Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo
O absurdo e o distópico como forma de explorar as relações humanas
Nascido em Atenas, na
Grécia, Yorgos Lanthimos estudou direção de cinema e Tv na Escola de Cinema
Stavrakos em Atenas. Dirigiu diversos comerciais de Tv, videoclipes, curtas e peças
de teatro. Seu primeiro longa-metragem foi “Kinetta”, que foi exibido por
festivais em Toronto e Berlim. “Dente Canino” foi mais aclamado e venceu o
prêmio Um Certain Regard em Cannes em 2009, além de ter concorrido ao Oscar de
Melhor Filme Estrangeiro em 2011. Seu mais recente filme, “The Killing of a Sacred Deer”, venceu o prêmio de
Melhor Roteiro no Festival de Cannes deste ano. O cinema de Yorgos tem como uma
das principais características a representação de situações absurdas que
envolvem as vidas de seus personagens, como forma de criticar normas sociais,
seus valores e costumes.
“O Lagosta”, filme que
antecede “The Killing of a Sacred Deer”, é um interessante estudo do
funcionamento das relações amorosas de forma satírica, enquanto mantém um humor
mais seco, longe de um tom excessivamente cômico. Pelo contrário, seu
personagem principal se encontram em uma distopia em que dois principais grupos
extremamente radicais, ditam normas e regras de relacionamento.
Nesse mundo distópico, onde
há uma exigência para que as pessoas estejam sempre acompanhadas e em um
relacionamento estável, David (Colin Farrell) foi recentemente deixado por sua
esposa, que decidiu trocá-lo por outro. Ele então resolve se hospedar em um
hotel onde terá 45 dias para conhecer alguém e se relacionar, caso contrário,
se transformará em uma lagosta, animal escolhido pelo personagem. Esse universo
parece fazer nada mais do que uma sátira à cobrança de que nunca devemos estar
só e até explorar a ideia de fácil apego e dependência entre as pessoas.
O hotel possui uma porção de regras bizarras que reforçam mais ainda a
crítica que é feita. É proibido por exemplo a masturbação, que é trocada por
estímulos sexuais provocados pelas próprias
camareiras do hotel. Os hóspedes assistem palestras que dramatizam situações
que exaltam a importância de se estar sempre com alguém, como por exemplo um
homem jantando só, simula um engasgo e acaba morrendo. O mesmo homem em
seguida, simula a mesma situação, mas dessa vez acompanhado. O resultado, claro
é sua vida sendo salva.
A fotografia acinzentada
se estende para o céu que carrega sempre a mesma cor, e mesmo quando temos uma
cor dourada e alguma luz mais quente, como no salão de festas, temos o
contraste de tudo isso com as roupas iguais dos hóspedes. Mulheres usam o mesmo
vestido e os homens o mesmo terno. O longa traz a imagem de uma sociedade
burguesa através de seus hóspedes, em que a elegância se contrapõe com um mundo
mais mecânico e frio.
Isso tudo é concebido
através de um humor seco que beira ao dead
pan. O termo para quem não conhece, surgiu com o início dos vaudevilles e
teve o comediante, diretor e ator Buster Keaton como um dos principais artistas
a difundir esse tipo de comédia. O deadpan
consiste em manter o rosto inexpressivo durante situações cômicas para que
o contraste possa ter um efeito maior. No longa isso está de pleno acordo com o
contexto do universo criado porque temos essa distopia em que as pessoas
parecem viver dentro de um conformismo que as obriga a seguir essas regras de
comportamento.
Mais conveniências sociais dentro dos relacionamentos são retratadas no
roteiro quando David conhece alguns colegas no hotel. John é um homem que por
conta de um acidente, acabou tendo um problema na perna que o faz mancar, e
Robert é um homem que sofre de sigmatismo, popularmente conhecido como “língua
presa”. Os personagens procuram por mulheres que tenham essas mesmas
características que eles. Destaque para a cena em que John diz que sua mãe foi
trocada por uma mulher com pós-graduação, sendo que ela é “apenas” graduada e
isso foi motivo de ser deixada por seu pai. Essas situações estranhas são
justamente o que faz o filme ser tão interessante, já que Yorgos não se
preocupa em usar o ridículo de forma inteligente e crítica para representar
como as pessoas às vezes podem ser
tão exigentes com as outras, fazendo dos relacionamentos verdadeiras
entrevistas de emprego.
Eis que o espectador se
depara com o outro lado desse mundo: os solteiros que são contra qualquer
relação. Esse grupo é retratado no filme como pessoas marginalizadas que
precisam viver em uma floresta onde são caçados como animais pelos próprios
hóspedes do hotel para serem transformados animais, mesmo porque, a cada
solteiro caçado, o hóspede ganha um dia a mais no prazo para conhecer alguém no
hotel. Mesmo colocando os solteiros como vítima, o roteiro não poupa criticar
também o radicalismo de algumas pessoas que preferem ficar sozinhas e se
afastarem do mundo e das pessoas, por conta talvez da falta de esperança na
humanidade.
Na floresta onde eles vivem, está proibido
qualquer envolvimento entre eles, com direito a penalidades graves e violentas.
Eles dançam música eletrônica porque é melhor para dançar só, não ajudam uns
aos outros e qualquer demonstração de afeto pode ser perigosa. O lugar é
comandado por uma líder (Léa Seydoux) e tem entre seus seguidores, uma mulher
míope interpretada por Rachel Weisz.
Quando o romance de David
com a mulher míope se inicia, a narrativa coloca o protagonista em um dilema, já
que as convenções sociais estão sempre presentes e fazendo com que as pessoas
muitas vezes anulem sua própria identidade para se igualar a outra e assim
fazer com que a relação dê certo. “O Lagosta” consegue com um humor ácido,
retratar o radicalismo de pontos de vista das relações diante de um mundo
pós-moderno, a perda de identidade para ser aceito pelo outro e uma possível
esperança de derrubar um sistema para poder viver aquilo que é mais verdadeiro
e da nossa própria essência.
Nenhum comentário:
Postar um comentário