Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo
Conhecido
como “O Mestre do Suspense”, Alfred Hitchcock defendia a ideia de que não há o
elemento do suspense na surpresa, mas sim na antecipação do que pode ou não
acontecer. Presentear o espectador com uma informação enquanto seus personagens
não estão cientes da mesma, cria muito mais tensão do que a surpresa em si.
Rotulá-lo apenas como um mestre na arte de fazer suspense seria muito
superficial, uma vez que sua grande habilidade técnica a favor do visual de seus
filmes favorecia a narrativa e a destacava, muitas vezes com elementos nas
entrelinhas.
O
Próprio Hitchcock considerava o diálogo bem menos importante na narrativa,
acreditando que uma boa história pode ser bem contada com elementos visuais bem
construídos. Desde que as primeiras imagens projetadas pelo cinematógrafo dos
irmãos Lumière foram exibidas, o mundo nunca mais foi o mesmo: nascia o cinema.
A experiência adquirida por Hitchcock no cinema mudo tem forte influência na
sua linguagem, caracterizando assim seu estilo fortemente visual.
Após
ler uma revista corporativa, Hitchcock soube que a empresa Famous Players-Lasky
abriria uma filial em seu país e lá iniciaria a construção de estúdios e um
programa de produções. Quando começou a trabalhar na indústria cinematográfica,
Hitchcock escrevia e desenhava intertítulos para filmes em uma época em que o
cinema ainda era algo muito recente. Cinéfilo muito antes de seu primeiro
emprego, ele já acompanhava as pré-estreias dos filmes de Chaplin e Griffith
(sua grande influência), além de ler publicações profissionais sobre cinema.
Conforme as oportunidades foram surgindo, Hitchcock foi crescendo na indústria
cinematográfica e com isso surgiram os primeiros filmes dos quais assumiu a
direção. Mas foi em “O Inquilino” (seu terceiro filme) que o diretor nos mostra
uma forte característica do seu estilo: o apuro visual.
Uma
vez em que no cinema mudo o visual era o elemento chave na arte de contar
histórias e encantar plateias do mundo todo, Hitchcock mostrou que tinha
talento e sabia dominar esse cinema essencialmente feito apenas de imagens.
Esse apuro fortemente visual, continuou acompanhando o cineasta mesmo quando o
cinema falado se fez presente.
Considerado
pelo próprio Alfred Hitchcock como o primeiro filme que reúne os elementos que
compõem seu estilo, O Inquilino (The Lodger, 1927) conta a história de um
serial killer que está à solta em Londres
e que tem preferência por assassinar mulheres loiras. O longa é baseado no
romance de Belloc-Lowndes e na peça Who
Is He, co-escrita também por Lowndes.
Drew
(Ivor Novello) se hospeda na pensão do casal Bounting (Arthur Chesney e Marie
Ault). Eles são os pais de Daisy (June Tripp), uma jovem modelo que é paquerada por Joe (Malcolm Keen), um policial que busca pistas sobre o assassino. A
excentricidade de Drew e suas saídas durante a noite levantam suspeitas da dona
da pensão e de Joe, que suspeita que o novo inquilino seja o serial killer. No filme, Hitchcock
entrega uma obra de forte visual, técnicas inteligentes e várias simbologias.
Existe
uma cena em que Drew anda pelo quarto enquanto os outros personagens no andar
de baixo, escutam seus passos. Como representar isso no cinema mudo, sem a
utilização de intertítulos que expliquem através de diálogos, essa ação?
Hitchcock sabiamente faz uso de um piso de vidro (no qual Novello caminha por
ele) que nos sugere a noção do som dos passos do personagem.
Não
podemos deixar de mencionar também elementos na fotografia do filme que fazem
parte do expressionismo alemão, como o uso de sombras distorcidas na janela do
quarto da dona da pensão e os próprios intertítulos que apresentam fontes
variadas junto com formas geométricas disformes. Mais uma influência na
carreira do diretor, que trabalhou no estúdio alemão Universum Film
Aktiengesellschaft (UFA), em Neubabelsberg, nos anos 1920. O estúdio foi
responsável pelo filme O Gabinete do
Doutor Caligari, dirigido em 1919 por Robert Wiene, grande clássico do
cinema expressionista.
Hitchcock
também faz uso de simbologias religiosas, como uma cena em que uma possível
culpa de Drew é representada por sombras em seu rosto que formam a
imagem de um crucifixo.
O
diretor sempre acompanhou a mudanças e inovações técnicas na indústria do
cinema que iam surgindo com o passar dos anos e sempre as encarou como um
desafio. Mais do que a importância da história, estava em como contá-la.
O
suspense, marca registrada de Hitchcock, está presente durante todo o filme,
incluindo outros elementos típicos de suas obras, como a perseguição de um
homem acusado de cometer um crime e até uma cena em um banheiro que facilmente
fará o espectador se lembrar de “Psicose”.
Vale
observar que Alfred Hitchcock pretendia deixar o suspense ainda mais evidente
ao fazer com que Drew fosse embora numa noite, sem que ninguém soubesse se ele
era de fato o serial killer, mas como
na época não era aceitável que um astro do cinema fizesse o papel de um
assassino, foi preciso contornar a situação.
O Inquilino é uma boa
indicação para quem quer começar a conhecer os filmes da carreira de Alfred Hitchcock
e perceber que sua inteligência e domínio técnico vieram para marcar o cinema
para sempre.
É
interessante falar também sobre Um Corpo
que Cai (Vertigo, 1958) e como
seu visual reforça sentimentos e constrói uma atmosfera cheia de suspense,
obsessão e aspectos psicológicos. Ao começar pela sequência de abertura do
filme, que contou com efeitos visuais bem atípicos para a época. Desenhos de
espirais se formam na tela simbolizando uma escada caracol e uma queda, que
acabam tendo total ligação com a acrofobia de John. Esses elementos são fortemente
presentes na narrativa por marcaram um aspecto importante par o personagem.
As
cores têm caráter de extrema importância em Um
Corpo que Cai. O vermelho, também presente na abertura do filme, pode ser
interpretado como sensação de perigo e do romance entre John e “Madeleine” que
será conferido logo adiante no decorrer da história. Quando John decide aceitar
seguir a esposa de seu amigo, ele entra em um mundo de sedução e fascínio que
vão marcar sua vida.
Interessante
notar, como a personagem passa a ser enquadrada em planos inteiros bem
distantes. Além de esses planos fazerem jus ao fato de ela estar sendo seguida
por John, (justificável esse distanciamento) ela incorpora tanto para o espectador
quanto para John, a figura de uma mulher misteriosa e inalcançável. Lembrando
que durante todas essas cenas, não há diálogos entres eles, reforçando ainda
mais o mistério e a incerteza. Na galeria Madeleine observa o quadro de
Carlotta Valdes enquanto é observada por John. Mais elementos visuais dessa vez
convidam o espectador a acreditar na possível possessão. As rosas são o
elemento icônico na cena. Elas estão presentes no quadro de Carlotta, no buquê
que está ao lado de Madeleine e também
no penteado da própria, que também lembra um botão de rosa. São as imagens mais
uma vez reforçando uma ideia.
Já
mais adiante, após o resgate de Madeleine na baía de São Francisco, John a leva
para seu apartamento e mais uma vez a cor vermelha (no roupão de Madeleine)
reforça a paixão em um encontro mais próximo dos dois. A partir daí a atração
entre os dois fica mais evidente, porém Madeleine ainda continua com seu status
de espectro e de mulher misteriosa e inalcançável. Isso está presente na cena
do parque em que a personagem parece “desaparecer” entre as enormes árvores do
local. A partir daí a narrativa vai se avançando e uma grande reviravolta
acontece: o espectador é levado a achar que Madeleine se suicidou. Isso causa
um enorme trauma em John e resulta em uma cena de sonho muito bem elaborada
visualmente. Nela, alguns elementos icônicos do filme surgem: pétalas de rosas,
uma cova vazia, o fantasma de Carlotta Valdes e a acrofobia de John. Mais uma
vez o vermelho está presente na fotografia, dessa vez dando um tom de ameaça.
O ato de ir ao cinema nos coloca durante um
tempo considerável como observadores de vidas que se passam diante de nós em
uma tela grande. E quando somos convidados a presenciar um protagonista que
também assume o papel de observador dentro do filme? Em Janela Indiscreta (Rear
Window, 1954) isso é possível. O filme pode parecer ter um ritmo mais
lento, mas conforme ele vai se desenvolvendo e vamos tendo mais informações,
essa impressão logo é deixada para trás.
Já
que estamos focando em imagens a favor das histórias, Janela Indiscreta é uma prova de que elas falam por si só em boa
parte do filme. Logo na cena de abertura, as cortinas que vão se abrindo uma a
uma, parecem fazer um convite ao espectador para que ele acompanhe um
“espetáculo” que tem como tema a observação. Logo depois, um movimento de traveling adentra para o mundo que vai
movimentar toda a história e atiçar o prazer em observar que existe dentro do
protagonista e do próprio espectador.
Interessante
como a câmera varia em alguns momentos ao assumir o olhar de Jeff e em um
determinado momento quando assume o olhar do espectador, ela entrega uma
informação apenas para nós que estamos assistindo ao filme e nos faz duvidar se
o vizinho de Jeff matou mesmo sua esposa. Isso pode ser observado na cena em
que Jeff está dormindo e a câmera mostra uma mulher saindo do apartamento de
seu vizinho. Esse momento sabiamente criou um jogo com o espectador que por um
momento deixou o protagonista de fora, para que só mais adiante ele tomasse
conhecimento de que não viu a mulher saindo do apartamento, pois estava
dormindo.
No
confronto final, Jeff e seu vizinho estão cara a cara. Embora ambos estejam no
mesmo apartamento, a sombra que cobre o rosto dos dois, consegue criar certo
distanciamento entre eles. Essa sombra para Jeff também representa seu
constrangimento e culpa como observador da vida alheia. Já para seu vizinho,
ela também ganha uma representação de constrangimento por ser descoberto, além
da “mancha” em sua consciência por ser um assassino.
Hitchcock
é sem dúvida um diretor que merece ser estudado e ter seus filmes conferidos.
Sua forma visual de contar histórias atravessou tantas fases e avanços tão
importantes dentro da história do cinema, que não é à toa que diversos
diretores se inspiraram e ainda se inspiram no seu estilo único e
inconfundível.
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