Texto de: Tarcísio Paulo dos Santos
Em 1871 entrava em vigor na Alemanha o parágrafo 175, uma
medida do Código Criminal que criminalizava as relações homossexuais no país.
Tudo piorou e a medida se fortificou durante o nazismo, até ser totalmente
revogada apenas no ano de 1994 com a reunificação da Alemanha. Nesse tempo
todo, vários homossexuais eram perseguidos, perdiam seus empregos e eram
processados e presos quando havia qualquer descoberta ou suspeita de alguma
relação com alguém do mesmo sexo.
Mas essa Alemanha que durante um bom tempo foi palco de
tamanha intolerância e preconceito, também foi capaz de trazer à luz uma
tentativa de desmistificar ideias completamente erradas e ignorantes acerca da
homossexualidade.
Essa luz surge em 1897 graças ao movimento homossexual alemão
de emancipação, que liderado pelo Dr. Magnus Hirschfeld alegava que os
homossexuais constituíam um “terceiro sexo” biológico, sendo assim
completamente injusta qualquer discriminação. Para cada homossexual processado
por conta do parágrafo 175, outros 100 eram chantageados para não serem
expostos à sociedade.
Durante a Primeira Guerra Mundial, o diretor Richard Oswald
começa a colaborar com o Dr. Hirschfeld e outros sexólogos na produção de
diversos filmes educativos sobre diversos assuntos. Os temas variavam entre
doenças venéreas, prostituição, aborto, entre outros. Além de uma narrativa com
personagens fictícios vivendo as situações dos temas propostos, havia também a
participação em meio a história de um médico que se encarregava da parte mais
didática.
Depois da guerra a censura passou a ser suspensa na Alemanha,
possibilitando então a produção e exibição do filme “Diferente dos Outros” em
1919. O filme é o primeiro a retratar a homossexualidade de forma séria e
didática, trazendo conhecimento e principalmente abominando qualquer
preconceito. Infelizmente a censura voltou em 1920 por conta de outros filmes
que tinham a mesma intenção de educar, mas que acabaram indo para um tom mais
explorativo, chamando a atenção do governo. “Diferente dos Outros” foi banido
em 1920 e muitas imagens se perderam, restando apenas alguns fragmentos do
longa.
De forma mais séria e fugindo de algo estereotipado, o filme
narra a história de Paul Körner (Conrad Veidt) (que um ano depois interpretaria
Cesare em “O Gabinete do Dr. Caligari”), um violinista de sucesso e Kurt Sivers
(Fritz Schulz), que após assistir a uma apresentação de Paul, fica fascinado
pelo violinista e passa a ter aulas de violino com ele.
A família de Paul e Kurt logo percebe a situação e as cobranças
começam. O pai de Kurt proíbe o jovem de ver Paul, além de já condenar desde o
início a vocação do filho para a música. Enquanto isso a família do violinista
resolve apresentá-lo para uma rica viúva para que Paul se case logo e não fique
mal falado. Tudo piora quando o romance é descoberto por Franz Bolleck
(Reinhold Schünzel) que passa a chantagear Paul, pedindo dinheiro para não
revelar às autoridades o seu romance com Kurt.
De forma bem realista (claro que com os trejeitos necessários
no cinema mudo, mas completamente diferente dos excessos pertinentes no
expressionismo alemão), “Diferente dos Outros” poderia ser melhor absorvido se
não estivessem faltando tantas partes do filme. Com uma duração de 50 minutos e
com muitos intertítulos que explicam as cenas faltantes, o filme provavelmente
duraria uma hora e meia.
Os suicídios de vários homossexuais diante de uma lei que os
matava socialmente, também é mencionado no filme. Também é explorada a vida de
Paul quando era mais jovem, suas descobertas e até a tentativa de se “curar” da
homossexualidade através da hipnose.
Se a história é mais simplista,
justamente tendo papel apenas de contextualizar o tema abordado, as cenas em
que o médico fala sobre a homossexualidade e mais do que tudo, sobre respeito,
isso em 1919, são um exemplo para diversas pessoas que vivem no século XXI e
que parecem preferir a ignorância do que o conhecimento.
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