segunda-feira, 29 de maio de 2017

A Despedida

Texto de: Tarcísio Paulo dos Santos Araújo 

Formado pela Escola de Arte Dramática de São Paulo, Nelson Xavier atuou no teatro no cinema e na televisão. Entrou na companhia Teatro de Arena, na qual estreou nos palcos no final dos anos 1950 fazendo apresentações por diversos estados. A estreia no cinema ocorreu com o filme “Cidade Ameaçada” (1959) de Roberto Farias. Mas foi no filme “Os Fuzis” (1963) de Ruy Guerra, que o ator teve seu primeiro papel de destaque. No longa, o ator interpreta Mário, um dos soldados que defendem um armazém local do ataque da população faminta.  


Com mais de noventa trabalhos no cinema e na TV, Nelson Xavier faleceu em 10 de maio deste ano em decorrência de um câncer. Seu trabalho no cinema de mais destaque foi no longa “Chico Xavier” (2010), com direção de Daniel Filho, no qual o ator interpretou o médium espiritual Francisco Cândido Xavier.

Seu último filme estreou no dia 25 de maio. “Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta” (2017) é dirigido por Erico Rassi e narra a história de Amador (Nelson Xavier), um pistoleiro aposentado e amargurado que vive sozinho. Depois de sofrer diversas humilhações, Amador pretende se vingar violentamente do mundo ao seu redor.

O filme escolhido hoje foi “A Despedida” (2014), dirigido por Marcelo Galvão, que narra a história de um senhor de 92 anos que sente que chegou a hora de se despedir de todos a sua volta, incluindo sua amante que é 55 anos mais nova. O longa rendeu os prêmios de melhor ator para Xavier, melhor atriz para Juliana Paes, melhor fotografia para Eduardo Makino e melhor direção para Marcelo Galvão no Festival de Gramado em 2014. 

Longe de uma história cômica e que poderia facilmente colocar um senhor de 92 anos em situações jocosas, o longa trata a velhice de Admiral, um ex-almirante que vive em São Paulo. De forma sensível, mas ao mesmo tempo crua e natural, o roteiro não tenta mascarar qualquer situação que poderia trazer desconforto para o espectador.

Logo quando acorda pela manhã, somos imersos a primeira dificuldade de Admiral: a perda de audição. O som baixo e um leve zumbido, também é ouvido por nós durante toda a difícil rotina do senhor que faz questão de fazer tudo sozinho nesse dia, e que só começará a ouvir melhor, no momento em que o personagem colocar seu aparelho auditivo.


O senhor acorda e verifica sua própria fralda e mostra satisfação ao perceber que naquele dia, pelo menos, ela está limpa. Com muita dificuldade ele toma banho, faz a própria barba e se veste, para a surpresa de seu filho e sua sogra que vivem com ele na mesma casa. Na casa por sinal, não faltam relógios na parede, uma clara referência do tempo que passa rápido.

Decidido a falar com algumas pessoas, mais especificamente se despedir delas, Admiral também faz questão de andar pelas ruas de uma São Paulo, que nesse contexto ganham uma fotografia mais acinzentada. Seus passos extremamente lentos enquanto atravessa dois semáforos, fazem questão de tomar boa parte do tempo do filme, como uma forma de respeito ao tempo do personagem para fazer o percurso, e porque não uma representação da própria vida que passa. 


Em um bar onde já é freguês há muito tempo, Admiral faz questão de acertar sua dívida que está pendente, depois de pedir para uma mulher retirar todo o seu dinheiro do banco. Em passos vagarosos, o protagonista vai até a casa de um amigo para fazer as pazes. Nunca sabemos o motivo da briga e pouco nos importa, uma vez que “A Despedida” é um filme exatamente sobre partida, se despedir e aproveitar os últimos momentos da vida.

Podemos realmente ver como o personagem está disposto em aproveitar o tempo que lhe resta, ao vermos seu interesse em fumar (talvez pela primeira vez) um cigarro de maconha. Na praça onde Admiral está sentado, ele avista três garotos que fumam o baseado. Sem hesitar, chama um deles e pede para dar uma tragada no cigarro. Os efeitos logo surgem e também se dão através de uma exaltação do passado do personagem, que se imagina mais jovem andando pela praça e de repente se vê mais velho brincando em um balanço. 


O encontro mais aguardo se dá na casa de sua amante, que também não faz questão de nos dar mais informações sobre como se conheceram e como se deu esse romance entre eles. Admiral chega na casa da mulher (interpretada por Juliana Paes), que não ganha nome no filme, porém a mesma não está em casa. A relação de intimidade entre eles já se dá mesmo sem a mulher estar em casa, já que o ex-almirante já sabe onde encontrar a chave da porta para poder esperar até que ela volte.

Sua entrada na casa dá um novo fôlego ao personagem, que parece mudar sutilmente diante da atmosfera que se cria na casa da mulher. Talvez até por isso ela não tenha nome, já que sua casa e ela própria, simbolizam a energia do amor pleno que tanto fazem bem ao senhor. A casa da mulher é tomada por uma luz mais quente que simula o sol que parece bater de frente com a casa. Essa energia que a casa dá a Admiral, parece revigorá-lo de forma simbólica. Seus movimentos na casa parecem menos lentos enquanto ele sozinho, faz café, troca o jornal que fica na gaiola do pássaro de sua amante, além de alimentá-lo.


A chegada da mulher à casa traz logo uma alegria em seu olhar, que sabe que seu grande amor está de volta. Em um gesto simples e cheio de carinho, ela prepara uma sopa para o ex-almirante, em uma cena que dá valor a simplicidade de lavar os legumes e cortá-los. Isso reforça o carinho que a personagem tem com o protagonista. Luzes do abajur, cortinas em tom vermelho, já à noite, reforçam a ideia de uma atmosfera mais acalorada entre o casal. O roteiro aqui mais uma vez não tem pudor em mostrar uma cena em que Admiral masturba a mulher na banheira, momento esse de sexualidade, que quase nunca é explorado quando se fala de um personagem na terceira idade.

Uma luz mais quente, vinda do espelho do banheiro cobre o casal na banheira, e quando o ato termina, a mulher a apaga como se simbolizasse o termino do momento de intimidade e prenunciasse a volta das limitações do ex-almirante, que logo depois encontra dificuldades para sair da banheira. Nesse momento percebemos como a personagem de Juliana Paes respeita mais a independência do protagonista, deixando propositalmente que ele saia sozinho da banheira. O mesmo ocorre no jantar, mas dessa vez juliana percebe a dificuldade de Admiral ao tentar comer. Sua ajuda aqui, no entanto, é transformada em um momento cheio de carinho e intimidade entre os personagens.

A cena de sexo entre o casal, marca o último grande momento de Admiral e sua amante. Novamente na cena é usado o ator que interpretou o protagonista mais novo na cena do parque, o que acaba que cortando a naturalidade do momento. Talvez a cena poderia ter tido um impacto melhor se o próprio Xavier fizesse a cena sem as suas limitações dos movimentos, mostrando o vigor e a paixão com que aquele último momento marca o casal. A despedida, já na manhã seguinte, traz emoção a ambos os personagens que sabem que aquele momento se trata de um adeus. Com uma luz forte da janela que ilumina o quarto, o protagonista é tomado por uma forte iluminação como se estivesse prestes a fazer uma passagem para o além.


“A Despedida” se destaca pela simplicidade com que o roteiro trata de um personagem na terceira idade, sem ridicularizá-lo ao mesmo tempo em que conta uma bonita história de amor cheia de delicadeza e respeito. 







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