segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Crítica - Morto Não Fala




Morto Não Fala foi dirigido por Dennison Ramalho e inspirado no conto escrito por Marco de Castro em 2004. Castro que na época era repórter policial, possuía um blog chamado Casa do Horror, com diversas histórias assustadoras e macabras.  

A ideia inicial era fazer um curta adaptando o conto, mas que depois se transformou na ideia de uma série. Muita coisa aconteceu e como nada pode ser previsto, quinze anos depois a ideia finalmente virou um filme produzindo em coprodução com a Globo Filmes, Canal Brasil e Casa de Cinema de Porto Alegre, e que agora sim poderá virar uma série. 

Apesar desse ser seu primeiro longa, Dennison Ramalho já dirigiu oito curtas na carreira, sendo um deles fazendo parte do filme antológico O ABC da Morte 2. Morto Não Fala teve boa resposta lá fora, sendo exibido em 40 festivais de diversos países. No site Rotten Tomatoes o índice de aprovação é de 92%, além de ter sido eleito pela revista New York Times como um dos melhores filmes de terror de 2019.

Stênio (Daniel de Oliveira) trabalha como plantonista noturno de um necrotério. No seu trabalho, o homem tem o dom de falar com os corpos que ali estão para serem abertos e  examinados por ele. Depois de quebrar uma espécie de regra do mundo sobrenatural e ouvir de um dos mortos que sua mulher está tendo um caso, Stênio é preso por uma maldição que irá prejudicar sua via e das pessoas próximas a ele.


Morto Não Fala não busca em sua essência fazer uma crítica social, mas é possível perceber algumas pinceladas de uma crítica no primeiro ato do filme, quando percebemos a quantidade de corpos de pessoas negras no necrotério onde se passa boa parte da história. Mesmo que essas pessoas um dia fizeram parte de organizações criminosas, sabemos como o caminho do crime tomado pelas populações pobres e negras no brasil, não se trata de uma simples “escolha”. Já em uma sequência em que corpos vão chegando no necrotério sem parar, descobrimos que o resultado de uma deslizamento de terra fez com que tantas pessoas morressem. Mesmo sem mais explicações sobre o acidente, sabemos como esse tipo de tragédia também ocorre muito. Seja por falta de alguma fiscalização ou pela desigualdade social que obriga as pessoas a fazerem suas casas em áreas de risco.

Esses pequenos momentos de crítica aparecem no filme, mas nada acaba indo além disso. Até mesmo o dom do protagonista de conversar com os corpos, pode pegar muita gente de surpresa e frustrar um pouco quando depois do conflito, essa premissa acaba ficando de lado e dando espaço para um filme de terror mais convencional. Essa mudança de tom que poderia prejudicar o longa, acaba não acontecendo graças às sequencias bem dirigidas e criativas de Ramalho.


Quando se estabelece o conflito do filme, passamos a temer não só por Stênio, mas também por seus filhos. Há ainda um suspense envolvendo um segredo que sabemos, mas que é desconhecido por Lara (Bianca Comparato), que aos poucos começa a fazer parte da vida de Stênio e seus filhos. O protagonista é um anti-herói e o equilíbrio entre o lado obscuro do personagem e seu amor por sua família enquanto tenta fazer com que nada de mal aconteça a ela, equilibra o bem e o mal que habita o personagem.

Parece que o diretor além de estar bem familiarizado com o cinema hollywoodiano do gênero de terror, o mesmo também está atento na forma como cria sequências de medo e tensão. Há muitas delas que se constroem efetivamente a partir de momentos de tensão e estranhamento do que de sustos gratuitos. Mesmo quando faz uso de alguns desses sustos, são em momentos que não procuram enganar o espectador, mas de fato mostrar algo sobrenatural acontecendo naquela cena. Além disso, o cineasta usa elementos da própria cultura brasileira para criar as cenas de terror.


Algo que chama muito a atenção, são os efeitos visuais usados nos rostos dos corpos que conversam com Stênio. Bonecos muito bem feitos a partir de moldes dos corpos dos atores, foram usados nas cenas do necrotério. O ator gravava seu rosto dizendo suas falas e depois esses rosto era sobreposto o rosto dos bonecos. O resultado pode causa estranhamento, mas ao mesmo tempo dá um tom bizarro ao filme. Não se sabe se essa ideia foi proposital, já que colocar os atores deitados nas mesas de exame e filmá-los lá mesmo enquanto dão o texto, teria sido uma opção mais barata e até óbvia. De qualquer forma isso não tira o mérito do filme e dos efeitos especiais de maquiagem que são bem convincentes.

Morto Não fala foi uma grata surpresa no ano de 2019, principalmente para o Brasil, que é tão carente de filmes de gênero. Mas a boa recepção do longa lá fora, acaba sendo uma boa forma de divulgação e apreciação do filme aqui no Brasil.





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