Quando a Universal Pictures
surgiu com a ideia da criação de um “Dark Universe”, muitos fãs criaram
expectativa. A ideia era fazer um reboot de todos os filmes clássicos de
monstros, unindo-os em uma linha temporal, assim como é feito no universo da
Marvel. Porém, as críticas negativas e o pouco sucesso de filmes como Drácula:
A História Nunca Contada (2014) e A Múmia (2017), fizeram com que os
planos desse novo universo fossem interrompidos. A ideia (até o momento) acabou
sendo a de produzir filmes solos, longe desse universo compartilhado. E parece
que pode dar certo.
O Homem Invisível
é o primeiro longa dentro dessa nova ideia de um filme solo. A adaptação do
livro homônimo escrito por H. G. Wells em 1897, já gerou uma série de filmes
para o cinema. A mais conhecida delas foi a realizada pela Universal Pictures
em 1933, que contou com Claude Rains
como o cientista que descobre uma fórmula para se tornar invisível, mas que
ainda precisa descobrir um antídoto para
reverter o processo. O longa foi dirigido por James Whale e até hoje
impressiona pelos efeitos visuais usados na época em que foi produzido.
Nessa nova versão da
história, o diretor australiano Leigh Whannell ficou encarregado pela produção
executiva, roteiro e claro, direção. Whannell é conhecido pelo seu papel do
Specs na franquia Sobrenatural (Insidious nos EUA), responsável
por ajudar a médium Elise Rainier a enfrentar os espíritos malignos do filme.
Vale lembrar que Whannell roteirizou todos os longas da franquia, além de ter
dirigido o terceiro filme, Sobrenatural: A Origem (Insidious: Chapter 3,
2015).
Em O Homem Invisível,
Cecilia Kass (Elisabeth Moss), é uma mulher que está tentando fugir de um namorado
extremamente abusivo, o cientista Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen). Quando
consegue, a mulher descobre que seu ex se suicidou. Tentando retomar sua vida
enquanto vive na casa de seu amigo de infância, James (Aldis Hodge), Cecilia
parece sentir a presença de Adrian no local enquanto coisas estranhas passam a
acontecer.
Se Um Lugar Silencioso
(A Quiet Place, 2018), brincou com o sentido auditivo do espectador, O
Homem Invisível brinca com a visão. É muito válido quando um filme se
agarra a isso para criar uma constante expectativa de que algo ruim poderá
acontecer. Mesmo que outras adaptações dessa história já tenham tratado da
invisibilidade, a direção de Whannell é muito eficaz ao criar uma grande tensão
na primeira parte do filme.
Para começar na primeira
sequência, a protagonista já está tentando fugir de casa sem ser vista pelo
namorado, que está dormindo. A mansão onde vive o casal tem uma arquitetura
moderna ao mesmo tempo em que evoca uma sensação de frieza e isolamento. O
lugar fica no topo de uma colina e as paredes e muros cinzas, dão ao local
justamente a ideia de uma fortaleza que de fato aprisiona Cecilia. Nessa mesma
sequência há uma impressão clara de que a mulher não pertence àquele lugar.
Mesmo tendo o estímulo visual, esse início do filme trabalha também a tensão do
som que pode surgir a qualquer momento e acordar Adrian.
Uma vez que já sabemos
que o filme se trata de uma ameaça que não pode ser vista, a câmera costuma
enquadrar Moss deixando um espaço ao seu lado, onde claramente é ali que Adrian
deve estar. Há muitos momentos assim e são neles em que o suspense e a
expectativa de que algo ruim possa acontecer, fazem o espectador ficar
apreensivo e esperando o pior. Às vezes a câmera faz uso de movimentos
panorâmicos acompanhando a protagonista de um ponto a outro dentro de um
cômodo, quando resolve voltar para o ponto inicial, agora sem acompanhar a
personagem. Esses segundos até a câmera chegar ao seu destino onde não há
“nada” para ser visto, intensificam mais nossa expectativa de que Adrian pode
estar planejando fazer algo.
Os velhos sustos também
agradam o espectador mais acostumado com cenas convencionais dentro do gênero
do terror. Porém eles são honestos e quando surgem, são em cenas mais
impactantes que não enganam o espectador e às vezes o pegam realmente de
surpresa como em uma cena em especial dentro de um quarto, que deve pegar muita
gente de surpresa.
A segunda parte do filme
se torna mais convencional com cenas de ação e fuga, mas que ainda assim
continuam competentes graças à boa direção de Whannell. O final também pode não
ser tão previsível para alguns, e mesmo que alguma ação em especial no desfecho
possa ter sua veracidade questionada, nada disso atrapalha o filme.
Talvez o mais notório
nisso tudo é usar esse filme para falar de questões tão pertinentes e
finalmente faladas com mais finco nos últimos anos, como as relações abusivas.
O gaslighting para quem não sabe, é um tipo de abuso psicológico em que
o abusador omite ou manipula informações para que a vítima passe a duvidar de
si mesma ou até mesmo de sua sanidade mental. O termo tem origem na peça
teatral Gas Light, que depois foi adaptada mais de uma vez para o
cinema. Uma delas em 1944 contou com a participação de Ingrid Bergman.
Mesmo Cecilia já sabendo
que Adrian está por perto, ela não tem credibilidade já que seu argumento está
fora da realidade. Sua sanidade é posta à prova a ponto da personagem ser
internada. A manipulação de Adrian ao ficar invisível, mesmo que faça parte de uma
narrativa de fantasia, ainda assim mostra como momentos de manipulação que
podem ser conferidos em tantas relações abusivas. Nesses casos a mulher é vista como alguém que precisa de
ajuda psicológica por ser sempre desacreditada por pessoas próximas. Adrian até
mesmo manda um e-mail do computador de Cecília para sua irmã, Emily (atriz), para criar conflito entre as
duas mulheres.
Mesmo não havendo 100% de
profundidade no drama da personagem, dando mais espaço para as convenções do
gênero do terror, há cenas bem interessantes e pontuais do relato de Cecília,
em que a mesma fala um pouco sobre sua relação com Adrian e sobre como seu
ex-namorado vai aos poucos controlando sua vida. Destaque para uma cena em que
ela confronta ele e diz que não sobrou mais nada dela para ele querer levar.
Vale apontar como Elizabeth Moss está mais uma vez excelente.
O Homem Invisível já
pode ser considerado um dos filmes de terror de 2020 até o momento, e tem
diversos aspectos que irão agradar o espectador que procura um filme de terror
mais convencional, mas também o uso do enredo para falar de questões sérias.
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