quarta-feira, 30 de maio de 2018

Um Lugar Silencioso


Com boa premissa, filme promete um show de suspense e tensão

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Muito elogiado pela crítica, que já o considera um dos melhores filmes de terror do ano até o momento, Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018) chamou a atenção de ninguém menos que Stephen King. O escritor elogiou a atuação e a fotografia do longa, acrescentando ao dizer que o filme “é um trabalho extraordinário”. Algo também apontado por King foi o silêncio. Sim, boa parte desse sucesso se deve a premissa curiosa e desafiadora envolvendo o som como algo ameaçador.

Em um universo pós-apocalíptico, o casal Lee Abbott (John Krasinski, que também dirige o filme) e  Evelyn Abbott (Emily Blunt) vivem numa fazenda do interior dos EUA com os filhos Marcus (Noah Jupe),  Beau (Cade Woodward) e a filha Regan (Millicent Simmonds), que é deficiente auditiva. O ano é 2020 e elementos vão aos poucos revelando que possivelmente alguma invasão alienígena dizimou uma grande parte da humanidade, restando poucos sobreviventes. As criaturas que agora vivem na Terra, são cegas, mas apresentam uma audição extremamente apurada, fazendo com que qualquer som emitido por algo ou por alguém, chame a atenção delas e inicie uma caçada fatal até a pessoa ou coisa que tenha gerado o ruído.



O grande trunfo de Um Lugar Silencioso está na sua capacidade de exercitar o gênero do suspense de forma muito eficaz ao manter o espectador sempre alerta. Não o bastante, ainda tem o terror que está bem equilibrado junto com esse suspense e a tensão. Lembrando que falamos do real suspense, aquele que nos fornece informações importantes na história e que mais para frente trarão conflitos para os personagens, porém os mesmos não estão cientes disso. Cito isso porque é comum uma confusão com a surpresa, que é quando o espectador é pego de surpresa junto com o personagem. Isso também está presente no filme, principalmente com alguns jump scares, mas que são facilmente perdoados quando fazemos um balanço do longa como um todo. 

Algo que seria impossível não comentar, é o poder do som (e de sua falta) no filme. Com a sinopse citada acima, o roteiro coloca o espectador em alerta constante. Um som diegético (aquele que faz parte da cena) como uma música romântica ouvida por Evelyn enquanto usa fone de ouvido, passa a ser ouvidos por nós no momento em que ela coloca os fones em Lee. A cena marca a sintonia e o amor entre o casal (e consequentemente nossa empatia), que dança enquanto ouve a canção. Já a música extra-diegética (que é aquela que apenas nós ouvimos) aparece pontuando os momentos certos, principalmente os de perigo eminente, como se nesse instante a música que ao mesmo tempo em que cria a tensão para cena, reforça a presença das criaturas.

Ficamos em uma zona mais ou menos confortável quando tudo está em silêncio e nos assustamos com um barulho que potencializa nosso temor e consequentemente nossa preocupação com os personagens quando sabemos que o ruído irá implicar na aparição dos monstros. 



Falando em personagens, a química entre os atores é muito boa e facilmente abraçamos essa família e torcemos por cada um deles. Com tanto foco nas ações e na sobrevivência, ainda há espaço para um bom desenvolvimento desses personagens. Depois de um incidente que ocorre logo no início do filme, mas que não será revelado aqui, cria-se uma culpa em Regan e consequentemente faz com que seu pai, Lee, evite que a menina saia de casa para evitar que algo ocorra até com ela mesma. Mesmo se mostrando bem madura e disposta a enfrentar qualquer coisa, Lee não escuta a menina. Cabe então a Marcus acompanhar o pai pela mata até o rio para pegar peixe e ao mesmo tempo ficar exposto a qualquer deslize que possa pôr em risco sua vida. Claro que essas questões, logo serão resolvidas ao longo do filme, com direito a cenas bem emocionantes e que também falam de questões como a proteção dos filhos e como os pais se esforçam para garanti-la.

É mesmo muito louvável o trabalho de Krasinski no filme, que além de atuar e dirigir, foi um dos roteiristas e o produtor executivo. O domínio tanto do roteiro quanto da direção, tem tudo para prometer outros trabalhos também significativos. O cineasta que curiosamente não cresceu vendo filmes de terror, disse que longas recentes como Corra (2017) e O Homem nas Trevas (2016), estavam inclusos em suas pesquisas enquanto se preparava para o seu filme. Kransinski citou Um Lugar Silencioso como metáfora para a paternidade e até mesmo a atual situação política dos EUA, dizendo que “podemos enfiar a cabeça em um buraco ou tentar se envolver no que está acontecendo”. Seguindo essa linha de pensamento, o longa serviria até para nosso atual momento na política, não é mesmo? Mas também pode-se refletir, pensando agora na paternidade, o preparo que os pai dão aos filhos para que eles enfrentem a vida. Será que ficar no silêncio e evitar constantemente o som (que pode ser visto como os conflitos da vida), é algo que fortalece as pessoas e as prepara para enfrentar o mundo?

Um Lugar Silencioso tem tudo para entrar na lista dos filmes de terror que nos últimos anos têm se destacado, seja pela crítica social mais latente ou simplesmente pelo domínio de direção e de roteiro, que consegue dar novas e boas possibilidades de se fazer algo que ofereça um frescor para o público, principalmente depois de praticamente tudo já ter sido feito. 



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