Com um trabalho concentrado mais na edição de filmes, como Vermelho Russo (2016), dirigido por Charly Braun, Caroline Leone já havia dirigido dois curtas-metragens: Dalva (2004) e Joyce (2006). Leone agora roteirizou e dirigiu seu primeiro longa-metragem, Pela Janela (2017), numa coprodução Brasil e Argentina, cuja ideia para o roteiro surgiu depois de uma viagem para Buenos Aires e uma longa conversa, já de volta ao Brasil, com uma senhora que havia ido pela primeira vez ao país.

Exibido em diversos festivais nacionais (como o de Gramado) e internacionais, o longa foi bem elogiado pela crítica. Introvertido, mas sem deixar de conseguir nossa empatia, a história gira em torno de Rosália (Magali Biff), uma senhora de 65 anos que trabalha em uma fábrica de reatores em São Paulo há 30 anos, mas que de repente é despedida e substituída por um homem mais jovem. José (Cacá Amaral), irmão de Rosália, precisa levar o carro de seu patrão de volta para a Argentina e resolve levar junto sua irmã para que ela se distraia com o passeio.
O primeiro ato é dedicado a uma boa apresentação da rotina da protagonista. A vemos logo de cara em seu trabalho, almoçando, chegando em casa e realizando tarefas domésticas, como lavar roupa e preparar o jantar. A câmera alterna entre a aproximação da personagem e um afastamento da mesma, como se já marcasse o fato de estarmos acompanhando a história pessoal dessa mulher, porém através de um viés mais introspectivo.
Pela Janela não promete ser um filme cheio de acontecimentos e com diversos personagens que irão interagir com a protagonista de forma direta, a fim de provocar grandes transformações. E ainda bem, já que no filme acompanhamos Rosália durante sua viagem para a Argentina, através de uma ótica que por mais que pareça não haver um compartilhamento de seus sentimentos com o público, alegorias visuais e atos sutis são o bastante para compreendermos que a personagem não sairá do país da mesma forma como entrou.

A estrada e a água são dois desses principais elementos que estão presentes no filme e que são responsáveis por essas alegorias. Diversas vezes uma câmera subjetiva percorre a estrada durante a viagem. Se no início a estrada fica para trás, depois passamos a vê-la adiante, conforme um carro que segue seu percurso sempre adiante. Com poucas palavras, a protagonista apenas contempla a vista junto conosco, em uma sequência que de fato não precisaria de diálogos.
Já a água é a responsável por “lavar” Rosália. Seja na imagem dela caindo no para-brisas do carro que está sendo lavado, ou quando de fato ela toca o rosto da mulher. Isso ocorre quando José leva a personagem para conhecer as Cataratas do Iguaçu, numa cena que não tem pressa ao explorar o contato da protagonista com a água que molha seu rosto. Uma resistência inicial de Rosália de se aproximar das quedas de água, é facilmente entendida como mais uma metáfora sobre o medo do “depois”, como por exemplo o medo de voltar para o Brasil e consequentemente sua vida agora sem emprego. Porém o medo é deixado de lado e a mulher se permite deixar que a água toque seu rosto, num momento singelo, mas ao mesmo tempo cheio de significado.

Quando chega finalmente na cidade, começa de fato o momento de se comunicar. Ou de pelo menos tentar. Sem dominar espanhol, Rosália conversa com as pessoas que cruzam seu caminho, falando seu próprio idioma enquanto as pessoas falam em espanhol. O que pode parecer algo desconfortável, ganha aqui um significado completamente diferente. A troca de olhares, os sorrisos e a abertura para viver essa experiência e conhecer outras pessoas e outra cultura, mesmo que possivelmente sem uma consciência da protagonista, imprimem uma naturalidade tão absurda, que dispensam uma compreensão plena do que está sendo dito. A personagem apenas vive essa experiência nova, mesmo que mantendo sua introversão e sem muito menos dar detalhes sobre seus problemas para as pessoas.
Sem nos prometer nada relacionado ao que acontecerá com a personagem na volta para o Brasil, Pela Janela deixa sua mensagem através da sutileza com que retrata a vida dessa mulher que precisará se acostumar a essa nova fase de sua vida. Como Rosário irá enfrentar tudo isso, não sabemos, mas estamos certos de que sua viagem não foi em vão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário