quinta-feira, 1 de outubro de 2020

Cinema Trash




No livro Enciclopédia dos Monstros, escrito por Gonçalo Júnior em 2008, o autor traz no capítulo sobre monstros do cinema, o subcapítulo Monstros do Lixo. Para Júnior definir o termo trash não é tão fácil.  No entanto algumas características podem ser apontadas nos filmes desse subgênero do terror.

Com criaturas quase sempre inusitadas, um filme trash geralmente conta com uma produção de baixo orçamento, roteiros pouco desenvolvidos, atuações bem amadoras, cenários mal construídos, monstros exagerados e maquiagem mal feita. Os críticos adotam o termo trash justamente pelo conjunto de tudo isso não trazer valor artístico.

Por outro lado, essa ideia de uma falta de qualidade artística não quer dizer que o filme não tenha seu valor. Muitos filmes conseguiram seus fãs ao longo do tempo e se tornaram cultuados mundo a fora. Esses filmes divertem independente de seus problemas técnicos e são abraçados por pessoas que estão cientes de que esses filmes não devem ser levados a sério, mas que nem por isso deixam de divertir e conquistar seu público.

Titio Coffin Souza, citado no livro por Júnior, aponta que as famosas ficções científicas americanas da década de 1950 na época eram levadas a sério tanto pelos realizadores, quanto pelo público. Isso nos faz pensar que esses filmes envelheceram mal com o passar dos anos e ganharam outro status, o de filmes trash.

Já na década de 1970, cita Souza, filmes com cores exageradas, pitadas de sexo e violência começaram a estabelecer o conceito de trash (também conhecido como gore ou splatter). Esses filmes eram feitos dessa forma propositalmente para atrair seu público com situações bizarras que causavam risos.

Diretores como Roger Corman, John Waters (que depois de um tempo parou de seguir a linha do horror), Jesus Franco, Abel Ferrara, Dario Argento e Sam Raimi, são alguns dos grandes nomes desse subgênero.

Vale apontar também como nos EUA os termos “Filmes B”, “Filmes C” e “Filmes Z” são mais empregados do que o termo trash. Atores que estavam esquecidos ou que ainda começavam uma carreira (como  John Wayne e Jack Nicholson), passaram pelas produções de filmes B. Vincent Price que começou sua carreira em produções mais conceituais e respeitadas, hoje é mais lembrado pelos filmes B que se tornaram clássicos do terror. Já atores como Bela Lugosi, Eddie Constantine, Bruce Campbell e Pam Grier, trabalharam em filmes B durante quase toda suas carreiras.

O termo “Filmes C”  nos EUA se dá por conta dos filmes que passavam na TV a cabo (Cable TV), mas também por serem considerados de uma qualidade inferior aos filmes B. A televisão foi sem dúvidas importantíssima para a popularização desses filmes e a maneira como os mesmos são cultuados até hoje. Não é raro encontramos no Youtube vídeos de encontros entre diretores e atores desses filmes com uma legião de fãs.

Na categoria Filmes Z, Ed Wood é o mestre no assunto. Plano 9 do Espaço Sideral é um clássico do trash e consegue ser talvez o filme mais precário em todos os sentidos, mas que tem um público fiel.  Lançado em 1959, o longa é sobre um ataque feito por alienígenas que pretendem conquistar o planeta ressuscitando corpos de um cemitério. Plano 9 do Espaço Sideral é simplesmente considerado o pior filme já feito na história do cinema, segundo muitos historiadores e críticos dos EUA.


Voltando a falar sobre televisão, aqui no Brasil tivemos o
Cine Trash pela Rede Bandeirante, que contava com sessões de filmes de terror trash, e que já contou com a apresentação do ator e cineasta José Mojica Marins, o icônico "Zé do Caixão". O programa foi de 1990 a 1997.  Na lista de filmes que já foram exibidos no programa, há títulos como “Creepshow: Arrepio do Medo” (1982), A Mosca da Cabeça Branca (1958), Maniac (1980), Psycho Cop: Ninguém Está em Segurança (1989), entre outros.

 

O Mistério do Cesto (1982)

Um dos filmes que mais marcam o subgênero trash, é sem dúvidas O Mistério do Cesto (Basket Case, 1982). Também já exibido no Cine Trash, pela Bandeirantes, o longa foi dirigido e escrito por Frank Henenlotter e conta a história de Duane Bradley (Kevin Van Hentenryck), um jovem que chega a Nova Iorque carregando uma grande sexta que está trancada com um cadeado.

Após se hospedar em um hotel barato, percebemos que Duane se comunica com o que está dentro do cesto e até mesmo o alimenta. Na verdade trata-se de seu irmão gêmeo siamês que foi separado dele através de uma cirurgia forçada pelo pai dos irmãos. Duane então busca vingança dos médicos que o operaram enquanto tenta levar sua vida a diante.



O irmão de Duane que vive no cesto é extremamente deformado e tem somente os dois braços. Além disso, ele impede que Duane tenha uma vida normal por conta dos ciúmes excessivos que sente do irmão. Enquanto vão aos poucos se vingando das pessoas que o separaram, Duane conhece Sharon (Terri Susan Smith), recepcionista do médico responsável pela cirurgia dos irmãos.

Filmado em 16mm Henenlotter não teve controle da pós-produção o que deixou o filme meio escuro e convertido em outra proporção de tela. Filmado parte em Manhattan, é possível notar como grande parte dos personagens é visto como pessoas à margem da sociedade. Até mesmo o hotel onde o protagonista se hospeda é de gosto duvidoso. A Nova York vista no filme, é aquela com casas de show de sexo explícito, vendedores de drogas e prostitutas.    

Mas ninguém está mais à margem do que os dois personagens principais. Como no próprio filme trash, temos esses dois irmãos que não podem viver em uma sociedade “normal”.  Duane que tenta ter uma vida comum, mesmo separado fisicamente do irmão, sempre está preso a ele de alguma forma. Vivendo dentro da cesta é impossível não catalogá-lo como o monstro da história, por mais que também o filme equilibre a empatia pela criatura ao mesmo tempo em que sabemos que a ideia de vingança assassinando os médicos esteja errada. 



Como em um bom filme trash, os efeitos especiais da criatura do cesto contaram com um fantoche para dar vida ao irmão de Duane e efeitos em stop motion para dar movimentos no chão, já que não seria possível fazer isso com alguém manipulando o boneco.

Com sucesso de crítica, principalmente nos EUA, O Mistério do Cesto é reconhecido e reconhece-se como um filme trash, bizarro e absurdo. Mas que ao mesmo tempo diverte sem pretensão nenhuma.

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