segunda-feira, 20 de março de 2017

45 Anos


Por: Tarcísio  Paulo dos Santos Araújo

O cineasta britânico Andrew Haigh, além de alguns curtas, tem no seu currículo filmes como “Weekend”, a série “Looking”, que mostra a vida de três amigos gays que vivem em São Francisco, assim como o próprio filme da série que foi lançado em 2016. Uma das características do diretor é a capacidade de tratar as relações humanas com muita sensibilidade e profundidade.

Com “45 Anos” não foi diferente. O longa foi entre os filmes do diretor que mais teve destaque, contando com Charlotte Rampling concorrendo ao Oscar na categoria de melhor atriz em 2016. Assim como em “Weekend”, Andrew Haigh busca retratar a relações humanas a partir de momentos sutis que podem estar numa expressão ou ação dos personagens, assim como nos bons diálogos.


No longa, Rampling interpreta Kate, uma professora já aposentada que vive com seu marido, Geoff (Tom Courtenay). O casal irá completar quarenta e cinco anos de casado, e se preparam para uma festa em comemoração ao aniversário de casamento. Tudo parece ir bem até Geoff receber uma carta avisando que o corpo de Katya, sua antiga namorada, foi encontrado em uma geleira que derreteu. A mulher havia caído em uma fenda na década de 60, enquanto andava por uma montanha com Geoff. O que parecia ser uma triste e ao mesmo tempo uma notícia que não deveria afetar em nada a relação de Geoff com Kate, traz à tona sentimentos e descobertas que estavam congelados juntos com Katya...

“45 Anos” - Andrew Haigh 



Aos pouco o espectador observa como a relação de Geoff e Kate é posta à prova durante o filme, através de diálogos expositivos que vão revelando características da relação de Geoff com a falecida namorada, que começam a despertar na ex-professora, sentimentos que a farão questionar até que ponto seu marido casou-se com ela para tentar esquecer Katya. Não que Geoff não ame Kate, mas é que sua reação ao saber que acharam o corpo de sua ex-namorada, claramente o afeta muito. Ele passa a relembrar momentos que teve com a mulher e detalhes da sua vida com ela que nunca haviam sido compartilhados com Kate.


Geoff vai ficando com o olhar distante e pensativo, enquanto a câmera o desfoca, simbolizando uma distância do personagem de sua relação. Kate em um primeiro momento, vai ouvindo o desabafo do marido, mas aos poucos vai percebendo a importância que Katya teve. Interessante notar a verdade nos relatos dos personagens, que dispensam qualquer cena de flashback. A câmera por muitas vezes, evita alternar entre plano contra plano, focalizando o personagem por um bom tempo enquanto ele relata algo que teve importância para sua vida. 


“45 anos” - Andrew Haigh


Em meio a tudo isso, Kate continua cuidando dos preparativos do aniversário de casamento. A partir daí é como se as situações e lugares estivessem tomados por uma atmosfera de frieza e melancolia. Ao visitar o salão onde irá acontecer a festa, Kate aparece andando pelo lugar vazio e nota uma parede que parece estar faltando algum quadro. Coincidência ou não, mais adiante descobrimos que o casal não tem fotos juntos nos momentos mais significativos de suas vidas.

“45 anos” - Andrew Haigh

O desenrolar da história que acontece durante o outono, traz mais reforço para a personagem que parece “desvanecer” aos poucos. Às vezes a vemos diminuída andando por um campo enquanto procura o cachorro. A vegetação apresenta uma neblina e a fotografia traz uma paleta de cores meio azulada que parecem retratar a mulher como uma lembrança, algo que não é vívido na memória, mesmo ela estando casada com Geoff há 45 anos. O mesmo ocorre na direção de arte. Katy costuma usar um casaco branco que em determinados lugares onde ela é enquadrada, faz com que a personagem se “funda” com a paisagem ou com o que está atrás dela. Mesmo em dias ensolarados, as folhas secas e o vento reforçam essas ideias.

“45 anos” - Andrew Haigh

“45 anos” - Andrew Haigh

Chega em um determinado momento em que a mulher decide confrontar o “fantasma” de Katya. O enquadramento foi muito bem pensado, porque não temos em nenhum momento planos separados que mostram as fotos que são exibidas nos slides e planos que mostram a reação de Kate ao ver as fotos. Ambas aprecem juntas no mesmo plano, e Katya parece observar Kate, em uma poesia visual que retrata um confronto entre passado e presente.


No final, já no dia da festa, o roteiro de “45 Anos” evita um final clássico e direto, se concentrando mais nos sentimentos de Kate e uma possível decisão da personagem com relação ao seu casamento, é retratada através do semblante da personagem que é tomada por uma luz azul enquanto toca “Smoke Gets In Your Eyes” dos The Platters, cuja letra da canção reforma mais os sentimentos de Kate.





domingo, 12 de março de 2017

O Coração Delator

Por: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

“Esta é uma história relatada por um homem louco, e apresentada da forma como os acontecimentos foram registrados em sua mente distorcida”.

Assim se inicia o primeiro intertítulo do curta “O Coração Delator” (The Tell-Tale Heart, 1928), curta metragem mudo dirigido por Charles Klein e Leon Shamroy (não creditado), adaptado do conto homônimo de Edgar Allan Poe. Com adaptações mais conhecidas do público como “O Corvo” e “A Queda da Casa de Usher” (que por sinal também conta com uma adaptação muda, realizada também em 1928 na França, por Jean Epstein), vale a pena conhecer mais essa que se encontra no Youtube. Mesmo sem legendas em português para os intertítulos, quem já conhece o conto e por conta do próprio cinema mudo ser um cinema que privilegia o contar histórias através das imagens, não fica difícil de compreender a narrativa.

Como o próprio intertítulo mencionado acima nos avisa, temos toda a narrativa do ponto de vista do protagonista, cuja mente está distorcida. O homem planeja matar um senhor que dorme no quarto, cujo olho perturba o protagonista de tal forma, que ele prefere se livrar do pobre senhor.
O curta não poderia ter deixado de lado o estilo que mais acolheria a sinopse do conto: o expressionismo alemão. O expressionismo alemão surgiu primeiro nas artes plásticas para só depois chegar ao cinema. Grande precursor do cinema de horror, esse estilo surgiu na Alemanha com o filme “O Gabinete do Dr. Caligari” de 1920.

Conhecido por externar os sentimentos e sensações dos personagens através dos cenários e das expressões dos atores, temos assim a representação de uma realidade que não busca ser objetiva.


E é exatamente isso o que podemos notar ao ver o curta. O uso de sombras distorcidas e uma expressão de angústia e loucura do personagem principal marcam o visual da narrativa, que também faz o uso de uma fotografia que privilegia pouca luz, mesmo porque parte da história se passa à noite quando a vítima do homem insano está dormindo. 


Passado inteiro dentro de um quarto, a fotografia também consegue diminuir a sensação de espaço do lugar com a escuridão, como forma de representar uma mente encurralada e tomada pelas sombras, com poucas chances de se iluminar. Quando conseguimos ter uma ideia melhor do quarto, já é de dia. A chegada dos detetives reforça o momento como um vislumbre de realidade, porém sem nunca deixar de representar o psicológico do protagonista nas portas, janelas e formas dos cenários completamente disformes. 


Se o conto de Edgar Allan Poe consegue mergulhar fundo na insanidade de seu personagem, o filme faz uma interessante representação do conto ao usar o expressionismo alemão (embora o filme seja americano) como forma de alcançar o mesmo efeito no cinema. Vale a pena conferir.



Abaixo link para conferir o curta no youtube







sexta-feira, 10 de março de 2017

Objetos cortantes

Resenha do livro: "Objetos cortantes" da autora  Gillian Flynn, de 2015




Objetos cortantes trás uma história de mistério instigante com uma dose de tensão que consegue prender o leitor durante o livro. Tudo gira em torno de misteriosos assassinatos de crianças em uma cidade pequena do interior dos Estados Unidos.

 A protagonista é Camille Preaker, uma personagem interessante com várias camadas, das quais vamos tendo acesso no desenrolar da história, uma delas é o fato de que  Camille tem o corpo todo marcado por sua mania extremista de se cortar, possui muitas cicatrizes, palavras que foram entalhadas por ela mesma, como meio de fuga de seus problemas ou de lembranças que permanecem nela, e ajudam a revelar seus sentimentos mais profundos e angustiantes.

 Ela é uma jornalista com a carreira estagnada, trabalha em um jornal pequeno da cidade Chicago, já passada dos 30 anos e sem perspectivas sobre o futuro, com diversos problemas e transtornos psicológicos. Camille é enviada para a cidade de Wind Gap a trabalho para investigar o assassinato de uma garotinha que chocou a pequena cidade.

A pacata Wind Gap é também a cidade natal de Camille, a qual ela não desejava voltar por fantasmas do passado, a cidade conservadora é o pano de fundo para o desenrolar do livro. Entrelaçado com a investigação e as entrevistas que Camille tenta   fazer com os moradores da cidade em buscas de respostas e de um suposto perfil de assassino, vamos descobrindo mais sobre a história de Camille enquanto ela vai explorando seus limites, numa jornada de autoconhecimento.

Camille cresceu em uma casa grande de família rica e tradicional, porém nunca conheceu o pai, foi criada pela mãe e pelo padrasto que sempre foi indiferente a seu respeito, ela ainda tem duas irmãs do segundo relacionamento da mãe, Marian que faleceu ainda criança e Amma uma garota de treze anos mimada e geniosa, que tem uma estranha relação com a irmã, que ao mesmo tempo que se projeta na garota, não sabe como lhe dar com a menina que parece despertar suas piores lembranças.

O relacionamento de Cammile com a família é muito problemático e beira o perturbador, sua mãe, Adora, é super controladora e hipocondríaca, vive para representar socialmente e parece não gostar da filha mais velha fruto de um antigo amor não correspondido. As cenas construídas na casa de Adora despertam certo desconforto no leitor, a forma pela qual Camille descreve a casa, sua frieza seus objetos e algumas lembranças ruins do passado solitário com uma irmãzinha doente gera uma angustia, pela qual é possível entender o porque de a personagem ser tão insegura.

Cammile é solteira e apesar de seus traumas  e seu desejo de mutilação e auto destruição é independente, vive sozinha em Chicago por isso se torna uma figura diferente aos olhos dos moradores conservadores de Wind Gape, o que da a sensação de estrangeirismo para a personagem e também para o leitor que passa a enxergar o lugar com os olhos de Camille, como uma cidade onde não se consegue se ter empatia por nada e ninguém, um lugar onde se deseja sair.  

O livro traz uma forma de narrativa muito sincera, estamos dentro da cabeça de Cammile, e ela por sua vez também não é um personagem de fácil empatia, mantendo sempre um olhar distante dos outros personagens e os descrevendo com certo desprezo sempre com um olhar de critica e cinismo com relação ao mundo a sua volta, porém é a partir desse ponto de vista que o livro ganha sua melhor faceta e é possível se interpretar uma critica social com relação a posição da mulher na sociedade, é interessante perceber que a cidadezinha retrograda pode ser entendida como a “prisão feminina” das imposições sociais, seja pela necessidade de manter uma vida de aparência e a importância de corpos perfeitos, ou pela “obrigação de um casamento”, mesmo que isso nem sempre de fato garanta felicidade, e indo a extremos como a ideia de abuso e violências.

Quando Camille retorna a sua cidade natal sem marido ou família e tem de confrontar suas antigas amigas de escola, o peso das cobranças de ser bem sucedida começa a recair sobre ela, que passa a se sentir desajustada. O livro trabalha de forma sutil a ideia dos rótulos e dos julgamentos até mesmo brincando com isso confundindo o olhar do leitor, fazendo ele se questionar a respeito de seus próprios preconceitos.

O livro constrói muito bem a trama, nos convidando a chegar a solução do mistério, porém no ultimo capítulo ele perde um pouco a fluidez e ritmo de narrativa que trazia, se tornando previsível, no entanto a história permanece instigante, e possui bons momentos de reviravoltas o que torna o livro muito interessante. 

Objetos Cortantes da escritora Gillian Flynn, mesma autora do Best seller “Garota Exemplar” que foi adaptado para o cinema contando com o trabalho de roteirização da própria autora e com a direção do aclamado diretor David Fincher.





"Garota Exemplar" - David Fincher 2014


Gillian Flynn continua fazendo a ponte com o audiovisual, é aguardada a série que adaptará Objetos Contatantes para a TV  produzida pela HBO, que já conta com o nome da atriz Amy Adams no elenco, para dar vida ao papel da Jornalista Camille Preaker.



Amy Adams

quinta-feira, 2 de março de 2017

Moonlight: Sob a Luz do Luar

Análise do filme Moonlight: Sob a Luz do Luar

Por: Tarcísio Paulo dos Santos Araújo 


A edição do Oscar 2017, sem dúvidas, ficou na história. Ninguém nunca havia errado o nome de um vencedor. “La La Land” levou seis prêmios no último domingo (dia 26), além de ser eleito como melhor filme de 2017. Momento esse que durou alguns minutos. Com “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, sendo o verdadeiro vencedor de melhor filme, podemos dizer que tivemos uma premiação quase justa (“Star Trek” deveria ter ganho por melhor maquiagem, assim como Isabelle Huppert como melhor atriz, pelo filme “Elle”).

Memes e brincadeiras à parte, ainda é cedo para sabermos se “Moonlight” irá se manter atual com o passar dos anos, mas podemos ter certeza de que no presente o longa é extremamente necessário ao retratar a comunidade negra longe de estereótipos e através da humanidade que dá aos seus personagens que somado ao prêmio, dará extrema visibilidade à uma comunidade tão marginalizada.

Mas não pense você, que ainda não assistiu ao filme, que ele traz na sua forma uma narrativa carregada de vitimismos ou até mesmo panfletária. Tudo foi realizado com muita sensibilidade e poesia, tocando em assuntos como homossexualidade, bullying, autodescoberta, a importância da afetividade e da conexão com o outro e a tentativa de se encontrar no mundo, garantindo assim um desabafo universal capaz de criar fácil empatia com o público. 


O longa se destaca por sempre buscar a humanidade e a beleza em meio a um ambiente violento e que oferece poucas chances ao personagem principal. Dividido nas três fases da vida de Chiron (Alex Hibbert), conhecido por todos como “Little”, o filme conta a história desse menino que mora em um bairro periférico de Miami. Nessa primeira fase somos primeiramente apresentados a Juan (Mahershala Ali), que também foi premiado, ganhando o Oscar de melhor ator coadjuvante. O ator interpreta um traficante de craque que terá total importância na vida de Chiron, que logo em sua primeira cena, é visto por nós correndo dos colegas de classe que estão sempre o provocando.

O encontro do menino com Juan acontece em uma casa abandonada onde o garoto se escondeu para não apanhar dos colegas. Acuado em um canto, Juan tira um pedaço da madeira que cobria a janela da casa, deixando a luz entrar no local. Elementos visuais como esse, fazem total diferença para a narrativa ao reforçar aspectos da relação entre os personagens. 




Acuado e sempre falando pouco, Chiron costuma andar de cabeça baixa, trazendo na sua expressão corporal uma baixa autoestima gerada pela violência sofrida na escola. Essa característica do personagem parece refletir também na fotografia, que em  alguns momentos, é como se a câmera o evitasse, respeitando assim seu espaço.



A partir desse encontro, Juan terá um papel muito importante na vida do garoto, que resultará na tentativa de resgatar sua identidade, começando por chamar o garoto pelo nome. A relação de ambos traz diálogos de extrema importância no que diz respeito a consciência negra e acima de tudo, na base de uma construção de identidade do menino. A confiança fica estabelecida em uma linda cena onde Juan ensina Chiron a nadar.    


Já a mãe do menino, Paula (Naomie Harris), é usuária de drogas e faz programas dentro da própria casa. A personagem costuma abusar emocionalmente o garoto, principalmente quando está sob efeito das drogas. Essa primeira fase da vida do protagonista, bem como a segunda, encerra com momentos de rupturas. Em uma cena em que Paula grita com Chiron, a personagem grita enquanto ao fundo vemos uma iluminação arroxeada, vinda do quarto da personagem. No cinema é comum a ligação da cor roxa com a morte. Se aqui a morte não ocorre de forma física, ela acontece de forma simbólica, já que parece marcar o fim de uma esperança de que Chiron pudesse ter ainda alguma relação saudável com sua mãe, que vai se entregar ao vício com o passar dos anos. O mesmo rompimento acontecerá entre Chiron e Juan, quando o garoto descobre que o único homem que ele conheceu e que sabia que poderia confiar, vende drogas. A cena é uma das mais emocionantes e acredito que teve um grande peso para que Mahershala Ali ganhasse o prêmio da academia. 





Chegando na segunda fase, Chiron (interpretado agora por Ashton Sanders) agora é um adolescente que continua a sofrer bullying na escola. O menino se esforça para manter a confiança, porém, o meio em que vive continua não facilitando para que sua vida seja menos difícil. Seu amigo Kevin (Jharrel Jerome), é agora o responsável pela descoberta de sua sexualidade, uma vez que Chiron nutre sentimentos pelo rapaz. 

Já a relação com sua mãe, é marcada pelo vício da personagem que está mais evoluído do que antes. Agora adolescente, tanto Chiron quanto nós, encaramos o vício de Paula de forma mais direta e explícita. Em uma cena de abstinência em que Paula precisa de dinheiro para comprar drogas, a mulher aparece desorientada. A câmera subjetiva de Chiron e de Paula, frisa bem o estado de mãe e filho. Enquanto no primeiro, temos uma mulher alterada e precisando se drogar, no segundo temos um filho ciente do que acontece com sua mãe e que sabe que não há muito o que fazer.




Aos poucos a fotografia vai ganhando luzes mais quentes, provenientes dos postes das ruas da cidade. Essas cores estão presentes em uma das cenas mais significativas para o personagem que é quando ele beija Kevin e um contato mais íntimo entre os dois personagens acontece. Segundo o próprio diretor, Barry Jenkins, a fotografia do longa não optou por seguir talvez o que seria o mais óbvio, como “banhar” os personagens somente em luzes mais frias ou sombras constantes. Jenkins cresceu em bairros periféricos assim como o protagonista, mas disse se lembrar sempre da beleza das luzes das cidades. Como já dito no início, “Moonlight” retrata uma dura realidade, mas sem nunca deixar que seu protagonista perca sua sensibilidade e essência, características essas que parecem refletir na fotografia, que também não deixa de retratar a melancolia das vidas de seus personagens, fazendo uso de uma fotografia mais azulada em determinados momentos durante todo o filme.


A ruptura acontece mais uma vez no final da segunda fase do protagonista. Dessa vez o bullying é o grande responsável por isso. Como se não bastasse, o grande causador de tudo é justamente Kevin, que por medo de ficar mal com os colegas, aceita dar uma surra em Chiron. Fica claro como as pessoas que parecem dar esperança para que o protagonista possa mudar sua realidade, são as mesmas que acabam lhe fazendo mal.

E finalmente chegamos na terceira fase. Chiron, agora conhecido como “Black” (interpretado na fase adulta por Trevante Rhodes), vive em Atlanta. Depois de ficar um tempo na prisão juvenil, foi ajudado por um traficante e agora tem uma vida muito semelhante à de Juan. Mais musculoso e respeitado por todos, ele usa uma espécie de dentadura de ouro por cima de seus dentes reais e anda em seu próprio carro. Se o filme parece nos fazer pensar, mesmo que por um segundo, que a narrativa irá cair em algum estereótipo em que veremos personagens negros traficando drogas, a terceira fase de “Moonlight” nos mostra mais ainda porque o filme foi merecedor de ganhar na categoria de melhor filme do Oscar desse ano. 




A partir daqui, iremos acompanhar a desconstrução da nova imagem de Chiron, que irá revelar mais uma vez sua essência, sensibilidade e humanidade, independentemente do que a vida o levou. Um telefonema de Kevin, que agora trabalha em um restaurante, e um convite para jantar, trará à tona todo o seu passado e a possibilidade de um futuro melhor para o protagonista. Essa fase é também marcada como um momento de se fazer as pazes com o passado. Antes de ir se encontrar com o amigo, Chiron visita a mãe em uma clínica de reabilitação onde o encontro serve como um pedido de perdão da mãe e a possibilidade de um novo recomeço. 




No encontro entre Kevin e Chiron, é possível percebermos mais uma vez o poder das luzes da cidade e do próprio restaurante que reforçam através das cores quentes, a relação do protagonista com seu amigo, que também está disposto a pedir desculpas pelo o que fez. O azul também não é esquecido, ao aparecer nas luzes da cozinha e da geladeira, e até pela janela do restaurante. 



Ainda no que diz respeito a uma espécie de armadura usada pelo personagem, Chiron leva um tempo para sair do carro e quando o faz, está usando os dentes falsos de ouro e resolve vestir uma camiseta por cima da regata que usava. Temos mais uma vez o visual reforçando questões emocionais do personagem. Voltando ao restaurante é interessante notarmos outra questão: a comida. O ato de oferecer comida é algo bem forte em “Moonlight”, já que nas três fases da vida de Chiron, alguém oferece uma refeição a ele, simbolizando esse afeto e conexão dele com esses personagens. Agora com Kevin, a preparação do jantar e a montagem do prato feito pelo próprio, ganha destaque e até música, fortalecendo sua importância na narrativa. Já Chiron, retira os dentes de ouro para poder jantar, adicionando assim mais um elemento para esse “desarmamento” do personagem, rumo a sua sensibilidade e humanização.




No final, no apartamento de Kevin, Chiron se abre e revela algo que resume todo o filme: a jornada desse personagem em busca de afeto e de conexão com as pessoas. Independentemente do que acontecerá depois, “Moonlight: Sob a Luz do Luar” traz muito além da narrativa, a contemplação da esperança no outro.

Em tempos de frases como: “Tá com dó? Leva pra casa!”, o filme busca trazer uma humanização para estereótipos que podem cair facilmente em julgamentos sem nem ao menos procurarmos entender o contexto de vida do outro.








La La Land – Cantando Estações

Análise do filme“La La Land – Cantando Estações” (Damien Chazelle,  2016)

Ainda no clima de semana de Oscar, porque não falar sobre La La Land de Damien Chazelle diretor que ficou conhecido por seu trabalho em (Whiplash - Em Busca da Perfeição, 2014).

La La Land – Cantando Estações levou seis estatuetas para casa e acabou sendo um dos pivôs de uma das maiores gafes da historia da premiação, quando teve seu titulo anunciado como o melhor filme do ano, quando na verdade o vencedor era “Moonlight: Sob a Luz do Luar”.

Tudo isso acabou repercutindo as redes sociais e de certa forma atraindo mais olhares para os dois filmes, que possuem seus méritos próprios cada um a seu estilo. 

La La Land é um musical que chegou com potencial de filme inovador, e durante a temporada de premiações acabou atraindo o olhar dos críticos e consequentemente do público, o que é difícil acontecer quando se trata de um musical. Apesar das expectativas em torno do filme ele acabou não ganhando o reconhecimento de melhor filme pela academia do Oscar, e de modo geral não dialoga com o grande público, já que este tipo de produção não tem a tradição de arrastar multidões ao cinema, mas afinal o que torna La La Land tão especial?



Para começar o filme trabalha a questão da própria indústria cinematográfica, funcionando de duas formas: uma na qual presta uma homenagem ao próprio gênero musical da era de ouro do cinema, tanto na estética como na abordagem das danças e das musicas e de como isso se reflete na construção da sua forma fílmica na escolha de planos e enquadramentos, que funcionam muito bem, diga-se de passagem. A outra forma é a critica ao sistema por trás da indústria dos sonhos hollywoodiana, uma indústria que por vezes é displicente com os artistas e com o público e que busca o lucro acima de produções artísticas, colocando em cheque se vale mesmo apena trabalhar nela.

O enredo trás um casal de sonhadores e cada um a seu modo acaba refletindo a ideia dos sonhos e da critica aos padrões de Hollywood, de um lado Mia (Emma Stone) uma jovem aspirante à atriz de cinema, que trabalha como garçonete em Los Angeles, que batalha entre uma audição e outra a chance de um dia poder mostrar o seu talento e se tornar uma grande estrela.


Por outro lado temos Sebastian (Ryan Gosling) um jovem musico pianista e perfeccionista, que não aceita as mudanças na indústria da música, onde o Jazz clássico não tem espaço na mídia ou nos bares, por isso, mesmo tendo muito potencial e talento, acaba levando uma vida medíocre tocando em restaurantes para sobreviver.



O filme trabalha explorando as cores na construção dos personagens e das cenas, são as cores que refletem o estado de espírito dos personagens evidenciando suas posições diante da vida. Se Mia sonhadora mora em uma casa colorida, com muitos objetos coloridos que de uma forma ou de outra revelam os seus desejos ainda não alcançados, Sebastian por outro lado mora em uma casa bagunçada com poucos objetos e cores neutras pelos ambientes, mostrando uma faceta já desiludida e vazia do personagem.

As cores no filme vão além dos figurinos e da direção de arte, que abusando de contrastes, mas vão as cenas externas em planos que captam paisagens belas e coloridas em um trabalho excelente de fotografia, que é o grande destaque do filme, que consegue fazer recortes da cidade fazendo com que ela adquira vida além do que de costume, isso se torna possível também pela forma que a iluminação é feita para evidenciar as cores em um jogo de luz e sombra, também vindas da era clássica de Hollywood, desse modo, os cenários evidenciam os sentimentos dos personagens, mas também por vezes os oprimem e nos fazem ter a ideia de que os sonhos estão se desmanchando.






As canções presentes no filme tem um cunho melancólico que contrasta com as cores vibrantes, e também contribuem com o espectador revelando as angustias vivida pelo casal que está fardado de uma forma ou de outra a não atingir seus objetivos já que isso não seria possível, revelando embate entre sonho e realidade. Além das canções originais o filme também trás músicas já conhecidas para dentro de sua trilha, como Take on me (A-há), e I Ran So Far Away (A Flock Of Seagulls), clássicas dos anos 1980 famosas por acrescentarem sons eletrônicos e sintetizadores no pop rock, no filme essas músicas contribuem como mais um objeto de nostalgia e ajudam a estruturar a narrativa que percorre por através do tempo os gêneros musicais e cinematográficos a fim de mostrar a força da indústria e como isso reflete na forma que consumimos música e cinema.

O filme se estrutura a partir desses elementos de referências da música e do cinema e da evolução da indústria e também através das estações do ano que são expostas em intertitulos na tela que guiam as sequências de acontecimento, dando uma ideia de linearidade ao filme que é feito nos moldes dos filmes clássicos, porém ele não segue linear e quebra com a expectativa do público que é guiado para outros caminhos, que mesclam sonhos, realidade e fantasia.



 Dialogando através da estética visual que acaba expressando mais que a própria música em si no filme, fazendo de um filme de referências um filme de crítica ao invés de homenagem, e um musical que encanta mais pelas imagens que pela dança e canto onde La La Land é a cidade de Los Angeles (LA)  dos sonhos e das fantasias, onde nem tudo é o que parece ser. 


Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

  O aspecto mais interessante em Vidas nuas é a fluidez como a cidade de São Paulo é filmada, desde seu primeiro plano quando temos acesso ...