Como o próprio intertítulo mencionado acima nos avisa, temos toda a narrativa do ponto de vista do protagonista, cuja mente está distorcida. O homem planeja matar um senhor que dorme no quarto, cujo olho perturba o protagonista de tal forma, que ele prefere se livrar do pobre senhor.
O curta não poderia ter deixado de lado o estilo que mais acolheria a sinopse do conto: o expressionismo alemão. O expressionismo alemão surgiu primeiro nas artes plásticas para só depois chegar ao cinema. Grande precursor do cinema de horror, esse estilo surgiu na Alemanha com o filme “O Gabinete do Dr. Caligari” de 1920.

Conhecido por externar os sentimentos e sensações dos personagens através dos cenários e das expressões dos atores, temos assim a representação de uma realidade que não busca ser objetiva.


E é exatamente isso o que podemos notar ao ver o curta. O uso de sombras distorcidas e uma expressão de angústia e loucura do personagem principal marcam o visual da narrativa, que também faz o uso de uma fotografia que privilegia pouca luz, mesmo porque parte da história se passa à noite quando a vítima do homem insano está dormindo. 


Passado inteiro dentro de um quarto, a fotografia também consegue diminuir a sensação de espaço do lugar com a escuridão, como forma de representar uma mente encurralada e tomada pelas sombras, com poucas chances de se iluminar. Quando conseguimos ter uma ideia melhor do quarto, já é de dia. A chegada dos detetives reforça o momento como um vislumbre de realidade, porém sem nunca deixar de representar o psicológico do protagonista nas portas, janelas e formas dos cenários completamente disformes. 


Se o conto de Edgar Allan Poe consegue mergulhar fundo na insanidade de seu personagem, o filme faz uma interessante representação do conto ao usar o expressionismo alemão (embora o filme seja americano) como forma de alcançar o mesmo efeito no cinema. Vale a pena conferir.



Abaixo link para conferir o curta no youtube







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