sábado, 18 de fevereiro de 2017

Os Encontros de Anna

“Os Encontros de Anna”, um ensaio sobre a desconexão

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Em um plano geral de um metrô, uma escada que segue até o subsolo do mesmo, pode ser vista centralizada no enquadramento. Um número considerável de pessoas se aproximando em direção à escada. Entre elas está Anna, que desiste de descer e vai até uma cabine telefônica onde faz uma ligação para só depois descer as escadas. Sozinha, a personagem já nos foi apresentada de uma maneira que será muito importante para o tema do filme. 



Assim começa “Os Encontros de Anna”, filme de 1978, dirigido por Chantal Akerman, falecida em 2015. Anna é uma cineasta que está divulgando o seu filme pela Alemanha, Bélgica e França. A narrativa acompanha a personagem por essas viagens nas quais ela conhecerá pessoas novas e reencontrará outras já conhecidas, que irão compartilhar muito de suas vidas com a própria personagem, e consequentemente com o espectador.

O filme trata da falta de conexão de Anna com as pessoas ao seu redor, além de não conseguir criar laços com as mesmas. Toda possibilidade para ela, parece ser algo impossível. Voltando aos planos gerais, o espectador poderá notar que eles serão uma constante no filme, assim como a câmera parada enquanto a ação, muitas vezes banal, acontece. Isso é comum nos filmes de Akerman, que tem seu cinema considerado por alguns críticos como hiper-realista, uma vez que o banal que acaba sendo extraído no cinema clássico, ganha nos filmes da cineasta total importância dentro do contexto da narrativa.  



Nesse cinema de observação, Anna conhece Heinrich, um professor que estava na exibição de seu filme, que por sinal não é mostrada para nós. Em mais um plano geral, podemos ver Anna e Heinrich conversando ainda dentro do cinema cujas luzes vão se apagando e deixando o casal no escuro, que se vê obrigado a sair do local. Esse simples acontecimento, somado a câmera estática, parecem simbolizar que não teremos um típico casal que dará certo. Temos também um mundo monótono aos olhos de Anna, que em boa parte do filme, não se mostra uma mulher triste com a vida, retratando mais uma mulher cuja vida está ligada no automático, somada a falta de esperança no outro.

Se o filme já parece interessante ao retratar esse aspecto da personagem, ainda temos os encontros de Anna, que afinal, está no título do filme. Os personagens que dialogam com a personagem falam de suas vidas, tristezas e esperanças como se também dialogassem conosco. Especialmente o relato de Heinrich, chama a atenção pela forma com que Akerman o filma. O personagem, que não desperta o interesse de Anna, é enquadrado sozinho enquanto fala, acentuando mais a falta de vinculo entra ele e a protagonista, assim como sua solidão. Mesmo quando a protagonista divide a tela com algum personagem, seu olhar oscila entre distração e compaixão. Ao mesmo tempo, é como se cada relato fizesse a personagem pensar em algum aspecto de sua vida, pensamentos esses que não são divididos diretamente com o espectador, mas que podem facilmente ser imaginados por conta do contexto da narrativa.

  



Até mesmo com sua mãe a personagem traz um certo distanciamento, mas ainda assim, ambas dividem algumas confidências como detalhes sobre a sexualidade de Anna, que são contadas para a mãe. Esse momento é um dos poucos que ainda trazem um certo conforto para o espectador.

Com um cinema puramente de observação e de ações sutis que revelam muito dos aspectos da vida de seus personagens, “Os Encontros de Anna” é um filme que consegue prender por sua sensibilidade, poesia visual e ao mesmo tempo um realismo na narrativa, onde o trivial pode fazer total diferença em nossas vidas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

  O aspecto mais interessante em Vidas nuas é a fluidez como a cidade de São Paulo é filmada, desde seu primeiro plano quando temos acesso ...