terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Imagens: o filme de terror de Robert Altman (Crítica)



Cathryn (Susannah York), é uma escritora de livros infantis que começa a sofrer de transtornos causados por uma aparente esquizofrenia. Suas visões consistem em imagens de homens com quem ela teve algum relacionamento no passado, mesmo estando casada com Hugh (Rene Auberjonois). Quando o casal resolve passar alguns dias em uma casa de campo, tudo piora e as visões da mulher se tornam frequentes.


Assim é a sinopse de Imagens, o que podemos considerar com o único filme de terror (psicológico) dirigido por Robert Altman, conhecido por filmes como Short Cuts - Cenas da Vida (Short Cuts, 1993) e M.A.S.H. (1970), que apresentam histórias paralelas e críticas à sociedade. O longa é mais um daqueles que consegue com eficiência retratar os elementos do horror como alegorias para aquilo que faz parte do nosso próprio mundo, como nesse caso, a esquizofrenia.

Além de retratar isso, o espectador é logo colocado dentro da cabeça da protagonista. A narrativa é totalmente do ponto de vista de Cathryn, e a ótima direção de Altman nos faz mergulhar em um universo que por inúmeras vezes remete a um mundo onírico e constantemente estranho.


Imagens, como o próprio nome já diz,  brinca justamente com o que estamos vendo. Por vezes não sabemos se um determinado evento realmente aconteceu ou estamos diante de um delírio da personagem, que chega a se ver durante o filme, como uma representação de sua própria doença e da tentativa de fugir dela. Altman não precisou construir um mundo exagerado para nos mostrar explicitamente que a personagem está delirando. Sabemos que a personagem está em um mundo real, porém distorcido.

A forma com que o tempo e o espaço são manipulados, são essenciais para esse efeito de desconexão. No momento em que Cathryn está em pé numa colina e de repente se vê entrando na casa de campo, é como se o tempo entre ela descendo a colina para chegar até a casa, fossem suprido. Isso cria uma fragmentação das imagens que representa muito bem sua mente. Às vezes somos surpreendidos com uma mudança de personagem que parece representar o marido da protagonista, mesmo quando claramente estamos vendo outro ator em cena. Por vezes essa mudança se torna fluída, enquanto em outras, a edição faz o uso de cortes secos para mudar ações da própria Cathryn dentro da cena.

No decorrer do filme, a mulher descobre que “matando” essas imagens, seja com espingardas ou facas, parece ser a única solução para se livrar de suas visões. Porém, a única imagem impossível de se livrar, é justamente a sua, como uma forma de lembrar que ela não pode ficar livre de sua própria mente. A câmera aliás, objeto usado justamente para produzir imagens, é vista constantemente no filme, já que Hugh é fotógrafo e está trabalhando em um projeto. Não é à toa que em um determinado momento em que Cathryn dispara uma arma, a bala atinge justamente a câmera. 


O filme foi filmado na Irlanda e o local acabou sendo muito apropriado para a criação de uma atmosfera de incertezas e constante estranheza. Em muitas cenas o céu está nebuloso, e até em cenas em que mostram paisagens mais bonitas e até tranquilizadoras, o filme nos insiste em lembrar que estamos dentro da mente de uma mulher esquizofrênica. Isso aliás é justificável para qualquer cena que o espectador possa ver, já que tudo o que acontece, pode ser questionado. A dubiedade é retratada muito bem na direção de arte, que usa espelhos em algumas cenas ou reflexos de Cathryn para reforçar essa ideia de “dois mundos”.


A música tem um papel importante no filme, agindo praticamente como um personagem a parte. Personagem esse responsável por perturbar o espectador com sons que incomodam e que por vezes não parecem harmônicos, contribuindo ainda mais para uma imersão do público. Os sons foram criados pelo percussionista Stomu Yamashta, que utilizou instrumentos de corda e percussão. John Williams também contribui com a trilha, criando uma atmosfera sinistra. 

Imagens é mais uma prova de como é possível fazer um bom terror psicológico (literalmente) ao tratar de um lugar que pode ser mais aterrorizador e obscuro que muita casa mal-assombrada: a mente humana.


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