Nos últimos anos o
cinema de horror/terror tem trazido alguns filmes que conseguiram dar um novo
fôlego (ou talvez recuperar o fôlego de outros filmes lançados em outras
décadas) a esse gênero que pode facilmente cair em clichês. São poucos os
filmes que criam uma atmosfera envolvente e tensa, capazes de criar algo
diferente mesmo usando elementos já conhecidos do público. O mesmo se pode falar
dos temas e a forma de abordá-los. Corrente
do Mal (It Follows, 2014), dirigido por David Robert Mitchell, foi sem
dúvidas um desses filmes que se tornaram uma grata surpresa dentro do gênero do
terror.
O cinema de terror
(principalmente os filmes dos anos 1970 e 1980) é conhecido por lidar com a
sexualidade de uma forma polêmica. O sexo quase sempre é tratado como algo
passível de punição, principalmente com as mulheres, que são as primeiras a
caírem nas garras dos serial killers do
subgênero slasher. A final girl acaba sendo sempre aquela que
não demonstra ter uma vida sexualmente muito ativa (quando não é virgem) e com
muitos parceiros.
Corrente
do Mal consegue ser um diferencial justamente por incluir questões
sexuais de forma inteligente e reflexiva. A sinopse é simples. Jay (Maika
Monroe) tem 19 anos e está saindo com Hugh (Jake Weary). Depois de uma transa
entre os dois, Jay se vê atormentada e perseguida por uma estranha entidade que
toma a forma de qualquer pessoa, conhecida ou não.
A jovem precisa então ter
relações sexuais com outra pessoa para poder passar essa espécie de maldição
para esse outro individuo, ou ficar fugindo da entidade sempre que ela surgir
do nada, seguindo-a. A tarefa não é fácil e pode significar a morte se Jay for
desatenta e permitir que a entidade a mate. A garota conta com a ajuda de sua
irmã, Kelly (Lili Sepe) e de seus amigos Paul (Keir Gilchris) e Yara (Olivia
Luccardi) para se livrar dessa situação.
Em um primeiro momento, quando
se assiste ao filme, é fácil cairmos na ideia de que o sexo aqui é mais uma vez
usado como algo que mereça uma “punição”, mesmo que no caso do filme, tanto
homens quanto mulheres, sejam as vítimas. O caso é que Corrente do Mal fala justamente sobre inseguranças e angustias da
adolescência, fase essa em que se começa a perder o “escudo” que temos quando
ainda somos crianças. Quanto à entidade, ela representaria o risco que
constantemente persegue esses adolescentes que iniciam uma vida sexual. Mesmo que
esse risco faça parte da vida de qualquer pessoa, os adolescentes fazem parte
de uma estatística que precisa de mais atenção.
Isso fica claro no filme em
cenas logo no primeiro ato, quando Jay está na piscina de sua casa. A
personagem observa um esquilo andando pelo fio de alta tensão do poste e quando
se depara com uma formiga em seu braço, ela a coloca dentro da piscina,
consequentemente matando-a. Essa simplicidade alegórica parece representar nada
mais que a fragilidade dessa fase da vida quando não somos mais criança, mas
também ainda não chegamos à fase adulta.
Não é a toa que alguns diálogos
bem pontuais frisam momentos dos próprios personagens, ora falando da fase em
que eram crianças (e como tudo parecia mais fácil), ora relembrando quando eram
crianças e sonhavam em ser mais velhos, e se deparando com a vida em que essa
“magia” de se tornar maior de idade não passa de algo romantizado.
Saindo um pouco da parte
temática e indo para a parte estética, Corrente
do Mal tem mais méritos. A música que facilmente nos faz lembrar um filme
de John Carpenter, ao mesmo tempo em que encontra outras referências em filmes
dos anos 70 e 80, consegue ter uma personalidade própria. O próprio diretor já
citou em entrevistas sua influência na carreira proveniente de vários filmes
clássicos do terror, como A Hora do
Pesadelo (A Nightmare on Elm Street, 1984) de Wes Craven e O Enigma do Outro Mundo (The Thing, 1982) de
Carpenter. Os próprios objetos de cena também misturam
elementos da atualidade com elementos também dos anos 80, criando um visual bem
uniforme que não permite demarcações de épocas específicas.
Com tudo isso, ainda tem a
fotografia que aposta em planos abertos e profundidade de campo. Essa escolha
serve para causar tensão no espectador, que também se vê a espera de algo
surgir no meio da multidão, podendo ser ou não uma das formas da entidade que
por vezes se comporta como uma pessoa normal enquanto caminha em direção a
protagonista, seja onde ela estiver. A câmera subjetiva também auxilia muito
para nos colocar no lugar de Jay.
Com tantas qualidades em meio a
um gênero que fica cada vez mais difícil de alcançar algo inovador, Corrente do Mal mostra que o cinema de
horror ainda pode se reciclar e o mais importante: causar reflexão sem se
limitar a dar sustos baratos. Aliás, é comum nesses filmes mais originais, a
falta de grandes sustos, o que acaba incomodando muitos fãs um pouco mais
exigentes. Mas um verdadeiro fã de terror, poderá se
abrir para algo novo e perceber que alguns filmes têm mais efeito na forma como
nos perturbam do que na forma como nos assusta.
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