A maternidade costuma ser vista pela sociedade, de uma forma
geral, como um momento de extrema importância, quase como uma missão que deverá
ser cumprida em algum momento da vida de uma mulher. No entanto, nem tudo são flores, sendo bem
comum que algumas mulheres não estejam preparadas para lidar com seus filhos ou
com a chegada dos mesmos.
Os motivos podem ser variados, afinal, nossa mente é complexa
o suficiente e podemos lidar com receios e traumas de formas diferentes. O
cinema pode facilmente fazer uso dessas dificuldades através do gênero do
terror, ao usar seus elementos mais comuns para exacerbar as dificuldades da
maternidade.
Dois filmes são extremamente interessantes nessa discussão e
embora ambos possam ser interpretados pelo âmbito do sobrenatural, vale a pena
sairmos um pouco de uma interpretação mais comum e perceber como alguns filmes
podem estar querendo ir mais além do que um simples filme que foca sua
narrativa no que não pode ser explicado pela ciência.
O primeiro filme já é considerado um clássico do terror e foi
baseado no livro homônimo de Ira Levin. O Bebê de Rosemary (1968), foi dirigido
por Roman Polanski e narra a história de um jovem casal, Rosemary (Mia Farrow)
e Guy (John Cassavetes), que se muda para um apartamento com alguns excêntricos
vizinhos. Ao engravidar, Rosemary entra em um mundo cheio de paranoia e
insegurança que passa a controlar sua vida.
Diferente de muitos filmes típicos do gênero, “O Bebê de Rosemary” vai
contra muitos elementos que seriam facilmente usados em outros filmes. Aqui não
é usado um uso excessivos de sombras, uma casa que pareça ser assombrada, muito
menos sustos fáceis. Pelo contrário, encontramos logo no início, uma fonte rosa
e mais delicada que nos apresenta o título do filme.
Tons em amarelo representam no começo a alegria e a expectativa do casal
em começar uma vida nova. Na casa, essa atmosfera praticamente não sofre
grandes alterações, deixando todas as mudanças para a personagem. O design de produção
(direção de arte) consegue criar uma ideia de forte debilitação da personagem
através de um corte de cabelo bem mais curto e de roupas mais justas e uma
maquiagem que deixa Farrow pálida e com olheiras.
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"O Bebê de Rosemary" - Roman Polanski (1968) |
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"O Bebê de Rosemary" - Roman Polanski (1968) |
Toda a narrativa se sustenta (de forma muito eficaz) a partir
de situações de desconforto vivida pela protagonista. Rosemary vai ficando
fraca cada vez mais fraca enquanto suspeita que seus excêntricos vizinhos e seu
marido possam estar arquitetando algum plano diabólico contra ela e seu bebê.
A câmera muitas vezes assume a visão da personagem, como se algo oculto
estivesse sendo escondido de Rosemary e consequentemente, do espectador.
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"O Bebê de Rosemary" - Roman Polanski (1968) |
Se de um lado temos Rosemary ficando cada vez mais debilitada
com a gravidez e suspeitando que seu bebê corre perigo, do outro temos Guy e os
vizinhos sempre tentando acalmá-la, garantindo que tudo irá ficar bem. Todos os
elementos usados no filme podem ser vistos como fruto de uma possível repressão
religiosa vivida há um tempo por Rosemary, que foi somado ao peso e o receio da
maternidade, que cobrará da protagonista uma decisão de como encarar o fato de
ser mãe.
O segundo filme é “O Babadook” (2014). O longa independente,
é o primeiro da australiana Jennifer Kent, baseado em seu curta “Monstro”,
lançado em 2005. O filme teve uma boa resposta da crítica e já circula em
listas de possíveis filmes que poderão se tornar um clássico do terror daqui a
alguns anos.
Amelia (Essie Davis) é viúva, e mesmo passados seis anos da morte de seu
marido, a mulher ainda vive atormentada pelo ocorrido. Samuel (Noah Wiseman)
tem seis anos e é filho de Amelia. O garoto tem se comportado mal na escola,
para o desespero da mãe que não sabe como lidar com ele. Para piorar, um livro
intitulado “O Babadook” surge na prateleira do quarto do garoto, que parece
libertar uma criatura maligna que fará de tudo para destruir Amelia e Samuel.
Mesmo o filme ganhando toques que lembrarão outros clássicos
como “O Iluminado” e até mesmo “O Exorcista”, o longa consegue criar identidade
própria e uma atmosfera de total apreensão e desconforto sem ser apelativo com
cenas de extrema violência, excesso de sangue e claro, os famosos sustos
gratuitos. Kent consegue cria um incomodo no espectador que torce para que a
relação entre mãe e filho se restabeleça.
As atuações são espetaculares, principalmente a de Essie
Davis, que em determinadas cenas, parece mudar de rosto sem o auxílio de
qualquer efeito especial de maquiagem. Tudo com sua atuação.
O design de produção também dá um toque muito especial ao
filme. Tons acinzentados, azuis e pretos predominam na casa e o figurino dos
personagens, passando toda uma carga pesada e negativa. É possível notarmos
também características e sombras dos filmes do expressionismo alemão. A casa
também incorpora um design que parece ter saído de um livro infantil, mas sem
perder seu realismo. O filme possui uma linha tênue entre realismo e fábula,
guiando tudo para o fantástico.
Tanto “O Bebê de Rosemary”, quanto “O Babadook” se mostram
filmes bem eficientes no que diz respeito a uma elaboração de uma narrativa que
permite mais de uma interpretação, convidando o espectador a refletir sobre o
que viu. Além disso, é possível captar em ambos o drama, muito difícil em
alguns filmes de terror que parecem usar seus personagens como peças para
situações que chocam, sem respeitar o lado humano dos mesmos.
Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo
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