segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

É Apenas o Fim do Mundo

Xavier Dolan traz uma conturbada e complexa relação familiar em

 “É Apenas o Fim do Mundo”.

Por: Tarcísio Paulo dos Santos


O Canadense Xavier Dolan surpreende por seu talento que pode ser conferido nos sucessos de “Amores Imaginários”, “Eu Matei Minha Mãe” e Mommy. Com apenas vinte e oito anos de idade, o cineasta já conta com sete filmes no currículo, incluindo seu mais novo filme “A Morte E Vida De John F.Donovan” que deve estrear só no ano que vem.

Seu mais recente filme, “É Apenas o Fim do Mundo” (2016), conta a história de Louis, um escritor que está muito doente e tem pouco tempo de vida. Depois de doze anos longe de sua família, vivendo na cidade grande, o jovem resolve voltar para comunicar sua doença. O longa é baseado na peça teatral homônima de Jean-Luc Lagarce, escrita em 1990 e que tem características da própria vida do autor.  



Podemos esperar os excessos no comportamento dos personagens, que aliás são uma característica nos filmes de Dolan, não demorando muito para entendermos os motivos que fizeram Louis sair logo de casa. Esse é o tipo de narrativa que nos ganha pelos personagens, mesmo porque esse é um filme de personagens. A fotografia privilegia closes nos atores, destacando bem suas expressões, sensações e sentimentos. 




Se por um lado vemos aquela família falando em voz alta, muitas vezes atropelando a fala do outro, basta termos paciência para que as camadas dos personagens sejam pouco a pouco descobertas por nós durante diálogos cheios de sensibilidade.

A ausência de Louis é sentida por todos na casa, e podemos notar a importância que ele tem para cada integrante da família, que tem uma relação diferente com o protagonista.    Léa Seydoux, interpreta Suzanne, irmã de Louis que ainda era criança quando o irmão foi embora. Mais velha, a jovem vê na chegada do irmão a oportunidade de ter alguém com quem desabafar e falar sobre si, como uma fuga da própria família, que por mais que ela goste, também parece entender o lado de Louis.

Catherine (Marion Cotillard), interpreta a cunhada de Louis, que ainda não o conhecia quando o mesmo foi embora de casa. Ela é uma das personagens mais interessantes, pois logo percebemos a forma como ela tenta conhecer melhor Louis, enquanto é constantemente criticada por Antoine (Vincent Cassel), seu marido. A personagem parece sempre trazer consigo um nervosismo ao falar, fruto de uma possível baixa autoestima. Ela estabelece uma interessante conexão com Louis em uma cena muito instigante e aberta a interpretações, sobre o fato de ela suspeitar (ou não) do real motivo que levou Louis a voltar a ver seus familiares.   


Já a matriarca (Nathalie Baye) da família é uma mulher expansiva que adora exagerar na maquiagem e falar o tempo todo. Porém, somos depois surpreendidos em uma cena, bem comovente, em que a mulher e Louis conversam sobre sua partida e a importância de seu retorno como forma de unir a família. Percebemos que a mãe do personagem é muito mais do que aquela mulher expansiva e que parecia tão superficial. 


Por último temos Antoine, já mencionado acima. O irmão mais velho de Louis é um dos personagens que mais se destacam no filme, tanto positivamente, quanto negativamente. Sua postura é uma das mais irritantes, uma vez que adora criticar todos o tempo todo, não poupando nem mesmo o irmão recém-chegado. Por trás desse comportamento (que deve irritar muito o espectador, mas que vale a pena aguentar) existe um personagem cheio de sentimentos não expostos, além de um complexo de inferioridade com relação a sua profissão e uma grande mágoa pela partida de seu irmão. O personagem então responde a tudo isso usando uma espécie de armadura de agressividade. 



Em meio a tudo isso, o filme cria ainda momentos de tensão com relação a revelação da doença de Louis, que não consegue contar nada para a família de imediato. Além disso, o filme trabalha uma nostalgia do personagem com relação a um ex-namorado que marcou sua adolescência, em momentos que combinam música e câmera lenta que parecem evocar uma sinestesia olfativa e até tátil no próprio espectador, como quando o personagem encosta o rosto no seu antigo colchão.

“É Apenas o Fim do Mundo” termina de uma maneira muito sensível e metafórica que pode não agradar a todos, mas que basta considerarmos o filme como um todo, para percebemos que o final mais acrescenta um ponto de vista de Louis, que não é muito difícil de nos colocarmos em seu lugar. 








sábado, 18 de fevereiro de 2017

Os Encontros de Anna

“Os Encontros de Anna”, um ensaio sobre a desconexão

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Em um plano geral de um metrô, uma escada que segue até o subsolo do mesmo, pode ser vista centralizada no enquadramento. Um número considerável de pessoas se aproximando em direção à escada. Entre elas está Anna, que desiste de descer e vai até uma cabine telefônica onde faz uma ligação para só depois descer as escadas. Sozinha, a personagem já nos foi apresentada de uma maneira que será muito importante para o tema do filme. 



Assim começa “Os Encontros de Anna”, filme de 1978, dirigido por Chantal Akerman, falecida em 2015. Anna é uma cineasta que está divulgando o seu filme pela Alemanha, Bélgica e França. A narrativa acompanha a personagem por essas viagens nas quais ela conhecerá pessoas novas e reencontrará outras já conhecidas, que irão compartilhar muito de suas vidas com a própria personagem, e consequentemente com o espectador.

O filme trata da falta de conexão de Anna com as pessoas ao seu redor, além de não conseguir criar laços com as mesmas. Toda possibilidade para ela, parece ser algo impossível. Voltando aos planos gerais, o espectador poderá notar que eles serão uma constante no filme, assim como a câmera parada enquanto a ação, muitas vezes banal, acontece. Isso é comum nos filmes de Akerman, que tem seu cinema considerado por alguns críticos como hiper-realista, uma vez que o banal que acaba sendo extraído no cinema clássico, ganha nos filmes da cineasta total importância dentro do contexto da narrativa.  



Nesse cinema de observação, Anna conhece Heinrich, um professor que estava na exibição de seu filme, que por sinal não é mostrada para nós. Em mais um plano geral, podemos ver Anna e Heinrich conversando ainda dentro do cinema cujas luzes vão se apagando e deixando o casal no escuro, que se vê obrigado a sair do local. Esse simples acontecimento, somado a câmera estática, parecem simbolizar que não teremos um típico casal que dará certo. Temos também um mundo monótono aos olhos de Anna, que em boa parte do filme, não se mostra uma mulher triste com a vida, retratando mais uma mulher cuja vida está ligada no automático, somada a falta de esperança no outro.

Se o filme já parece interessante ao retratar esse aspecto da personagem, ainda temos os encontros de Anna, que afinal, está no título do filme. Os personagens que dialogam com a personagem falam de suas vidas, tristezas e esperanças como se também dialogassem conosco. Especialmente o relato de Heinrich, chama a atenção pela forma com que Akerman o filma. O personagem, que não desperta o interesse de Anna, é enquadrado sozinho enquanto fala, acentuando mais a falta de vinculo entra ele e a protagonista, assim como sua solidão. Mesmo quando a protagonista divide a tela com algum personagem, seu olhar oscila entre distração e compaixão. Ao mesmo tempo, é como se cada relato fizesse a personagem pensar em algum aspecto de sua vida, pensamentos esses que não são divididos diretamente com o espectador, mas que podem facilmente ser imaginados por conta do contexto da narrativa.

  



Até mesmo com sua mãe a personagem traz um certo distanciamento, mas ainda assim, ambas dividem algumas confidências como detalhes sobre a sexualidade de Anna, que são contadas para a mãe. Esse momento é um dos poucos que ainda trazem um certo conforto para o espectador.

Com um cinema puramente de observação e de ações sutis que revelam muito dos aspectos da vida de seus personagens, “Os Encontros de Anna” é um filme que consegue prender por sua sensibilidade, poesia visual e ao mesmo tempo um realismo na narrativa, onde o trivial pode fazer total diferença em nossas vidas.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

O Reflexo da Maldade

O poder da Imaginação na infância é retratado em “O Reflexo da 

Maldade”

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Seth (Jeremy Cooper) é um garoto de sete anos que vê o mundo ao seu redor de uma forma diferente. Depois de ir até a casa de sua vizinha, Dolphin (Lindsay Duncan), ele passa a acreditar que a mulher é uma vampira. Quando seu irmão mais velho, Cameron (Viggo Mortensen), volta da guerra e se apaixona pela mulher, o menino começa a fazer de tudo para impedir o relacionamento entre os dois.



Através desse duplo universo entre imaginação e realidade, somos convidados a embarcar na história de “Reflexo da Maldade”. Se de um lado temos Seth, como um menino com poucos amigos e cheio de imaginação vivendo no interior, temos do outro, uma vida mais dura. O filme toca em questões pesadas para uma realidade infantil, como pedofilia, abuso infantil, assassinatos e as consequências da guerra.

O curioso é que na verdade, o lado imaginativo de Seth não procura amenizar a realidade à sua volta. O menino tem uma mãe que o castiga e pouco parece se importar com o ele, além de um pai acusado de pedofilia no passado. Como se não bastasse, um 



misterioso carro preto costuma andar pela cidade (aparentemente) recolhendo pessoas e as matando, deixando os corpos em lugares diferentes.

Em meio a isso tudo, o menino parece buscar na volta do irmão mais velho, uma tentativa de escapar de sua realidade, embora muitas vezes não percebemos que o garoto pareça sofrer com a maneira que vive. O filme fica mais interessante quando entra em questões como o sentimento de perda, por conta da guerra. Ficamos divididos entre os relatos de Dolphin que perdeu seu marido e que nunca mais conseguiu se recompor. A mulher traz em seu sofrimento um pouco de excentricidade que para os olhos de Seth, faz dela uma vampira. O mesmo acontecerá quando Cameron começar a se envolver com a mulher. Se de um lado torcemos para o casal, do outro tentamos entender o temor de Seth, que também é carente de afeto e atenção, e que tenta desesperadamente “salvar a vida” do irmão.



É curioso que mesmo com algumas travessuras, percebemos como o filme parece explorar uma possível tendência do menino em adquirir um comportamento mais violento, mesmo que o menino não faça nada contra ninguém. Pelo menos não de forma direta. A morbidez também tem um importante papel na vida de Seth. O garoto encontra um bebê morto e passa a acreditar que a criança seja seu amigo, que foi achado morto dentro da caixa d’água de sua própria casa.

Tudo isso é concebido com planos abertos muito bem elaborados, principalmente pelo destaque das cenas em que vemos a casa de Dolphin em meio a um milharal seco que parece reforçar a sensação de imponência através da perspectiva de Seth.



“O reflexo da Maldade” é um interessante filme sobre a perda da inocência, além do retrato de uma infância negligente e sem afeto que pode ter preocupantes resultados futuros para um menino de sete anos.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

“O Parque Macabro”

Terror psicológico e existencial marcam “O Parque Macabro”

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Lançado em 1962, “O Parque Macabro” (Carnival of Souls) foi dirigido por Herk Harvey e teve um orçamento de 33 mil dólares. Sem chamar muito a atenção do público na época de seu lançamento, o primeiro e único longa de Harvey (que depois se dedicou mais a curtas-metragens de documentário e curtas de ficção) conseguiu o status de clássico cult depois de diversas exibições na TV e em festivais do gênero nos EUA. No Brasil o filme foi lançado em DVD pela Versátil Home Video em 2015, na coletânea “Obras-primas do Terror Vol. 3” com o nome “Carnaval de Almas”.

O filme começa com Mary Henry e mais duas amigas em um carro, quando são abordadas por um homem em outro veículo que desafia uma das amigas de Mary a fazer um racha. A mulher aceita o desafio e os carros saem em disparada pela estrada. A ação resulta no carro onde estava Mary e suas amigas caindo de uma ponte direto em um rio. Mary é aparentemente a única sobrevivente do acidente, porém, aos poucos a mulher parece ficar distante e desconexa com sua realidade.


Descobrimos depois que a personagem toca órgão profissionalmente nas igrejas e que acaba de ser transferida para outra cidade para tocar na igreja do lugar. Na estrada, a mulher passa a ver um estranho homem que começará a aparecer diversas vezes para a jovem. Além disso, Mary se mostra cada vez mais atraída em entrar em um parque abandonado que existe ali perto.

Com poucos recursos, mas muita criatividade, Herk Harvey consegue criar um filme com uma atmosfera envolvente e sinistra. Nada sabemos sobre o passado de Mary, deixando muitos acontecimentos da narrativa aberto a interpretações que podem ou não revelar algo sobre o passado da mulher. Será que Mary carrega alguma culpa e precisa se redimir? Ou o que acontece com ela revela apenas seu presente, sem ligação alguma com seu passado?

Independente de respostas, temos uma angústia existência da personagem, que passa a ver sua imagem nos vidros das janelas e carros, seja de forma apagada ou completamente disforme. A música facilita muito para a imersão da angustia e do horror vivido pela personagem que tem sua vida completamente mudada depois do acidente. Ela tenta se envolver emocionalmente com um homem que conhece na pensão, mas não consegue. No trabalho ela não consegue mais tocar o órgão como antes e nas ruas, as pessoas não a ouvem nem a veem. 


A fotografia em preto e branco só ajuda na beleza plástica do filme, compondo assim um universo distópico (pelo menos para Mary), além de alguns elementos que beiram ao surreal. A simples maquiagem na cor branca usada pelos atores que fazem papel de fantasmas também ganha um realce com a fotografia do longa, deixando-a mais intimidadora.   



Com um final não muito surpreendente, embora estejamos falando de um filme de 1962, cujo final já foi visto em outros filmes após este ano, “Parque Macabro” é um filme que vale a pena ser visto pelos fãs do gênero.     

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