sábado, 11 de novembro de 2017

O Lagosta

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

O absurdo e o distópico como forma de explorar as relações humanas

Nascido em Atenas, na Grécia, Yorgos Lanthimos estudou direção de cinema e Tv na Escola de Cinema Stavrakos em Atenas. Dirigiu diversos comerciais de Tv, videoclipes, curtas e peças de teatro. Seu primeiro longa-metragem foi “Kinetta”, que foi exibido por festivais em Toronto e Berlim. “Dente Canino” foi mais aclamado e venceu o prêmio Um Certain Regard em Cannes em 2009, além de ter concorrido ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2011. Seu mais recente filme, “The Killing of a Sacred Deer”, venceu o prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes deste ano. O cinema de Yorgos tem como uma das principais características a representação de situações absurdas que envolvem as vidas de seus personagens, como forma de criticar normas sociais, seus valores e costumes.

“O Lagosta”, filme que antecede “The Killing of a Sacred Deer”, é um interessante estudo do funcionamento das relações amorosas de forma satírica, enquanto mantém um humor mais seco, longe de um tom excessivamente cômico. Pelo contrário, seu personagem principal se encontram em uma distopia em que dois principais grupos extremamente radicais, ditam normas e regras de relacionamento.


Nesse mundo distópico, onde há uma exigência para que as pessoas estejam sempre acompanhadas e em um relacionamento estável, David (Colin Farrell) foi recentemente deixado por sua esposa, que decidiu trocá-lo por outro. Ele então resolve se hospedar em um hotel onde terá 45 dias para conhecer alguém e se relacionar, caso contrário, se transformará em uma lagosta, animal escolhido pelo personagem. Esse universo parece fazer nada mais do que uma sátira à cobrança de que nunca devemos estar só e até explorar a ideia de fácil apego e dependência entre as pessoas.


O hotel possui uma porção de regras bizarras que reforçam mais ainda a crítica que é feita. É proibido por exemplo a masturbação, que é trocada por estímulos sexuais provocados pelas próprias camareiras do hotel. Os hóspedes assistem palestras que dramatizam situações que exaltam a importância de se estar sempre com alguém, como por exemplo um homem jantando só, simula um engasgo e acaba morrendo. O mesmo homem em seguida, simula a mesma situação, mas dessa vez acompanhado. O resultado, claro é sua vida sendo salva. 

A fotografia acinzentada se estende para o céu que carrega sempre a mesma cor, e mesmo quando temos uma cor dourada e alguma luz mais quente, como no salão de festas, temos o contraste de tudo isso com as roupas iguais dos hóspedes. Mulheres usam o mesmo vestido e os homens o mesmo terno. O longa traz a imagem de uma sociedade burguesa através de seus hóspedes, em que a elegância se contrapõe com um mundo mais mecânico e frio. 

Isso tudo é concebido através de um humor seco que beira ao dead pan. O termo para quem não conhece, surgiu com o início dos vaudevilles e teve o comediante, diretor e ator Buster Keaton como um dos principais artistas a difundir esse tipo de comédia. O deadpan consiste em manter o rosto inexpressivo durante situações cômicas para que o contraste possa ter um efeito maior. No longa isso está de pleno acordo com o contexto do universo criado porque temos essa distopia em que as pessoas parecem viver dentro de um conformismo que as obriga a seguir essas regras de comportamento.


Mais conveniências sociais dentro dos relacionamentos são retratadas no roteiro quando David conhece alguns colegas no hotel. John é um homem que por conta de um acidente, acabou tendo um problema na perna que o faz mancar, e Robert é um homem que sofre de sigmatismo, popularmente conhecido como “língua presa”. Os personagens procuram por mulheres que tenham essas mesmas características que eles. Destaque para a cena em que John diz que sua mãe foi trocada por uma mulher com pós-graduação, sendo que ela é “apenas” graduada e isso foi motivo de ser deixada por seu pai. Essas situações estranhas são justamente o que faz o filme ser tão interessante, já que Yorgos não se preocupa em usar o ridículo de forma inteligente e crítica para representar como as pessoas às vezes podem ser tão exigentes com as outras, fazendo dos relacionamentos verdadeiras entrevistas de emprego.

Eis que o espectador se depara com o outro lado desse mundo: os solteiros que são contra qualquer relação. Esse grupo é retratado no filme como pessoas marginalizadas que precisam viver em uma floresta onde são caçados como animais pelos próprios hóspedes do hotel para serem transformados animais, mesmo porque, a cada solteiro caçado, o hóspede ganha um dia a mais no prazo para conhecer alguém no hotel. Mesmo colocando os solteiros como vítima, o roteiro não poupa criticar também o radicalismo de algumas pessoas que preferem ficar sozinhas e se afastarem do mundo e das pessoas, por conta talvez da falta de esperança na humanidade.

 Na floresta onde eles vivem, está proibido qualquer envolvimento entre eles, com direito a penalidades graves e violentas. Eles dançam música eletrônica porque é melhor para dançar só, não ajudam uns aos outros e qualquer demonstração de afeto pode ser perigosa. O lugar é comandado por uma líder (Léa Seydoux) e tem entre seus seguidores, uma mulher míope interpretada por Rachel Weisz.



Entre esses dois mundos extremistas, David que acaba se juntando aos solteiros depois de fracassar ao se envolver com uma mulher fria a calculista, conhece a mulher míope e ambos se sentem atraídos um pelo outro. O espectador tem uma esperança nessa relação que surge de forma natural e espontânea. Vale comentar que David, assim como seus colegas, tentou forçar ser o que não é para tentar se relacionar.


Quando o romance de David com a mulher míope se inicia, a narrativa coloca o protagonista em um dilema, já que as convenções sociais estão sempre presentes e fazendo com que as pessoas muitas vezes anulem sua própria identidade para se igualar a outra e assim fazer com que a relação dê certo. “O Lagosta” consegue com um humor ácido, retratar o radicalismo de pontos de vista das relações diante de um mundo pós-moderno, a perda de identidade para ser aceito pelo outro e uma possível esperança de derrubar um sistema para poder viver aquilo que é mais verdadeiro e da nossa própria essência.  

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