Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos
Desconhecido do grande público, “Marcado na Mente” é um
grande achado do cinema independente. Dirigido pelo canadense Guy Maddin, o
longa tem uma forte influência do cinema mudo e do expressionismo alemão pelo
fato da produção fazer uso de intertítulos (embora haja uma narradora em alguns
momentos) e por ser em preto e branco, mas também pelo uso inteligente da luz
na fotografia para a criação de sombras.
Conhecido como o “David Lynch Canadense”, Guy Maddin se
formou em economia pela Universidade de Winnipeg, onde trabalhou como caixa de
banco e até mesmo como pintor de casas. Fez amizade com o cineasta John Paizs,
que passava finais de semana (junto com Maddin) na casa do amigo Steve Snyder,
assistindo horas de filmes em películas de 16 milímetros.
Após uma participação junto com seu amigo, Greg Klymkiw, em
um programa de TV no qual Maddin interpreta um personagem chamado
"Concerned Citizen Stan", a criatividade de Maddin começou a aflorar.
Na mesma época, Steve Snyder (que lecionava cinema na faculdade), após uma
exibição de curtas, disse para Maddin que ele também poderia fazer um filme. E
assim, Maddin finalmente decidiu que era hora de escrever e dirigir seus
próprios filmes.
Misturando elementos fantásticos que lembram os que foram
criados por George Méliès e imagens surreais que parecem ter saído de um sonho,
Guy Maddin consegue criar um mundo com estilo próprio em seus filmes. Como
tema, o diretor se inspira em lembranças de sua infância.
O filme conta a história de Guy Maddin (e que comecem as
referências da vida do cineasta) cuja vida foi marcada pela convivência com a
mãe protetora e dominadora e o pai cientista, que trabalha secretamente no
porão. Guy retorna à ilha depois de trinta anos para pintar, a pedido de sua
mãe, a casa onde viveu durante a infância. Aos poucos as lembranças de sua
infância vão trazendo fortes sentimentos que ele já havia esquecido. A partir
daí somos levados de volta à infância de Guy quando ainda garoto, passava seus
dias numa misteriosa ilha, junto com sua irmã adolescente e seus pais. Seus
amigos são crianças abandonadas que viviam no orfanato de sua própria família.
Na época, a chegada de Wendy, prima de Guy, para investigar o aparecimento de
feridas nas cabeças das crianças, fez com que a falsa harmonia que havia na
ilha fosse ameaçada quando alguns segredos da família de Guy foram revelados.
E é nesse universo único, através de um forte visual e de uma
edição fragmentada, que o longa cria sua narrativa excêntrica ao flertar com o
surrealismo, experimentalismo e elementos do subgênero da ficção científica, o steampunk. Com relação ao roteiro, uma das coisas mais interessantes
é como a relação de Guy com sua mãe é abordada. Mesmo que a mulher tenha criado
seus filhos reprimindo-os de todas as formas possíveis, a volta de Guy a ilha
acaba sendo como uma forma de ver a mãe pela última vez, mesmo com as
atrocidades feitas por ela. O filme frisa constantemente o passado e as
lembranças que mesmo não sendo sempre boas, de certa forma parecem impregnar
nosso subconsciente, esperando apenas um momento certo (como o retorno ao lugar
onde vivemos) para que haja uma manifestação das sensações que um dia fizeram
parte de nossas vidas. Guy Maddin (o diretor do filme) parece não ter problema
algum em expor sua própria alma através de sabe-se lá quantas referências de
situações de sua própria infância que foram usadas no filme.
Como de costume em um filme mudo, os intertítulos aqui
parecem adquirir sons na forma como são exibidos. A repetição e rapidez com que
eles surgem e desaparecem na tela, substituem sem problemas os sons dos
diálogos ditos em voz alta pelos personagens. Mesmo usando intertítulo, o
cineasta não descarta uma narração em off, feita por Isabella Rossellini, que
com uma voz marcante, acrescenta elementos na narrativa e sentimentos dos
personagens que não podem ser ouvidos por nós.
O diretor, mesmo homenageando o cinema mudo, ao mesmo tempo
não deixa de acrescentar algo contemporâneo. A fotografia, mesmo em preto e
branco, não costuma usar uma câmera estática, muito comum nos filmes mudos. Em
algumas cenas ela se mantém fluída ao passear por cenários e personagens. As
sombras usadas com tanta frequência no expressionismo alemão, aqui também
ganham caráter de obscuridade, principalmente pelos segredos da família e por situações
desagradáveis que ocorrem na casa do garoto. A música clássica, usada durante
todo o filme, por vezes é incômoda para enfatizar a desordem de ideias,
pensamentos e lembranças de Guy.
Com esse cinema cheio de referência, mas ao mesmo tempo único
e peculiar, Guy Maddin cria uma assinatura cheia de autobiografia, mas também
cheia de estilo que parecem ter saído de um consultório de um psicanalista.
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