Análise do filme Moonlight: Sob a Luz do
Luar
Por: Tarcísio Paulo dos Santos Araújo
A edição do Oscar 2017, sem dúvidas, ficou na história.
Ninguém nunca havia errado o nome de um vencedor. “La La Land” levou seis
prêmios no último domingo (dia 26), além de ser eleito como melhor filme de
2017. Momento esse que durou alguns minutos. Com “Moonlight: Sob a Luz do Luar”,
sendo o verdadeiro vencedor de melhor filme, podemos dizer que tivemos uma
premiação quase justa (“Star Trek” deveria ter ganho por melhor maquiagem,
assim como Isabelle Huppert como melhor atriz, pelo filme “Elle”).
Memes e brincadeiras à parte, ainda é cedo para sabermos se
“Moonlight” irá se manter atual com o passar dos anos, mas podemos ter certeza
de que no presente o longa é extremamente necessário ao retratar a comunidade
negra longe de estereótipos e através da humanidade que dá aos seus personagens
que somado ao prêmio, dará extrema visibilidade à uma comunidade tão
marginalizada.
Mas não pense você,
que ainda não assistiu ao filme, que ele traz na sua forma uma narrativa
carregada de vitimismos ou até mesmo panfletária. Tudo foi realizado com muita
sensibilidade e poesia, tocando em assuntos como homossexualidade, bullying,
autodescoberta, a importância da afetividade e da conexão com o outro e a
tentativa de se encontrar no mundo, garantindo assim um desabafo universal
capaz de criar fácil empatia com o público.

O longa se destaca por sempre buscar a humanidade e a beleza
em meio a um ambiente violento e que oferece poucas chances ao personagem
principal. Dividido nas três fases da vida de Chiron (Alex Hibbert), conhecido
por todos como “Little”, o filme conta a história desse menino que mora em um
bairro periférico de Miami. Nessa primeira fase somos primeiramente apresentados
a Juan (Mahershala Ali), que também foi premiado, ganhando o Oscar de melhor
ator coadjuvante. O ator interpreta um traficante de craque que terá total
importância na vida de Chiron, que logo em sua primeira cena, é visto por nós
correndo dos colegas de classe que estão sempre o provocando.
O encontro do menino
com Juan acontece em uma casa abandonada onde o garoto se escondeu para não
apanhar dos colegas. Acuado em um canto, Juan tira um pedaço da madeira que
cobria a janela da casa, deixando a luz entrar no local. Elementos visuais como
esse, fazem total diferença para a narrativa ao reforçar aspectos da relação
entre os personagens.
Acuado
e sempre falando pouco, Chiron costuma andar de cabeça baixa, trazendo na sua
expressão corporal uma baixa autoestima gerada pela violência sofrida na
escola. Essa característica do personagem parece refletir também na fotografia,
que em alguns momentos, é como se a câmera o evitasse, respeitando
assim seu espaço.
A partir desse
encontro, Juan terá um papel muito importante na vida do garoto, que resultará
na tentativa de resgatar sua identidade, começando por chamar o garoto pelo
nome. A relação de ambos traz diálogos de extrema importância no que diz
respeito a consciência negra e acima de tudo, na base de uma construção de
identidade do menino. A confiança fica estabelecida em uma linda cena onde Juan
ensina Chiron a nadar.

Já a mãe do menino, Paula (Naomie Harris), é usuária de
drogas e faz programas dentro da própria casa. A personagem costuma abusar
emocionalmente o garoto, principalmente quando está sob efeito das drogas. Essa
primeira fase da vida do protagonista, bem como a segunda, encerra com momentos
de rupturas. Em uma cena em que Paula grita com Chiron, a personagem grita enquanto
ao fundo vemos uma iluminação arroxeada, vinda do quarto da personagem. No
cinema é comum a ligação da cor roxa com a morte. Se aqui a morte não ocorre de
forma física, ela acontece de forma simbólica, já que parece marcar o fim de
uma esperança de que Chiron pudesse ter ainda alguma relação saudável com sua
mãe, que vai se entregar ao vício com o passar dos anos. O mesmo rompimento
acontecerá entre Chiron e Juan, quando o garoto descobre que o único homem que
ele conheceu e que sabia que poderia confiar, vende drogas. A cena é uma das
mais emocionantes e acredito que teve um grande peso para que Mahershala Ali
ganhasse o prêmio da academia.


Chegando na segunda fase, Chiron (interpretado agora por
Ashton Sanders) agora é um adolescente que continua a sofrer bullying na
escola. O menino se esforça para manter a confiança, porém, o meio em que vive
continua não facilitando para que sua vida seja menos difícil. Seu amigo Kevin
(Jharrel Jerome), é agora o responsável pela descoberta de sua sexualidade, uma
vez que Chiron nutre sentimentos pelo rapaz.
Já a relação com sua mãe, é marcada pelo vício da personagem
que está mais evoluído do que antes. Agora adolescente, tanto Chiron quanto
nós, encaramos o vício de Paula de forma mais direta e explícita. Em uma cena
de abstinência em que Paula precisa de dinheiro para comprar drogas, a mulher
aparece desorientada. A câmera subjetiva de Chiron e de Paula, frisa bem o
estado de mãe e filho. Enquanto no primeiro, temos uma mulher alterada e
precisando se drogar, no segundo temos um filho ciente do que acontece com sua
mãe e que sabe que não há muito o que fazer.

Aos poucos a
fotografia vai ganhando luzes mais quentes, provenientes dos postes das ruas da
cidade. Essas cores estão presentes em uma das cenas mais significativas para o
personagem que é quando ele beija Kevin e um contato mais íntimo entre os dois
personagens acontece. Segundo o próprio diretor, Barry Jenkins, a fotografia do
longa não optou por seguir talvez o que seria o mais óbvio, como “banhar” os
personagens somente em luzes mais frias ou sombras constantes. Jenkins cresceu
em bairros periféricos assim como o protagonista, mas disse se lembrar sempre
da beleza das luzes das cidades. Como já dito no início, “Moonlight” retrata
uma dura realidade, mas sem nunca deixar que seu protagonista perca sua
sensibilidade e essência, características essas que parecem refletir na
fotografia, que também não deixa de retratar a melancolia das vidas de seus
personagens, fazendo uso de uma fotografia mais azulada em determinados
momentos durante todo o filme.

A ruptura acontece mais uma vez no final da segunda fase do
protagonista. Dessa vez o bullying é o grande responsável por isso. Como se não
bastasse, o grande causador de tudo é justamente Kevin, que por medo de ficar
mal com os colegas, aceita dar uma surra em Chiron. Fica claro como as pessoas
que parecem dar esperança para que o protagonista possa mudar sua realidade, são
as mesmas que acabam lhe fazendo mal.
E finalmente chegamos na terceira fase. Chiron, agora
conhecido como “Black” (interpretado na fase adulta por Trevante Rhodes), vive
em Atlanta. Depois de ficar um tempo na prisão juvenil, foi ajudado por um
traficante e agora tem uma vida muito semelhante à de Juan. Mais musculoso e
respeitado por todos, ele usa uma espécie de dentadura de ouro por cima de seus
dentes reais e anda em seu próprio carro. Se o filme parece nos fazer pensar,
mesmo que por um segundo, que a narrativa irá cair em algum estereótipo em que
veremos personagens negros traficando drogas, a terceira fase de “Moonlight”
nos mostra mais ainda porque o filme foi merecedor de ganhar na categoria de
melhor filme do Oscar desse ano.

A partir daqui, iremos acompanhar a desconstrução da nova
imagem de Chiron, que irá revelar mais uma vez sua essência, sensibilidade e
humanidade, independentemente do que a vida o levou. Um telefonema de Kevin,
que agora trabalha em um restaurante, e um convite para jantar, trará à tona
todo o seu passado e a possibilidade de um futuro melhor para o protagonista.
Essa fase é também marcada como um momento de se fazer as pazes com o passado.
Antes de ir se encontrar com o amigo, Chiron visita a mãe em uma clínica de
reabilitação onde o encontro serve como um pedido de perdão da mãe e a
possibilidade de um novo recomeço.

No encontro entre Kevin e Chiron, é possível percebermos mais
uma vez o poder das luzes da cidade e do próprio restaurante que reforçam
através das cores quentes, a relação do protagonista com seu amigo, que também
está disposto a pedir desculpas pelo o que fez. O azul também não é esquecido,
ao aparecer nas luzes da cozinha e da geladeira, e até pela janela do restaurante.

Ainda no que diz respeito a uma espécie de armadura usada
pelo personagem, Chiron leva um tempo para sair do carro e quando o faz, está
usando os dentes falsos de ouro e resolve vestir uma camiseta por cima da regata
que usava. Temos mais uma vez o visual reforçando questões emocionais do
personagem. Voltando ao restaurante é interessante notarmos outra questão: a
comida. O ato de oferecer comida é algo bem forte em “Moonlight”, já que nas
três fases da vida de Chiron, alguém oferece uma refeição a ele, simbolizando
esse afeto e conexão dele com esses personagens. Agora com Kevin, a preparação
do jantar e a montagem do prato feito pelo próprio, ganha destaque e até
música, fortalecendo sua importância na narrativa. Já Chiron, retira os dentes
de ouro para poder jantar, adicionando assim mais um elemento para esse
“desarmamento” do personagem, rumo a sua sensibilidade e humanização.



No final, no apartamento de Kevin, Chiron se abre e revela
algo que resume todo o filme: a jornada desse personagem em busca de afeto e de
conexão com as pessoas. Independentemente do que acontecerá depois, “Moonlight:
Sob a Luz do Luar” traz muito além da narrativa, a contemplação da esperança no
outro.
Em tempos de frases
como: “Tá com dó? Leva pra casa!”, o filme busca trazer
uma humanização para estereótipos que podem cair facilmente em julgamentos sem
nem ao menos procurarmos entender o contexto de vida do outro.