quarta-feira, 31 de maio de 2017

Repo Men: O Resgate de Órgãos


Texto de: Danatielly Costa

“Repo Men: O Resgate de Órgãos” - Miguel Sapochnik 2010
 (adaptação do livro:  "Repossession Mambo" de: Eric Garcia)

Repo Men é um filme de ação e ficção cientifica que se passa em um futuro próximo distópico, no qual a venda de órgãos artificiais é uma realidade acessível a todos e um grande negócio lucrativo.

O filme traz Jude Law no papel de Remy, um agente que trabalha para a The Union uma empresa que vende órgãos artificiais, e Remy é uma espécie de cobrador a domicilio que vai até os clientes devedores e tem a missão de recuperar os órgãos de pessoas em débito. Isso mesmo se uma pessoa tenta dar um calote e não paga um órgão que adquiriu, a sua vida é colocada em risco, pois os agentes cobradores que recuperam esses órgãos, fazem uma verdadeira caçada humana.



Remy como um ex-militar acostumado com a Barbare não enxergava problema com a violência excessiva de seu emprego, o que acabou levando o seu casamento a crise, pois sua esposa não aceitava sua forma de trabalho.



Tudo acaba virando quando o próprio Remy depois de sofrer um acidente de trabalho precisa de um transplante de coração, o coletor passa a se sentir na pele de uma pessoa que depende dos produtos da empresa a qual ele representava, isso começa a afetar o seu comportamento a ponto dele não conseguir mais fazer o serviço, e acabando por se tornar ele mesmo o alvo de caça da poderosa  The Union.



O filme trabalha a questão do valor da vida humana por meio de muitas cenas violentas com direito a muito sangue na tela, ele abre mão de efeitos especiais elaborados para criar ambientes futurísticos não temos carros voando pelas cidades ou excesso de aparelhagens eletrônicas, o que é comum em filmes de ficção cientifica que trazem essa abordagem, ao invés disso, ele explora a forte presença da pressão da mídia sobre a população, com vinculação de propagandas repetitivas que quase obrigam as pessoas a comprarem órgãos artificiais. A fala “Você deve isso a você, deve isso a sua família” é o slogam de marketing da empresa The Union, que é vista no filme diversas vezes nas telas de TV e em telões nas ruas durante o filme. A frase acaba sendo repetida diversas vezes pelos personagens, como se fosse uma representação de uma forma de alienação. 

Apesar da forma grotesca com excesso de violência o filme é uma metáfora para falar das relações sociais e de poder, ficando bem claro a fragilidade das pessoas que dependem do sistema e das organizações poderosas para sobreviverem. A oposição é trabalhada na arte,  na composição de ambientes e na fotografia, mostrando sempre uma dicotomia entre os lados, o mais poderoso sempre aparece em espaços brancos limpos e iluminados, por outro lado a população oprimida que acabou refugiada, sempre aparece em ambientes escuros, sujos e abandonados.





Outro produto polêmico oferecido pela corporação no filme é o coma induzido com lembranças implantadas na mente de pessoas que tiveram algum acidente e se encontram em estado vegetativo, ou em pessoas que buscam experimentar novas experiências, essa ideia apesar de causar um choque de questionamento no espectador, já foi apresentada antes na literatura de ficção como por exemplo nos contos do Philip K. Dick que acabaram sendo sendo adaptados para o cinema como é o caso do famoso “O Vingador do Futuro”.


Repo Men  parece ter forte influência da obra de Philip K. Dick, e ainda apresenta uma trilha sonora bem interessante, com músicas pontuando momentos importantes na trama, aliadas a uma boa edição de som. A música é importante no enredo porque o filme possui reviravoltas dentro de sua narrativa e a trilha ajuda a contextualizar o espectador e segurar o ritmo da montagem já que o filme apresenta reviravoltas, e quebra com as expectativas. 
O elenco ainda conta com a participação da atriz brasileira Alice Braga, e do ator Forest Whitaker.



segunda-feira, 29 de maio de 2017

A Despedida

Texto de: Tarcísio Paulo dos Santos Araújo 

Formado pela Escola de Arte Dramática de São Paulo, Nelson Xavier atuou no teatro no cinema e na televisão. Entrou na companhia Teatro de Arena, na qual estreou nos palcos no final dos anos 1950 fazendo apresentações por diversos estados. A estreia no cinema ocorreu com o filme “Cidade Ameaçada” (1959) de Roberto Farias. Mas foi no filme “Os Fuzis” (1963) de Ruy Guerra, que o ator teve seu primeiro papel de destaque. No longa, o ator interpreta Mário, um dos soldados que defendem um armazém local do ataque da população faminta.  


Com mais de noventa trabalhos no cinema e na TV, Nelson Xavier faleceu em 10 de maio deste ano em decorrência de um câncer. Seu trabalho no cinema de mais destaque foi no longa “Chico Xavier” (2010), com direção de Daniel Filho, no qual o ator interpretou o médium espiritual Francisco Cândido Xavier.

Seu último filme estreou no dia 25 de maio. “Comeback: Um Matador Nunca se Aposenta” (2017) é dirigido por Erico Rassi e narra a história de Amador (Nelson Xavier), um pistoleiro aposentado e amargurado que vive sozinho. Depois de sofrer diversas humilhações, Amador pretende se vingar violentamente do mundo ao seu redor.

O filme escolhido hoje foi “A Despedida” (2014), dirigido por Marcelo Galvão, que narra a história de um senhor de 92 anos que sente que chegou a hora de se despedir de todos a sua volta, incluindo sua amante que é 55 anos mais nova. O longa rendeu os prêmios de melhor ator para Xavier, melhor atriz para Juliana Paes, melhor fotografia para Eduardo Makino e melhor direção para Marcelo Galvão no Festival de Gramado em 2014. 

Longe de uma história cômica e que poderia facilmente colocar um senhor de 92 anos em situações jocosas, o longa trata a velhice de Admiral, um ex-almirante que vive em São Paulo. De forma sensível, mas ao mesmo tempo crua e natural, o roteiro não tenta mascarar qualquer situação que poderia trazer desconforto para o espectador.

Logo quando acorda pela manhã, somos imersos a primeira dificuldade de Admiral: a perda de audição. O som baixo e um leve zumbido, também é ouvido por nós durante toda a difícil rotina do senhor que faz questão de fazer tudo sozinho nesse dia, e que só começará a ouvir melhor, no momento em que o personagem colocar seu aparelho auditivo.


O senhor acorda e verifica sua própria fralda e mostra satisfação ao perceber que naquele dia, pelo menos, ela está limpa. Com muita dificuldade ele toma banho, faz a própria barba e se veste, para a surpresa de seu filho e sua sogra que vivem com ele na mesma casa. Na casa por sinal, não faltam relógios na parede, uma clara referência do tempo que passa rápido.

Decidido a falar com algumas pessoas, mais especificamente se despedir delas, Admiral também faz questão de andar pelas ruas de uma São Paulo, que nesse contexto ganham uma fotografia mais acinzentada. Seus passos extremamente lentos enquanto atravessa dois semáforos, fazem questão de tomar boa parte do tempo do filme, como uma forma de respeito ao tempo do personagem para fazer o percurso, e porque não uma representação da própria vida que passa. 


Em um bar onde já é freguês há muito tempo, Admiral faz questão de acertar sua dívida que está pendente, depois de pedir para uma mulher retirar todo o seu dinheiro do banco. Em passos vagarosos, o protagonista vai até a casa de um amigo para fazer as pazes. Nunca sabemos o motivo da briga e pouco nos importa, uma vez que “A Despedida” é um filme exatamente sobre partida, se despedir e aproveitar os últimos momentos da vida.

Podemos realmente ver como o personagem está disposto em aproveitar o tempo que lhe resta, ao vermos seu interesse em fumar (talvez pela primeira vez) um cigarro de maconha. Na praça onde Admiral está sentado, ele avista três garotos que fumam o baseado. Sem hesitar, chama um deles e pede para dar uma tragada no cigarro. Os efeitos logo surgem e também se dão através de uma exaltação do passado do personagem, que se imagina mais jovem andando pela praça e de repente se vê mais velho brincando em um balanço. 


O encontro mais aguardo se dá na casa de sua amante, que também não faz questão de nos dar mais informações sobre como se conheceram e como se deu esse romance entre eles. Admiral chega na casa da mulher (interpretada por Juliana Paes), que não ganha nome no filme, porém a mesma não está em casa. A relação de intimidade entre eles já se dá mesmo sem a mulher estar em casa, já que o ex-almirante já sabe onde encontrar a chave da porta para poder esperar até que ela volte.

Sua entrada na casa dá um novo fôlego ao personagem, que parece mudar sutilmente diante da atmosfera que se cria na casa da mulher. Talvez até por isso ela não tenha nome, já que sua casa e ela própria, simbolizam a energia do amor pleno que tanto fazem bem ao senhor. A casa da mulher é tomada por uma luz mais quente que simula o sol que parece bater de frente com a casa. Essa energia que a casa dá a Admiral, parece revigorá-lo de forma simbólica. Seus movimentos na casa parecem menos lentos enquanto ele sozinho, faz café, troca o jornal que fica na gaiola do pássaro de sua amante, além de alimentá-lo.


A chegada da mulher à casa traz logo uma alegria em seu olhar, que sabe que seu grande amor está de volta. Em um gesto simples e cheio de carinho, ela prepara uma sopa para o ex-almirante, em uma cena que dá valor a simplicidade de lavar os legumes e cortá-los. Isso reforça o carinho que a personagem tem com o protagonista. Luzes do abajur, cortinas em tom vermelho, já à noite, reforçam a ideia de uma atmosfera mais acalorada entre o casal. O roteiro aqui mais uma vez não tem pudor em mostrar uma cena em que Admiral masturba a mulher na banheira, momento esse de sexualidade, que quase nunca é explorado quando se fala de um personagem na terceira idade.

Uma luz mais quente, vinda do espelho do banheiro cobre o casal na banheira, e quando o ato termina, a mulher a apaga como se simbolizasse o termino do momento de intimidade e prenunciasse a volta das limitações do ex-almirante, que logo depois encontra dificuldades para sair da banheira. Nesse momento percebemos como a personagem de Juliana Paes respeita mais a independência do protagonista, deixando propositalmente que ele saia sozinho da banheira. O mesmo ocorre no jantar, mas dessa vez juliana percebe a dificuldade de Admiral ao tentar comer. Sua ajuda aqui, no entanto, é transformada em um momento cheio de carinho e intimidade entre os personagens.

A cena de sexo entre o casal, marca o último grande momento de Admiral e sua amante. Novamente na cena é usado o ator que interpretou o protagonista mais novo na cena do parque, o que acaba que cortando a naturalidade do momento. Talvez a cena poderia ter tido um impacto melhor se o próprio Xavier fizesse a cena sem as suas limitações dos movimentos, mostrando o vigor e a paixão com que aquele último momento marca o casal. A despedida, já na manhã seguinte, traz emoção a ambos os personagens que sabem que aquele momento se trata de um adeus. Com uma luz forte da janela que ilumina o quarto, o protagonista é tomado por uma forte iluminação como se estivesse prestes a fazer uma passagem para o além.


“A Despedida” se destaca pela simplicidade com que o roteiro trata de um personagem na terceira idade, sem ridicularizá-lo ao mesmo tempo em que conta uma bonita história de amor cheia de delicadeza e respeito. 







sábado, 13 de maio de 2017

Marcado na Mente

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos

Desconhecido do grande público, “Marcado na Mente” é um grande achado do cinema independente. Dirigido pelo canadense Guy Maddin, o longa tem uma forte influência do cinema mudo e do expressionismo alemão pelo fato da produção fazer uso de intertítulos (embora haja uma narradora em alguns momentos) e por ser em preto e branco, mas também pelo uso inteligente da luz na fotografia para a criação de sombras.


Conhecido como o “David Lynch Canadense”, Guy Maddin se formou em economia pela Universidade de Winnipeg, onde trabalhou como caixa de banco e até mesmo como pintor de casas. Fez amizade com o cineasta John Paizs, que passava finais de semana (junto com Maddin) na casa do amigo Steve Snyder, assistindo horas de filmes em películas de 16 milímetros.



Após uma participação junto com seu amigo, Greg Klymkiw, em um programa de TV no qual Maddin interpreta um personagem chamado "Concerned Citizen Stan", a criatividade de Maddin começou a aflorar. Na mesma época, Steve Snyder (que lecionava cinema na faculdade), após uma exibição de curtas, disse para Maddin que ele também poderia fazer um filme. E assim, Maddin finalmente decidiu que era hora de escrever e dirigir seus próprios filmes.

Misturando elementos fantásticos que lembram os que foram criados por George Méliès e imagens surreais que parecem ter saído de um sonho, Guy Maddin consegue criar um mundo com estilo próprio em seus filmes. Como tema, o diretor se inspira em lembranças de sua infância.

O filme conta a história de Guy Maddin (e que comecem as referências da vida do cineasta) cuja vida foi marcada pela convivência com a mãe protetora e dominadora e o pai cientista, que trabalha secretamente no porão. Guy retorna à ilha depois de trinta anos para pintar, a pedido de sua mãe, a casa onde viveu durante a infância. Aos poucos as lembranças de sua infância vão trazendo fortes sentimentos que ele já havia esquecido. A partir daí somos levados de volta à infância de Guy quando ainda garoto, passava seus dias numa misteriosa ilha, junto com sua irmã adolescente e seus pais. Seus amigos são crianças abandonadas que viviam no orfanato de sua própria família. Na época, a chegada de Wendy, prima de Guy, para investigar o aparecimento de feridas nas cabeças das crianças, fez com que a falsa harmonia que havia na ilha fosse ameaçada quando alguns segredos da família de Guy foram revelados.



E é nesse universo único, através de um forte visual e de uma edição fragmentada, que o longa cria sua narrativa excêntrica ao flertar com o surrealismo, experimentalismo e elementos do subgênero da ficção científica, o steampunk.  Com relação ao roteiro, uma das coisas mais interessantes é como a relação de Guy com sua mãe é abordada. Mesmo que a mulher tenha criado seus filhos reprimindo-os de todas as formas possíveis, a volta de Guy a ilha acaba sendo como uma forma de ver a mãe pela última vez, mesmo com as atrocidades feitas por ela. O filme frisa constantemente o passado e as lembranças que mesmo não sendo sempre boas, de certa forma parecem impregnar nosso subconsciente, esperando apenas um momento certo (como o retorno ao lugar onde vivemos) para que haja uma manifestação das sensações que um dia fizeram parte de nossas vidas. Guy Maddin (o diretor do filme) parece não ter problema algum em expor sua própria alma através de sabe-se lá quantas referências de situações de sua própria infância que foram usadas no filme.


Como de costume em um filme mudo, os intertítulos aqui parecem adquirir sons na forma como são exibidos. A repetição e rapidez com que eles surgem e desaparecem na tela, substituem sem problemas os sons dos diálogos ditos em voz alta pelos personagens. Mesmo usando intertítulo, o cineasta não descarta uma narração em off, feita por Isabella Rossellini, que com uma voz marcante, acrescenta elementos na narrativa e sentimentos dos personagens que não podem ser ouvidos por nós.

A edição fragmentada traz uma rapidez que evoca justamente o funcionamento dos pensamentos. Por diversas vezes rápida e com planos bem curtos, é como se estivéssemos realmente na mente de Guy que passa a se lembrar de momentos de sua juventude quando morava na ilha com seus pais e irmã.


O diretor, mesmo homenageando o cinema mudo, ao mesmo tempo não deixa de acrescentar algo contemporâneo. A fotografia, mesmo em preto e branco, não costuma usar uma câmera estática, muito comum nos filmes mudos. Em algumas cenas ela se mantém fluída ao passear por cenários e personagens. As sombras usadas com tanta frequência no expressionismo alemão, aqui também ganham caráter de obscuridade, principalmente pelos segredos da família e por situações desagradáveis que ocorrem na casa do garoto. A música clássica, usada durante todo o filme, por vezes é incômoda para enfatizar a desordem de ideias, pensamentos e lembranças de Guy. 

 

Com esse cinema cheio de referência, mas ao mesmo tempo único e peculiar, Guy Maddin cria uma assinatura cheia de autobiografia, mas também cheia de estilo que parecem ter saído de um consultório de um psicanalista. 

     


terça-feira, 9 de maio de 2017

Diferente dos Outros

Texto de: Tarcísio Paulo dos Santos

Em 1871 entrava em vigor na Alemanha o parágrafo 175, uma medida do Código Criminal que criminalizava as relações homossexuais no país. Tudo piorou e a medida se fortificou durante o nazismo, até ser totalmente revogada apenas no ano de 1994 com a reunificação da Alemanha. Nesse tempo todo, vários homossexuais eram perseguidos, perdiam seus empregos e eram processados e presos quando havia qualquer descoberta ou suspeita de alguma relação com alguém do mesmo sexo.

Mas essa Alemanha que durante um bom tempo foi palco de tamanha intolerância e preconceito, também foi capaz de trazer à luz uma tentativa de desmistificar ideias completamente erradas e ignorantes acerca da homossexualidade.

Essa luz surge em 1897 graças ao movimento homossexual alemão de emancipação, que liderado pelo Dr. Magnus Hirschfeld alegava que os homossexuais constituíam um “terceiro sexo” biológico, sendo assim completamente injusta qualquer discriminação. Para cada homossexual processado por conta do parágrafo 175, outros 100 eram chantageados para não serem expostos à sociedade.

Durante a Primeira Guerra Mundial, o diretor Richard Oswald começa a colaborar com o Dr. Hirschfeld e outros sexólogos na produção de diversos filmes educativos sobre diversos assuntos. Os temas variavam entre doenças venéreas, prostituição, aborto, entre outros. Além de uma narrativa com personagens fictícios vivendo as situações dos temas propostos, havia também a participação em meio a história de um médico que se encarregava da parte mais didática.

Depois da guerra a censura passou a ser suspensa na Alemanha, possibilitando então a produção e exibição do filme “Diferente dos Outros” em 1919. O filme é o primeiro a retratar a homossexualidade de forma séria e didática, trazendo conhecimento e principalmente abominando qualquer preconceito. Infelizmente a censura voltou em 1920 por conta de outros filmes que tinham a mesma intenção de educar, mas que acabaram indo para um tom mais explorativo, chamando a atenção do governo. “Diferente dos Outros” foi banido em 1920 e muitas imagens se perderam, restando apenas alguns fragmentos do longa.


De forma mais séria e fugindo de algo estereotipado, o filme narra a história de Paul Körner (Conrad Veidt) (que um ano depois interpretaria Cesare em “O Gabinete do Dr. Caligari”), um violinista de sucesso e Kurt Sivers (Fritz Schulz), que após assistir a uma apresentação de Paul, fica fascinado pelo violinista e passa a ter aulas de violino com ele.


A família de Paul e Kurt logo percebe a situação e as cobranças começam. O pai de Kurt proíbe o jovem de ver Paul, além de já condenar desde o início a vocação do filho para a música. Enquanto isso a família do violinista resolve apresentá-lo para uma rica viúva para que Paul se case logo e não fique mal falado. Tudo piora quando o romance é descoberto por Franz Bolleck (Reinhold Schünzel) que passa a chantagear Paul, pedindo dinheiro para não revelar às autoridades o seu romance com Kurt. 


De forma bem realista (claro que com os trejeitos necessários no cinema mudo, mas completamente diferente dos excessos pertinentes no expressionismo alemão), “Diferente dos Outros” poderia ser melhor absorvido se não estivessem faltando tantas partes do filme. Com uma duração de 50 minutos e com muitos intertítulos que explicam as cenas faltantes, o filme provavelmente duraria uma hora e meia. 


Os suicídios de vários homossexuais diante de uma lei que os matava socialmente, também é mencionado no filme. Também é explorada a vida de Paul quando era mais jovem, suas descobertas e até a tentativa de se “curar” da homossexualidade através da hipnose.

Se a história é mais simplista, justamente tendo papel apenas de contextualizar o tema abordado, as cenas em que o médico fala sobre a homossexualidade e mais do que tudo, sobre respeito, isso em 1919, são um exemplo para diversas pessoas que vivem no século XXI e que parecem preferir a ignorância do que o conhecimento.    



terça-feira, 2 de maio de 2017

Quem é JonBenét

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos

“Quem é JonBenét” estreou na última sexta-feira na Netflix. O documentário aborda o famoso assassinato de JonBenét Patricia Ramsey que ocorreu em 25 de dezembro de 1996. O crime chocou os EUA na época e até hoje não solucionado. A menina de apenas seis anos de idade, participou de diversos concursos de beleza infantil, muitos financiados pela própria mãe, Patricia Ramsey, que era casada com John Bennett, conhecido executivo americano. 



Em 26 de dezembro de 1996, Patricia descobriu que sua filha havia desaparecido depois de encontrar na escadaria da cozinha um bilhete de resgate exigindo 118 mil dólares, quase o valor exato de um bônus que seu marido havia recebido no começo do ano. Apesar de no bilhete estar escrito que a polícia não deveria ser contatada, ela telefonou para a polícia, família e amigos.

O corpo da menina foi encontrado no porão de sua própria casa após quase oito horas de JonBenét ter desaparecido. Ela tinha sido atingida na cabeça e estrangulada. O caso, mesmo depois de muitas investigações ainda permanece sem solução, gerando muito interesse do público e da mídia.

Saindo de uma linha mais convencional, o documentário passa longe de uma abordagem voltada para uma espetacularização com várias dramatizações ou entrevistas que buscam uma investigação para tentar descobrir a verdade. Todo o documentário se passa durante um teste com atores para serem escalados para os papéis principais dos personagens da tragédia.


Cenas de entrevistas com os atores são intercaladas com a dramatização de alguns acontecimentos-chave do caso que são encenados por todos os atores que estão fazendo o teste. O ponto principal do documentário, muitas vezes acaba sendo os próprios atores e suas impressões do crime, indagações sobre o que teria ocorrido de fato, além de uma tentativa de analisar os personagens reais da história ao mesmo tempo em que os mesmos são construídos para o momento do teste. 


A comoção desses atores em alguns casos, são frisadas por conta de alguns deles já terem morado no mesmo bairro onde vivia JonBenét, ou por já terem tido a experiência de ter perdido alguém próximo. Muitos começam a desabafar situações bem pessoais que de alguma forma causam empatia com os sentimentos dos personagens, como o luto, a acusação de ter feito algo que não fez e até abuso sexual. Podemos perceber a tentativa de enxergarmos esses atores, não apenas como profissionais que estão fazendo um teste para um filme, mas também como seres humanos que conseguem observar em suas vidas reminiscências de acontecimentos que de alguma forma se assemelham (mais no campo emotivo) com o caso que estão representando.


Ao mesmo tempo observamos um exercício de atuação ao perceber como cada ator cria suas “Patricias” e Johns”e as reações diante de dramatizações, como o momento em que John encontra o corpo da filha ou quando Patricia liga para a polícia para informar que a filha desapareceu.
    
Visualmente o documentário faz uso de cenários simples dos principais cômodos da casa, do porão e da delegacia, com cada ator que está fazendo o teste, inserido no lugar que lhe corresponde. Um dos pontos altos do roteiro é quando um movimento em travelling passa por diversos cenários como o quarto dos pais de JonBenét, corredor, escada, quarto e banheiro da menina enquanto todos os atores aparecem atuando ao mesmo tempo, em diversas situações de desespero, choro e conflitos. Essa cena é responsável por retratar toda a dor e conflito dos personagens, independente de julgamentos.


Para quem espera uma abordagem total da vida de JonBenét e do crime, pode se frustrar um pouco. O próprio título pode facilmente enganar o espectador, mas ao mesmo tempo o documentário vale a pena ser visto justamente por sair do óbvio, mesmo que em alguns momentos ele fuja totalmente da história dos personagens, indo mais para a vida pessoal dos atores que estão fazendo o teste.






Amor, Plástico e Barulho

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos

Dirigido por Renata Pinheiro, “Amor, Plástico e Barulho” (2013) é um filme brega. Não me entenda mal. O termo usado aqui faz todo o sentido, uma vez que o próprio longa não tem pudor em abraçar por completo o universo do tecnobrega que vai muito além do contexto onde se passa toda a história, tomando conta também de todo o visual da composição fílmica.


Em meio a esse universo cheio de sensualidade, música, cores e luzes, Shelly (Nash Laila) é uma jovem dançarina recém-chegada à banda “Amor com Veneno”. A jovem sonha em um dia se tornar cantora de alguma banda. Jaqueline (Maeve Jinkings), vocalista veterana da banda, percebe que seu sucesso começa a declinar.


Como tema principal, o filme traz a busca pelo sonho e a rotatividade de pessoas, amores e sucessos musicais do momento e como tudo isso afeta Shelly e Jaqueline. A rotatividade também aparece até em Recife, cidade onde ocorre a trama. Como já abordado em “Aquarius” e “O Som ao Redor”, somos aqui surpreendidos por imagens de uma propaganda de um enorme shopping que está aos poucos sendo construído na cidade, trazendo mais uma vez o tema da especulação imobiliária. As imagens mostram casas sendo derrubadas e a imponência da estrutura do shopping em meio a algumas casas.




Existe uma mistura de imagens quase documentais (com a câmera na mão que está sempre próxima dos atores) com imagens que permitem uma licença poética ao quebrar o realismo para frisar a rapidez com que tudo acontece e até um momento de imaginação de Shelly. Essas observações podem ser conferidas em uma cena que em um plano sequência, Shelly está dançando com Allan (Samuel Vieira), ex-vocalista da banda “Amor com Veneno”, que deixou de cantar com Jaqueline para começar sua própria banda. Em um mesmo plano o casal vai da pista de dança para um quarto de motel. Essa rápida transição de eventos, são propositais na abordagem de como tudo muda rapidamente, principalmente quando se fala da indústria do entretenimento.




Essa mesma transição acontece com Shelly, que está no ônibus e ao se contentar em ser apenas a musa inspiradora de uma das canções de Allan (agora com a banda “Amor com Mel”, se permite sonhar com um veículo dominado por luzes, glitter e música, enquanto dança e canta com Jaqueline. A rápida mudança acontece aqui como um simples pensamento da jovem que volta para casa abraçada à cadeira do ônibus enquanto sonha com a fama.

A rivalidade das duas por sinal, é algo mais ameno na narrativa. Felizmente o roteiro não optou por esse caminho mais fácil e superficial. Não que haja atrito entre as personagens principais, mas o filme procura focar mais como cada personagem encara seus próprios conflitos. “Se Jaqueline ensaia a música “Chupa que é de Uva” em tom melancólico enquanto chora por saber que seu sucesso está acabando, Shelly vai ao mercado comprar tintura e as caixas do produto ganham uma iluminação especial com direito a mudança na cor do batom da modelo que aparece na foto da caixa, como um “sinal” para a jovem de que é aquela cor que deve ser escolhida.


Ainda assim há espaço também para uma redenção da amizade de Shelley e Jaqueline, em uma mesa de bar. Enquanto a primeira continuará a perseguir o seu sonho, a segunda vê a possibilidade de ser mais participativa na vida da filha que mora com a avó. Em uma cena simples durante um telefonema para saber como a filha está, Jaqueline descobre que a filha não gosta mais de um determinado brinquedo que ela pretendia comprar para a menina, possivelmente por a mesma já estar um pouco mais crescida e ter mudado seus gostos.

Um tom bem popular está nas imagens de vídeos cômicos da internet que às vezes surgem entre algumas cenas. Propositalmente em baixa qualidade, o mesmo ocorre com os vídeos em que mostram as bandas se apresentando no programa “Brega Show”. O filme em nenhum momento usa esse artifício como forma de satirizar as situações, pois ele abraça e nos envolve nesse universo do brega ao mostrar os personagens e seus
desejos como muita verdade e naturalidade.


E é nesse mundo cheio de sensualidade, luzes e música que “Amor Plástico e Barulho” aborda a busca pelos sonhos e a facilidade com que coisas e pessoas são descartadas, nas palavras de Jaqueline: “Como um copo de plástico”. 

Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

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