segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Ainda precisamos falar sobre Os 13 Porquês

Thirteen Reasons Why o Livro e a Série para além das polêmicas e suas críticas sociais 


A série “13 reasons why”, Os 13 Porquês, aqui no brasil lançada no final de março desse ano 2017 pela Netflix, gerou muita polêmica e burburinho na internet, despertando tanto curiosidade, como debates acalorados a respeito de suicídio, tema ainda considerado um tabu em nossa sociedade, e sem muito espaço para debates mais aprofundados, principalmente entre os jovens. A série é baseada no livro homônimo escrito por Jay Asher, e antes de virar atração seriada de forte repercussão, o livro já era um best-seller. 



O blog simulacro chega um pouco atrasado para a discussão a respeito da série e do livro, porém nunca é tarde para discutirmos sobre séries e livros. Então lá vai uma breve análise crítica sobre ambos. Vamos tentar discutir a respeito do livro e da série em um artigo único, comparando os dois, mesmo que isso seja um tanto complicado, já que se tratem de mídias diferentes, no entanto, vale a comparação aqui, para refletirmos um pouco sobre a narrativa contida em Os 13 Porquês.


Partindo da premissa principal do livro, temos uma narrativa um tanto peculiar, já que a história é narrada em primeira pessoa, porém são dois narradores, o principal e protagonista da história, o adolescente de 17 anos Clay Jensen, que alguns dias depois da trágica morte por suicídio, de uma garota de sua escola, recebe uma caixa de sapatos com 13 fitas k7, nas quais continham os relatos da própria Hannah Baker, a garota que havia tirado a própria vida, o que estava mexendo com a vida escolar de todos, e afetando ainda mais a Clay, que sempre foi apaixonado pela garota, mas nunca teve a coragem de se declarar.

A história tem um segundo narrador, que é a própria Hannah Baker, que assume o controle da narrativa e evidencia a partir de seu ponto de vista o que a levou a cometer o suicídio.

Ok temos outros livros com mais de um narrador em primeira pessoa na história da literatura, e também temos livros com relatos de fitas k7, fitas de vídeo, cartas e outras formas de relatos, e partindo dessa afirmação Os 13 Porquês, não teria nada de inovador. Porém não devemos parar por ai, pois esse formato da a história cria uma dramaticidade e um ritmo que prende o leitor a se aprofundar mais na história. Começamos a leitura sabendo que Hannah Baker está morta, mas precisamos saber o porquê, e ter a sensação de ouvir as fitas com Clay nos motiva a seguir a leitura.

Essa forma de narrativa adotada por Asher, ajuda a criar um clima de suspense, mesmo sendo obvio o que aconteceu no final. Acompanhar a jornada de Clay Jansen nos coloca quase que em sua posição, temos uma narrativa intensa, em que o garoto nos conta sua versão dos fatos enquanto ouve as versões de Hannah.

O livro não se aprofunda muito na construção dos personagens, nem mesmo dos protagonistas, chegando a ser um tanto poético em alguns trechos, sem deixar nada muito bem resolvido ou acabado. Vamos descobrindo aos poucos que Hannah Baker sofria bullying na escola onde estudava, e as coisas vão se agravando, até se tornarem insuportáveis.

A série Os 13 Porquês, tenta aproveitar algumas das lacunas deixadas pelo livro, aprofundando-se mais na história dos personagens. Ouvimos sempre dizer que quando um livro é adaptado para um filme ou série, ele acaba perdendo um pouco de sua história, porém aqui o caso é bem o contrário, a série acaba indo muito mais além do que o livro apresenta, o que por um lado é interessante, ainda mais quando se trata de fãs ávidos por mais das histórias que já conhecem e amam, como é o caso dessa geração pós moderna que costuma consumir um mesmo conteúdo exaustivamente em diversas plataformas, e também se levarmos em consideração que o livro é bem pouco descritivo, e nos deixa abertos muitas interpretações.

Mas isso também pode ser interpretado como uma forma de tentar explorar além da conta um determinado conteúdo. Como por exemplo, no livro os adultos mal aparecem e quase toda a história se desenrola em uma noite de angustia, enquanto Clay Jansen ouve as fitas de Hannah Baker, atordoado, e sem poder fazer nada para reverter uma situação já definida, mesmo que amasse a garota, infelizmente havia perdido sua oportunidade de demonstrar enquanto ela ainda estava viva. Provavelmente esse seria o tema principal do livro, o amor impossível e a perca de oportunidades de se declarar. Temos a faceta de uma jovem angustiada que se revela em suas 13 fitas k7s, tentando fazer justiça a si própria, já que ninguém fizera por ela, o que beira a quase uma tentativa de vingança, movida pelo desejo de que todos na escola que a maltrataram de várias formas ficassem cientes do mal que a causaram.

Na série as coisas se desenrolam com um tempo mais lento, temos o mesmo formato de contato com a história, vamos descobrindo junto com o protagonista por que seu nome estava em uma dessas fitas, e cada um dos treze motivos que levaram Hannah Baker a cometer suicídio. Porém enquanto Clay ouve as fitas acompanhamos também a repercussão que as fitas já haviam causado ao serem ouvidas pelas outras pessoas que tinham seus nomes na lista dos 13 porquês de Hannah.  O seriado elabora um personagem para cada porquê, dando algum sentido para as atitudes tomadas pelos garotos que estudavam com Hannah, já que no livro temos apenas breves descrições de cada um, e relatos do que fizeram.

O livro apresenta a história quase que apenas pelas fitas deixadas por Hannah Baker, temos basicamente apenas o seu lado da história, vemos atletas, lideres de torcidas populares sendo cruéis com uma garota novata e insegura de mais para reagir a insumos e boatos que inventaram a seu respeito.

A série da um rosto para  Justin Foley, Alex Standall, Jessica Davis, Tyler Down, Courtney Crimsen, Marcus Cooley, Zach Dempsey, Ryan Shaver, Sheri Holland, Bryce Walker e a senhor Portter.  Todos esses personagens ganham vida de fato, cada um ganha uma história também, e num geral todos tem dramas com famílias disfuncional, ou sofrem com pressões da vida escolar e da sociedade, o que no final das contas, torna tudo muito próximo de todos, e de fácil identificação pelo público em geral. Mas também ajuda a compor o perfil de personagens agressivos.



O formato série tenta explorar mais as relações sociais como a essência de problemas como a violência entre os jovens, o bullying e também o suicídio. O que foi uma sacada até bem lógica e funcional para o formato, já que a história teria que ser aprofundada para ser contada ao longo dos treze episódios.

Como fenômeno social o que a série tenta passar acredito que seja o que vale a pena para assisti-la, e discutimos sim sobre ela, é sempre necessário discutirmos como nos comportamos e como isso afeta de forma direta os outro. O que na época do lançamento da série na Netflix foi pouco ou nada discutido, já que as polêmicas puxaram todos os assuntos para o fato de se podemos ou não falarmos sobre suicídio. E hoje alguns meses depois assistindo a série com olhar critico percebo que a proposta de discussão aqui poderia ser mais rica, como por exemplo toda vez que se fala em Bullying e em depressão as pessoas fogem e são pouco abertas ao debate, e na maioria das vezes fazem vista grossa para o que acontece.

Estamos acostumados com um formato de escola e de sociedade que tenta colocar todos em um molde, esquecendo que cada um é único, e pode encarar a vida de muitas formas diferentes. O embate entre os jovens na escola mostrado na série poderia facilmente levantar uma questão que passou batida, simplesmente pelo fato que estamos acostumados a tratar as pessoas ao nosso redor mal, acreditando que está tudo bem e que não estamos ferindo ninguém, somos uma sociedade egoísta e hipócrita que varremos nossos podres e segredos para baixo do tapete, sempre que necessário, mesmo que isso possa atrapalhar a vida de alguém. Criamos nossos filhos para esse sistema, de ser forte a todo custo, de ser um vencedor a todo custo, mesmo que isso custe a vida dos outros, ou seja apenas uma métrica imposta por uma sociedade falsamente moralista. Naturalizamos o sofrimento alheio para aliviarmos nossas consciências e tentamos nos defender encontrando o defeito dos outro.

Parece algo assustador para se escrever ou dizer, mas essa é a verdade, todos somos agredidos todos os dias, e seguimos adiante  é fácil perceber o quanto somos hostis uns com os outro apenas dando uma passada de olho nas time lines das nossas redes sociais. Mas quando temos a oportunidade de discutimos sobre nossa cultura de invisibilizar o outro, tomamos atitudes parecidas com a dos garotos que se escondem de medo das responsabilidades na série, viramos para alguém e dizemos apenas, “A essa série é muito polêmica”, ou “Não deveriam ficar falando de suicídio com os jovens, isso é incentivar”, ou ouvimos coisas piores como o que é falado na série: "que a garota que se matou fez o que fez para chamar a atenção".

Talvez falar sobre suicídio seja ainda um tabu porque isso exija que paremos para pensar e refletir, o que a muito a nossa sociedade não faz, saímos falando ou escrevendo antes de pensar nas consequências, e quando se trata de assumirmos responsabilidades, somos ainda piores.

A série tratou o assunto com delicadeza sem romantizar a situação, o que é muito bom para a discussão saudável de assuntos polêmicos. Outra questão levantada para a série é com relação a fragilidade da mulher na sociedade, e de como ainda hoje cuidar de uma reputação impecável é muito importante principalmente para mulheres, e que boatos inventados por garotos para construir sua gloria humilhando publicamente uma garota ainda é prática considerada normal, um fato que as meninas deveriam levar com naturalidade, um aspecto que foi pouco falado na época de lançamento da série, mas que deveria ser discutido com atenção.

Tanto na leitura do livro quanto assistindo a série me veio fortemente a cabeça um outro livro chamado “Nada” da escritora  Janne Teller, que recomendo fortemente, principalmente se você assistiu a série e leu o livro. Em "Nada" temos uma turma de estudante ainda mais jovem que ao se deparem com um aluno que se recusa descer de uma arvore por acreditar que a vida não fazia sentido, começam a fazer de tudo para provar ao garoto o verdadeiro valor da vida, porém essa tentativa dos meninos vai aos poucos os consumindo, chegando a extremos que eles não previam.


A série acabou se aproximando ainda mais desse sentido apresentado no livro “Nada”, ao mostrar o embate dos estudantes com suas responsabilidades, consciência e desejos.

O filme “A Mentira” de Will Gluck (2010), trabalha com tema semelhante, ao abordar a vida de uma colegial, que vitima de boatos a seu respeito acaba perdendo o respeito dos garotos da escola se tornando excluída e desprezada até mesmo pelas garotas.  Nesse caso temos um filme mais leve onde tudo acaba se resolvendo bem, mas ainda assim percebemos o quanto é difícil se afirmar socialmente e o quanto os adultos que poderiam ajudar, por vezes acabam se ausentando dessas situações, pois levam tudo com naturalidade, como uma fase, sem esperarem que algo pode realmente dar errado seriamente.



A série acaba colocando os pais das personagens na história, nos comovemos com o sofrimento dos pais de Hannah Baker, o que ajuda a passar uma mensagem de conscientização a pessoas que possam estar enfrentando os mesmos problema que Hannah passou na série, mostrando um caminho que poderiam tentar se abrindo com os pais, ou pessoas que possam oferecer algum tipo de ajuda, antes de chegar a decisões extremas.  

No livro essa ideia se dá pela possibilidade que Hannah teria se tivesse conseguido falar com o Clay. Ou seja nenhum dos dois aborda o suicídio como saída para problemas, e sim nos coloca na perspectiva de possibilidades que ficam em aberto se não tentarmos. E ainda nos alerta para a deficiência que temos em ajudar pessoas que são vitimas de violência, ou que sejam de grupos de risco.

Os 13 porquês deve ser visto, ou lido por uns treze porquês diferentes, mas talvez um dos mais importantes seja para podermos olhar para nós mesmos, e pensar porque ainda não somos uma sociedade capaz de funcionar bem para todos.   

Tecnicamente a série é boa, conta com uma trilha sonora forte com músicas que ajudam a compor muito bem todas as situações, temos cenas fortes e complicadas defendidas com mérito para o elenco, destaque para a protagonista Hannah Baker vivida pela atriz katherine langford.



A fotografia  é muito bonita, e ajudam a dar um ritmo fluido e sentimental a narrativa a série. Um  aspecto da montagem é que ela se aproxima do suspense e por vezes se aproxima dos thrillers para jovens que fizeram muito sucessos no final dos anos 1990 e inicio dos anos 2000, como a série "Pânico"(1996), e "Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado" (1997).

Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado 

talvez a maior falha da série tenha sido estender de mais a história, ainda que para sua pretensão de aprofundar os personagens  funcione, porém soou um pouco exagerado, ainda mais pensando em uma possível sequência, o que já sabemos que acontecerá, e nesse caso a série rompe completamente com o livro, já que tudo que poderia ser adaptado do livro já foi na primeira temporada, por isso os roteiristas terão muito trabalho, para não perderem a mão. 


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