Você pode não conhecer a A24, mas com certeza já ouviu falar e/ou assistiu a algum filme produzido ou distribuído por esse estúdio norte-americano. Fundado em 2012 por Daniel Katz, David Fenkel e John Dodges (que saiu nesse ano), sua sede fica em Nova Iorque. O caso é que a A24 tem se tornado de dois ou três anos pra cá, sinônimo de filmes de qualidade. A empresa está em envolvida em filmes como O Quarto de Jack (Room, 2016), Ex_Machina: Instinto Artificial (Ex Machina, 2014), Lady Bird: A Hora de Voar (Lady Bird, 2017) e Moonlight: Sob a Luz do Luar (Moonlight, 2016), primeiro filme produzido pelo estúdio.
Talvez o que mais tenha chamado a atenção são as produções do gênero do terror, tendo A Bruxa (The Witch, 2015) com o mais falado e conhecido do grande público. A bola da vez é o longa Hereditário (Hereditary, 2018), primeiro longa metragem escrito e dirigido por Ari Aster, que já realizou alguns curtas-metragens de comédia e até com temas polêmicos, como The Strange Thing About the Johnsons (2011), que fala sobre abuso sexual praticado pelo filho contra o pai. Sim, isso mesmo.
Fica claro como Aster gosta de falar sobre relacionamentos, especialmente os familiares, em seus trabalhos, e com Hereditário não é diferente. Seja fazendo uma comédia ou um filme de terror, o melodrama parece ser uma característica do cineasta, que consegue construir personagens densos e interessantes.
No filme, acompanhamos a história da família Graham, que após a morte de Ellen, mãe de Annie (Toni Collette), começa aos poucos a vivenciar situações incômodas, em especial Charlie (Milly Shapiro) que sempre foi muito apegada a matriarca da família. Depois de um acontecimento que assola ainda mais os Graham, tudo começa a desmoronar e coisas perturbadoras e segredos sinistros são revelados.

O longa se esforça para agradar a todos os tipos de espectador que gosta do gênero de terror. Temos elementos perturbadores, alguns sustos e uma boa história. Infelizmente houve quem reclamasse do ritmo arrastado do filme, além da nota D+ no site CinemaScore, que busca justamente fazer uma pesquisa com o público com relação a filmes lançados. Mesmo tentando agradar a todos, é impossível negar a maior característica de Hereditário que acaba sendo justamente a de um “filme de arte”. Sendo assim, infelizmente isso acaba sendo uma frustração para alguns espectadores que estão (mal) acostumados com obras que apresentam fórmulas mais desgastadas e que de certa forma, caem facilmente no gosto de um público menos exigente. Ainda acho que as pessoas poderiam dar mais chances a filmes assim, que se mostram capazes e conseguem se destacar em meio a tantas produções genéricas.
Dificilmente um filme de terror consegue explorar bem seus personagens, já que uma grande maioria dos filmes desse gênero, acaba usando as pessoas como peças para os acontecimentos horríficos que irão se desenvolver na tela. Ari Aster chegou a dizer em entrevista que o corte original do longa era de três horas, mas que reduziu tudo para duas horas e sete minutos, que é o corte final que está nos cinemas.

Desenvolver personagens leva tempo e não estamos diante de um filme de terror comum que aprofunda um pouco mais o psicológico do protagonista, deixando os outros personagens apenas como iscas para os antagonistas. Estamos diante (também) de um drama familiar, com assuntos não ditos entre seus integrantes, traumas, medos e toda uma estrutura complexa que compõe a psicologia desses personagens, coisa que é bem difícil de se ver em um filme de terror, e que aqui é feito com maestria por Aster. Mesmo com o uso de cenas expositivas, que servem para os personagens dizerem coisas que o espectador não está ciente, tudo é feito dentro de um contexto que não faz com que esses diálogos fiquem gratuitos.
Mesmo com o elemento sobrenatural fortemente presente no filme, essa alegoria como apontada por muitas pessoas, parece representar as doenças psíquicas que podem ser de fato hereditárias. Mas talvez, mais do que isso, estamos diante de uma família condenada ao trágico, sendo esse elemento presente nas raízes da árvore genealógica dos Graham. É como se o filme mostrasse que nem sempre podemos dominar uma situação e ela simplesmente pode sair dos trilhos sem que possamos fazer absolutamente nada para evitar que isso aconteça. Assustador? Sim. E por isso esse filme também seja classificado como um filme de terror.
Se Annie com suas miniaturas (a personagem trabalha fazendo miniaturas por encomenda) às vezes parece estar no controle da situação ao recriar até os acontecimentos em sua família nas maquetes, a fotografia de Hereditário faz uso de planos bem abertos que mostram os tetos dos cômodos da casa, como se aquela família fosse na verdade os reais bonecos presos ali, sem chance alguma de escapar de seus destinos. Não é atoa que a primeira cena em que mostra o marido de Annie acordando seu filho, Peter (Alex Wolff), ocorre justamente dentro de uma das casas em miniatura feita pela mulher.


Destaque para Toni Collette e Alex Wolff que são grandes responsáveis por cenas perturbadoras no ponto certo. Eles ainda conseguem dosar de forma magistral o drama e a histeria que consomem e desgastam seus personagens, sem nunca cair em um comportamento caricato.
Hereditário é um filme de terror visceral, mas que ao mesmo tempo conquista o espectador com um bom drama, personagens fortes e bem construídos, fazendo dessa obra uma das melhores do ano. Terror inteligente e que fica com o espectador durante dias após ser visto, tanto por seu lado perturbador, quanto pela reflexão que ele causa. Isso só aumenta as chances do longa ser um futuro clássico do cinema de terror com o passar dos anos.
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