segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

“Trabalhar Cansa”

Dificuldades de se começar um novo empreendimento ganham elementos do cinema fantástico em “Trabalhar Cansa”.

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Parceiros em diversos curtas-metragens, o primeiro longa-metragem da dupla Marco Dutra e Juliana Rojas, foi exibido em Cannes, na mostra “Um Certo Olhar” em 2011. A aproximação da dupla com um universo voltado para o estranho e para o fantástico já esteve presente em curtas como “Lençol Branco” (2004) e “Um Ramo” (2007), que podem ser conferidos no Youtube.

No longa, Helena (Helena Albergaria) está prestes a dar um importante passo: abrir um minimercado, se tornando assim mais uma brasileira a realizar o sonho de ter o próprio negócio. Porém, quando tudo está encaminhado, Otávio (Marat Descartes), seu marido, perde o emprego. Decididos mesmo assim a prosseguir com o sonho, a relação da família será colocada à prova diante das dificuldades que terão que enfrentar e de estranhos acontecimentos que tomarão conta do local.



Mesmo com uma sinopse que vende o filme como sendo do gênero do terror, é preciso esclarecer que o longa não se trata de um filme mais convencional como estamos mais acostumados a ver. “Trabalhar Cansa” tem uma narrativa um pouco mais lenta, com situações que evocam uma estranheza e sensação de que algo está errado. E não é para menos.

A narrativa vai fundo na dificuldade enfrentada pelo casal e na tentativa de se erguer e fazer dá certo o minimercado aberto por Helena. Para isso, não faltam problemas de ordem natural como funcionário que rouba mercadoria e clientes pouco simpáticos que reclamam dos preços. Mas além disso, e por se tratar de um filme que usa elementos do fantástico, claro que também existem os elementos utilizados de forma muito eficaz para retratar essa crise vivida pelo casal que se dá através de fatos estranhos. Podemos conferir isso no cachorro que late para Helena sem motivo aparente, quando a mesma fecha o estabelecimento todas as noites ao ir para casa, ou até no cheiro ruim que surge 
no mercado durante o dia.



Há ainda espaço para a discussão da importância do registro das empregadas domésticas, uma vez que a moça contratada para trabalhar na casa da Helena, acaba se sujeitando a trabalhar sem registro por não ter ainda experiência e pela necessidade do trabalho. Não que Helena seja uma pessoa que não saiba a importância do registro e que não queira registrar a moça, mas porque o filme deixa bem claro ambas as situações difíceis enfrentadas pelas personagens no momento.

Tudo isso nos é mostrado através de uma fotografia com tons acinzentados que reforçam uma sensação de pessimismo e incerteza do futuro de Helena com relação a sua tentativa de ter o próprio negócio.
Além disso temos um monstro. Seria ele um monstro qualquer que resolveu se infiltrar nas paredes do mercado, ou seria ele a representação de algo mais? Independentemente do que seja, vemos como Helena e Otávio precisam enfrentar juntos essa crise que assola os primeiros meses do novo investimento, de uma forma que exorcize todos os seus problemas para poderem seguir em frente. E é no monstro que encontramos exatamente essa catarse no final que simboliza a superação de uma crise.







sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Dica de Série: Love

"Love" é uma série de comédia produzida pela Netflix, se você está buscando algo divertido e diferenciado no universo das séries é uma boa pedida.

 A trama se passa na na bela Los Angeles fugindo dos lugares comuns que estamos acostumados a ver em filmes e séries que se passam na cidade, e gira em torno de dois personagens peculiares Gus (Paul Rust), um nerde desajeitado que trabalha como professor em um set de filmagem de “Séries de TV”, e Mickey (Gillian Jacobs) uma moça cheia de problemas e vícios. Os dois já passaram dos 30 e vivem os dilemas dos jovens adultos de hoje em dia, como lhe dar com as frustrações de carreiras que não deram muito certo, relacionamentos sem perspectivas de futuro, mesmo quando os amigos já parecem estar em outra etapa da vida, e as persistentes crises existenciais, que acabam gerando o tédio e a procrastinação, o mal da geração.




Todos esses problemas são vistos por uma ótica muito bem humorada, até como certa critica ao modo de vida que vivemos hoje em dia, onde dizemos gozar de toda a liberdade, mas lutamos para nos tornar maduros e dar conta da própria vida.

A série brinca com a lógica da televisão, faz citações e referências muito interessantes, de filmes e séries da cultura pop, uma cena icônica é quando Gus e Mickey resolvem se livrar de uma caixa de Blu-Rays, para se libertarem das perspectivas falsas de vida que os filmes davam a eles.


A direção é do Judd Apatow ("O Virgem de 40 Anos" e "Superbad – É hoje"), o diretor já mostrou que sabe como falar a essa geração, e que comédia é o seu forte, o elenco é muito bom e equilibrado, não pense que porque você vai dar risadas à série não tem qualidade técnica, pois ela ainda tem uma boa fotografia, eficiente para o formato sem abrir mão de belos planos coloridos que contrastam de forma divertida com os dilemas dos personagens,  além de uma montagem dinâmica com 30 minutos por episódio com humor e inteligência.

A Netflix confirmou que Love estará de volta para a sua segunda temporada em março de 2017, apesar da série não dialogar com todos os públicos, ela segue atual e relevante, pois discute além de comportamento a sociedade e sua estranha lógica de sucesso.  



sábado, 21 de janeiro de 2017

Os desafios da profissão e dos relacionamentos são refletidos no longa “A Bruta Flor do Querer”

Uma palavra chave para o filme “A Bruta Flor do Querer”, pode ser dizer que é: reflexão. O longa conta a história de Diego, um recém-formado em cinema que se depara com as dificuldades do mercado cinematográfico brasileiro. Essas dificuldades, porém, se mostram mais do âmbito pessoal do que de mecanismos de produção. Além disso, o rapaz se vê apaixonado por uma garota que trabalha em um sebo, porém lhe falta coragem de abordar a moça e dizer o que sente. 



Diego Andrade e Andradina Azevedo se conheceram na FAAP, onde estudaram cinema. Depois da realização de alguns curtas, fizeram (sem o auxílio de nenhuma lei de incentivo) o longa com a ajuda de amigos. A princípio, a ideia era de fazer uma comédia romântica, mas que acabou não funcionando por conta da falta maturidade dos estudantes em relação às suas próprias vivências. Procurando uma expressão mais verdadeira e mais perto do público, nasceu "A Bruta Flor do Querer", primeiro longa da dupla.

O parágrafo acima não é uma simples informação sobre os realizadores (que também atuam no filme), pois o interessante é justamente nos depararmos com uma obra que traz reflexões e situações vividas pelos próprios diretores. O filme traz questões bem interessantes, e que por mais que o foco seja sobre um estudante de cinema, tais conflitos poderiam se adequar a demais profissões. Porém, não dá para ignorarmos o fato de que estudantes de cinema ou qualquer pessoa que tenha uma relação mais próxima com o fazer cinema no Brasil, terá uma imersão mais profunda na narrativa e na empatia com o personagem principal.

Não faltam momentos de reflexão sobre o futuro de quem se forma nessa área, com direito a trabalhos como filmar casamentos, desabafos sobre o cinema de puro entretenimento e a falta de interesse e espaço para filmes mais questionadores. O filme também abre espaço para momentos de total angústia, insegurança e melancolia com relação ao futuro do personagem e dos seus sonhos.

Tudo isso é realizado de uma forma simples com uma câmera na mão que procura ficar bem próxima dos rostos dos atores como nos filmes de John Cassavetes, cuja câmera sempre elabora no momento o que eles pensam e sentem.  

Com uma jornada bastante metalinguística, o final escancara de forma objetiva e honesta as opiniões de Diego (personagem e diretor) ao refletir seu próprio material juntamente com o espectador, de uma forma verdadeira e visceral que transforma seu discurso em uma carta aberta ao cinema, sobretudo ao amor de se fazer cinema.   



Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo


sábado, 14 de janeiro de 2017

Verão, Filmes Indies e Nostalgia no cinema

Quando falamos em produções independentes não estamos apenas falando de filmes de baixo orçamento realizados por pequenas produtoras, ou filmes experimentais com pouco poder de dialogo com o público, mas também pode-se citar filmes que costumam inovar a linguagem cinematográfica e revelar novos diretores e atores, além de dar oportunidades para que atores já veteranos mostrem sua versatilidade na atuação, em filmes que fogem dos padrões  e assuntos corriqueiros dos filmes feitos para lotar salas de cinema.

Esses filmes estão ganhando cada vez mais espaço até mesmo dentro da indústria, que por vezes mesmo contando com todo o suporte que o dinheiro pode oferecer costumam recriar a atmosfera de filmes pequenos e despretensiosos que acabam por envolver o público com suas histórias delicadas ao colocar o foco no homem comum.

Os filmes indies trazem para as telonas os mais variados temas, desde os que seriam barrados no circuito comercial, até simples narrativas do cotidiano. Nos últimos anos esses filmes têm atraído muitos olhares, principalmente do público mais nostálgico e em busca de reflexões, elementos esses que não são encontrados facilmente em filmes blockbusters.

Alguns filmes produzidos recentemente se encaixam nesse padrão, com o poder tirar o espectador de seu lugar comum, e lança o olhar em histórias que poderiam passar despercebidas, porém trazem elementos de identificação, despertando nostalgia em seu público. 

 “O Verão da Minha Vida” (Jim Rach e Nat Faxon  - 2013) 

“O Verão da Minha Vida”  -  Jim Rach e Nat Faxon 
O filme se passe nos dias atuais e o clima de nostalgia está sempre presente na narrativa, a fotografia lembra a de filmes que abordam lembranças e memórias de um passado próximo dos anos 1980 ou 1990.

“O Verão da Minha Vida”  -  Jim Rach e Nat Faxon 
 A história gira em torno das férias desastrosas de Duncan (Lian James), um garoto de 14 anos, introvertido e de sua família disfuncional que passa férias em uma casa de praia. O garoto tem um padrasto daqueles típicos "machões", que implica sempre com o menino. Em meio a dias ensolarados e tediosos, Duncan vai se descobrindo e adquirindo maturidade à medida em que vai fazendo novas amizades.

O padrasto chato é vivido pelo ator Stive Correll em uma atuação um tanto diferente das quais estamos acostumados a ver o ator, o elenco ainda tem a brilhante Toni Collet, que vive a mãe de Duncan.


 “Ferias Frustradas de Verão” (Greg Mottola - 2009)

“Ferias Frustradas de Verão” - Greg Mottola


Ferias Frustradas de Verão é um filme que se passa no ano de 1987 e segue todo um clima nostálgico, para falar sobre as experiências de um jovem durante um monótono emprego de verão em um parque de diversões. 

Jess Assemberg (bem antes do sucesso de “A Rede Social”, e de ser cogitado para o papel de Lex Lutor), vive James Bremmen, um garoto que sonha em se tornar escritor e precisa levantar uma grana para ir estudar em Nova York, para realizar seu sonho ele vai trabalhar no parque de diversões de sua cidade, um emprego bem abaixo das suas expectativas, mas a única saída no momento, ele acaba fazendo amizades no trabalho e se apaixona por uma colega, “Emily”, vivida por Kristen Stewart em grande atuação,o elenco ainda conta com um jovem  Ryan Reynolds, que nem sonhava em virar o famoso Deadpool. 

O filme é regado a muita música dos anos 1980, o que da um charme especial a trilha sonora, que tem nomes como Lou Reed, The Cure, Judas Priest e David Bowie, entre outros, o que ajuda a acentuar os dramas e crises da juventude que é tratada com profundidade e naturalismo.

“Ferias Frustradas de Verão”  - Greg Mottola

“Os Reis do Verão” (Jordan Vogt-Roberts - 2013)

“Os Reis do Verão” - Jordan Vogt-Roberts


Outro bom exemplo de filme que se passa nos dias atuais, mas que mantém o clima de nostalgia tão forte que poderia muito bem se passar nos anos 80 é Os Reis do Verão de Jordan Vogt-Roberts . 

O longa acompanha Joe Toy (Nick Robinson), um garoto que não aguenta mais as pressões e cobranças do pai autoritário e acaba tendo a ideia de ir morar sozinho com os amigos no meio de uma floresta como tentativa de fuga da vida que levava, sozinho o garoto terá que lidar com as crises do amadurecimento.

O filme segue a pegada de aventuras entre garotos como os já conhecidos "Conta Comigo" de 1986 e "Os Goonies" de 1985, porém sua fotografia e montagem fogem  dos padrões das grandes produções americanas, o que deixa o filme mais sensível e impactante. 

Mesmo com uma temática aparentemente simples  Os reis do Verão consegue ser minimalista e criativo, explorando os dramas comuns do ser humano.

“Os Reis do Verão” - Jordan Vogt-Roberts

Häxan - A Feitiçaria Através dos Tempos

O cinema independente, mais precisamente o do gênero do terror, já falou sobre bruxaria no último “A Bruxa de Blair” de Eduardo Sánchez, e Daniel Myrick. O filme não chega a ser exatamente sobre o tema bruxaria, focando mais na investigação (no formato found footage) de três jovens sobre uma lenda de uma bruxa que sacrificava crianças. O longa se tornou um enorme sucesso na época de seu lançamento, arrecadando 248 milhões nas bilheterias. 

“A Bruxa de Blair”  - Eduardo Sánchez
 

No ano passado o tema voltou a ser abordado em “A Bruxa”, do diretor estreante Robert Eggers, que foi muito elogiado pela crítica ao tratar de forma extremamente fiel, a vida de uma família por volta de 1630 que se vê vítima de bruxaria.

 “A Bruxa” - Robert Eggers
  

Embora nesse último a história se passe numa época em que ainda existia a caça às bruxas, ambos os filmes conseguem criar uma atmosfera incomoda o suficiente para conquistar o espectador ao criar um desconforto com aquilo que muitas vezes não pode ser visto, ou com situações mais sinistras.

Mas para quem não sabe, a bruxaria já foi mencionada no cinema mudo, e de forma muito madura. Em 1922 foi lançado “Häxan - A Feitiçaria Através dos Tempos”, um documentário dividido em quatro partes que é um verdadeiro estudo sobre a bruxaria no século XV, juntamente com a inquisição, que foi instituída pela igreja católica.

“Häxan - A Feitiçaria Através dos Tempos” -  Benjamin Christensen

O longa foi filmado entre 1919 e 1921 na Suécia e na Dinamarca, tornando-se o filme mudo mais caro já produzido na Escandinávia, com gastos de produção chegando a um milhão e meio a dois milhões de coroas suecas. Banido nos Estados Unidos e censurado em outros países, o filme foi todo filmado durante a noite para manter o tom do tema abordado.

A produção é bem caprichada e bem didática, porém seu didatismo não cai no tédio. Como um documentário tipicamente expositivo, ele dialoga diretamente com o público, fazendo o uso de imagens que comprovam tudo o que está sendo dito, e intertítulos explicativos (que seriam substituídos pela narração em off no cinema falado) que passam objetividade e domínio do assunto que está sendo abordado.

“Häxan - A Feitiçaria Através dos Tempos” -  Benjamin Christensen

A produção ainda faz uso de dramatizações com atores que ajudam a ilustrar o cotidiano dessas “bruxas” e até seus rituais, em cenas muito bem filmadas e sinistras. Destaque para uma cena que mostra diversas bruxas voando em suas vassouras. A cena surpreende para a época, e fez uso de uma cidade em miniatura e diversas atrizes filmadas individualmente que depois foram inseridas “no céu” através de uma impressora óptica, para dar a impressão de estarem realmente sobrevoando a cidade. 

Häxan - A Feitiçaria Através dos Tempos é mais que um estudo da bruxaria, pois vai além ao fazer uma analogia com a época em que o filme foi lançado, mostrando também o sofrimento de tantas pessoas com problemas psicológicos, ou até que tinham uma religião que envolvia rituais, mas que por preconceito, eram hostilizadas (e por isso consideradas “bruxas”) pelos demais por conta de crendices e preconceito que resultaram em um julgamento injusto e covarde. 

“Häxan - A Feitiçaria Através dos Tempos” -  Benjamin Christensen


Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

sábado, 7 de janeiro de 2017

Desafios da Maternidade no Cinema de Terror

A maternidade costuma ser vista pela sociedade, de uma forma geral, como um momento de extrema importância, quase como uma missão que deverá ser cumprida em algum momento da vida de uma mulher.  No entanto, nem tudo são flores, sendo bem comum que algumas mulheres não estejam preparadas para lidar com seus filhos ou com a chegada dos mesmos.

Os motivos podem ser variados, afinal, nossa mente é complexa o suficiente e podemos lidar com receios e traumas de formas diferentes. O cinema pode facilmente fazer uso dessas dificuldades através do gênero do terror, ao usar seus elementos mais comuns para exacerbar as dificuldades da maternidade.

Dois filmes são extremamente interessantes nessa discussão e embora ambos possam ser interpretados pelo âmbito do sobrenatural, vale a pena sairmos um pouco de uma interpretação mais comum e perceber como alguns filmes podem estar querendo ir mais além do que um simples filme que foca sua narrativa no que não pode ser explicado pela ciência.

O primeiro filme já é considerado um clássico do terror e foi baseado no livro homônimo de Ira Levin. O Bebê de Rosemary (1968), foi dirigido por Roman Polanski e narra a história de um jovem casal, Rosemary (Mia Farrow) e Guy (John Cassavetes), que se muda para um apartamento com alguns excêntricos vizinhos. Ao engravidar, Rosemary entra em um mundo cheio de paranoia e insegurança que passa a controlar sua vida.

Diferente de muitos filmes típicos do gênero, “O Bebê de Rosemary” vai contra muitos elementos que seriam facilmente usados em outros filmes. Aqui não é usado um uso excessivos de sombras, uma casa que pareça ser assombrada, muito menos sustos fáceis. Pelo contrário, encontramos logo no início, uma fonte rosa e mais delicada que nos apresenta o título do filme.

"O Bebê de Rosemary" -  Roman Polanski (1968)

Tons em amarelo representam no começo a alegria e a expectativa do casal em começar uma vida nova. Na casa, essa atmosfera praticamente não sofre grandes alterações, deixando todas as mudanças para a personagem. O design de produção (direção de arte) consegue criar uma ideia de forte debilitação da personagem através de um corte de cabelo bem mais curto e de roupas mais justas e uma maquiagem que deixa Farrow pálida e com olheiras.

"O Bebê de Rosemary" -  Roman Polanski (1968)
"O Bebê de Rosemary" -  Roman Polanski (1968)

Toda a narrativa se sustenta (de forma muito eficaz) a partir de situações de desconforto vivida pela protagonista. Rosemary vai ficando fraca cada vez mais fraca enquanto suspeita que seus excêntricos vizinhos e seu marido possam estar arquitetando algum plano diabólico contra ela e seu bebê.

A câmera muitas vezes assume a visão da personagem, como se algo oculto estivesse sendo escondido de Rosemary e consequentemente, do espectador. 

"O Bebê de Rosemary" -  Roman Polanski (1968)

Se de um lado temos Rosemary ficando cada vez mais debilitada com a gravidez e suspeitando que seu bebê corre perigo, do outro temos Guy e os vizinhos sempre tentando acalmá-la, garantindo que tudo irá ficar bem. Todos os elementos usados no filme podem ser vistos como fruto de uma possível repressão religiosa vivida há um tempo por Rosemary, que foi somado ao peso e o receio da maternidade, que cobrará da protagonista uma decisão de como encarar o fato de ser mãe.

O segundo filme é “O Babadook” (2014). O longa independente, é o primeiro da australiana Jennifer Kent, baseado em seu curta “Monstro”, lançado em 2005. O filme teve uma boa resposta da crítica e já circula em listas de possíveis filmes que poderão se tornar um clássico do terror daqui a alguns anos.

Amelia (Essie Davis) é viúva, e mesmo passados seis anos da morte de seu marido, a mulher ainda vive atormentada pelo ocorrido. Samuel (Noah Wiseman) tem seis anos e é filho de Amelia. O garoto tem se comportado mal na escola, para o desespero da mãe que não sabe como lidar com ele. Para piorar, um livro intitulado “O Babadook” surge na prateleira do quarto do garoto, que parece libertar uma criatura maligna que fará de tudo para destruir Amelia e Samuel.

“O Babadook” - Jennifer Kent (2014)
Mesmo o filme ganhando toques que lembrarão outros clássicos como “O Iluminado” e até mesmo “O Exorcista”, o longa consegue criar identidade própria e uma atmosfera de total apreensão e desconforto sem ser apelativo com cenas de extrema violência, excesso de sangue e claro, os famosos sustos gratuitos. Kent consegue cria um incomodo no espectador que torce para que a relação entre mãe e filho se restabeleça.
As atuações são espetaculares, principalmente a de Essie Davis, que em determinadas cenas, parece mudar de rosto sem o auxílio de qualquer efeito especial de maquiagem. Tudo com sua atuação.

O design de produção também dá um toque muito especial ao filme. Tons acinzentados, azuis e pretos predominam na casa e o figurino dos personagens, passando toda uma carga pesada e negativa. É possível notarmos também características e sombras dos filmes do expressionismo alemão. A casa também incorpora um design que parece ter saído de um livro infantil, mas sem perder seu realismo. O filme possui uma linha tênue entre realismo e fábula, guiando tudo para o fantástico.

“O Babadook” - Jennifer Kent (2014)

Tanto “O Bebê de Rosemary”, quanto “O Babadook” se mostram filmes bem eficientes no que diz respeito a uma elaboração de uma narrativa que permite mais de uma interpretação, convidando o espectador a refletir sobre o que viu. Além disso, é possível captar em ambos o drama, muito difícil em alguns filmes de terror que parecem usar seus personagens como peças para situações que chocam, sem respeitar o lado humano dos mesmos. 



Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo



domingo, 1 de janeiro de 2017

The OA - ultima série de 2016

1° dia de janeiro, dia de fazer promessas e colocar o ponto inicial nas listas que prometemos fazer de séries filmes e livros para o ano, além atualizar as postagens do blog, esse ano acredito que terei mais tempo e farei isso com mais tranquilidade e frequência, mas comentar criticar e recomendar filmes livros e séries requer tempo para assistir e dar uma estudada nos conteúdos que são produzidos, borá lá então...

Sem mais delongas o ano de 2016 foi promissor com o que se refere à produção de séries, assistimos a consagração da Netflix, que acrescenta a seu catalago suas próprias produções e, diga-se de passagem, trazendo ao mundo do entretenimento uma maior diversidade de temas e formas de se produzir audiovisual seriado, várias equipes de produção de muito talento com artistas que por vezes descartados pela grande mídia televisiva ou a do cinema, encontraram o lugar ideal para inovar, o serviço de streaming abriu espaço para produções mundiais que trazem um novo frescor ao universo do cinema.

Durante o ano a estrela do catalogo foi à aclamada série “Stranger Things” (Matt Duffer, Ross Duffer), a qual com certeza faremos análise aqui no blog, mas o ano fechou muito bem com a série “The OA” com uma primeira temporada encantadora, que agarra o espectador já em seu piloto, com um roteiro enigmático que consegue segurar a atenção durante os 8 episódios da primeira temporada, se você gosta de ficção cientifica a série é para você, ela aborda teorias de viagens no tempo e, questões de experiências de vida pós morte, tratando de forma muito singular e criativa a experiência de quase morte (EQM).


The OA, trás como protagonista Prairie (Brit Marling) uma jovem misteriosa que é encontrada no primeiro episódio depois de uma tentativa de suicídio.  Ela havia passado 7 anos desaparecida e antes de retornar a sua cidade natal era uma garota cega, agora podia enxergar o que foi considerado um milagre na região onde morava, porém no decorrer dos episódios a história vai se desenrolando de uma forma bem interessante em duas camadas de montagem, uma na qual   Prairie ou OA, como ela gosta de ser chamada, está aprendendo a voltar a vida depois de anos desaparecida, e outra camada na qual ela narra sua própria história e conta tudo que aconteceu desde que desapareceu.

Esse modo de montagem torna tudo muito envolvente, pois nos são apresentados todos os personagens que estão envolvidos na trajetória da Prairie, tudo que acontece em sua vida e como deixou de ser cega vai sendo explicado (neste post não darei spoilers).

Fora uma boa premissa de uma boa narrativa complexa de ficção cientifica, a série aborda questões de misticismo, amadurecimento e comportamento humano, com uma boa pitada de teorias filosóficas e psicológicas, além de referencias dentro do cinema, filmes como “Pacto sinistro” (Alfred Hitchcock) de 1951, e nomes como Stanley Kubrick, são citados pelos personagens e não para por ai só nas citações, a série trás referências estéticas dos grandes mestres do cinema durante os episódios, que os bons observadores e cinéfilos vão perceber.

Os personagens giram em torno da protagonista, basicamente dois núcleos um nos dias atuais durante a série, um grupo de adolescentes estudantes disfuncionais, com problemas de comportamentos e familiares, que se juntam a Prairie e passam a escutar suas histórias, é através desses momentos que temos acesso ao passado sombrio da personagem, e aos personagens do segundo núcleo, que estão nas lembranças da personagem que se abre aos garotos fazendo revelações que passa a mudar suas rotinas e comportamentos.




Esse modo como a série se desenrola faz com que se crie empatia pelos personagens de forma rápida, mesmo que muitos deles sejam pessoas não muito agradáveis, com histórico de violência ou uma professora de meia idade sem muitos atrativos a principio. As rodas de conversa faz com que eles partilhem suas experiências e possam se conhecer assim como em terapias de grupo ou algo muito próximo do que acontece do filme “Clube dos Cinco” (John Hughes) de 1985, nas rodas de conversa enquanto os personagens estão presos conseguimos entende-los melhor, e, diga-se de passagem, o número 5 de personagens é o número da série, e cada um deles são apaixonantes, cada um a seu modo.

A fotografia da série é um charme a parte, lembra muito filmes “indies” Europeus, e por vezes temos planos realísticos de bairros e casas, que também nos remete ao cinema brasileiro contemporâneo, dando aquele toque de filme independente de baixo orçamento, uma estética muito recorrente quando a produção quer abordar um realismo quase documental. Muitos planos são bem aproveitados com luz natural e com a ausência de luz, que nos remete a escuridão vivida pela personagem que boa parte da série é cega, mas também a cegueira interior e a jornada de autoconhecimento que se enfrenta no desenrolar da trama, temos planos e insertes belíssimos da natureza e dos ambientes num geral, porém a fotografia não para no naturalismo, como dito a série se desdobra em uma montagem complexa de camadas tanto nas narrativas, na montagem, mas também na fotografia, temos momento místicos, nos quais a proposta é feita de forma minimalista sem medo do clichê e funciona muito bem as imagens de experiência de quase morte dos personagens que viajam por outras dimensões, dando imagens simples e muito bonitas dessas experiências ao espectador.


A atriz Brit Marling, que interpreta a protagonista, é uma roteirista e também uma das criadoras da série, um trabalho recente dela que trás um pouco da atmosfera da série é o filme “O sistema” de 2013, dirigido por Zal Batmanglij, que também dirige a série, a dupla já funcionou bem antes, a relação do filme com a série é apenas no que desrespeito a critica a sociedade pós-moderna capitalista, através de uma dose de misticismo e ideias de autoconhecimento.

Aproveite que o ano esta só começando e assista The OA, vale muito apena, comente o que achou, em breve poderei fazer mais análises dos episódios.

Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

  O aspecto mais interessante em Vidas nuas é a fluidez como a cidade de São Paulo é filmada, desde seu primeiro plano quando temos acesso ...