domingo, 8 de outubro de 2017

Alfred Hitchcock: Um Cinema Extremamente Visual

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo


Conhecido como “O Mestre do Suspense”, Alfred Hitchcock defendia a ideia de que não há o elemento do suspense na surpresa, mas sim na antecipação do que pode ou não acontecer. Presentear o espectador com uma informação enquanto seus personagens não estão cientes da mesma, cria muito mais tensão do que a surpresa em si. Rotulá-lo apenas como um mestre na arte de fazer suspense seria muito superficial, uma vez que sua grande habilidade técnica a favor do visual de seus filmes favorecia a narrativa e a destacava, muitas vezes com elementos nas entrelinhas.

O Próprio Hitchcock considerava o diálogo bem menos importante na narrativa, acreditando que uma boa história pode ser bem contada com elementos visuais bem construídos. Desde que as primeiras imagens projetadas pelo cinematógrafo dos irmãos Lumière foram exibidas, o mundo nunca mais foi o mesmo: nascia o cinema. A experiência adquirida por Hitchcock no cinema mudo tem forte influência na sua linguagem, caracterizando assim seu estilo fortemente visual.

Após ler uma revista corporativa, Hitchcock soube que a empresa Famous Players-Lasky abriria uma filial em seu país e lá iniciaria a construção de estúdios e um programa de produções. Quando começou a trabalhar na indústria cinematográfica, Hitchcock escrevia e desenhava intertítulos para filmes em uma época em que o cinema ainda era algo muito recente. Cinéfilo muito antes de seu primeiro emprego, ele já acompanhava as pré-estreias dos filmes de Chaplin e Griffith (sua grande influência), além de ler publicações profissionais sobre cinema. Conforme as oportunidades foram surgindo, Hitchcock foi crescendo na indústria cinematográfica e com isso surgiram os primeiros filmes dos quais assumiu a direção. Mas foi em “O Inquilino” (seu terceiro filme) que o diretor nos mostra uma forte característica do seu estilo: o apuro visual.

Uma vez em que no cinema mudo o visual era o elemento chave na arte de contar histórias e encantar plateias do mundo todo, Hitchcock mostrou que tinha talento e sabia dominar esse cinema essencialmente feito apenas de imagens. Esse apuro fortemente visual, continuou acompanhando o cineasta mesmo quando o cinema falado se fez presente.

Considerado pelo próprio Alfred Hitchcock como o primeiro filme que reúne os elementos que compõem seu estilo, O Inquilino (The Lodger, 1927) conta a história de um serial killer que está à solta em Londres e que tem preferência por assassinar mulheres loiras. O longa é baseado no romance de Belloc-Lowndes e na peça Who Is He, co-escrita também por Lowndes.



Drew (Ivor Novello) se hospeda na pensão do casal Bounting (Arthur Chesney e Marie Ault). Eles são os pais de Daisy (June Tripp), uma jovem modelo que é paquerada por Joe (Malcolm Keen), um policial que busca pistas sobre o assassino. A excentricidade de Drew e suas saídas durante a noite levantam suspeitas da dona da pensão e de Joe, que suspeita que o novo inquilino seja o serial killer. No filme, Hitchcock entrega uma obra de forte visual, técnicas inteligentes e várias simbologias.

Existe uma cena em que Drew anda pelo quarto enquanto os outros personagens no andar de baixo, escutam seus passos. Como representar isso no cinema mudo, sem a utilização de intertítulos que expliquem através de diálogos, essa ação? Hitchcock sabiamente faz uso de um piso de vidro (no qual Novello caminha por ele) que nos sugere a noção do som dos passos do personagem.

Não podemos deixar de mencionar também elementos na fotografia do filme que fazem parte do expressionismo alemão, como o uso de sombras distorcidas na janela do quarto da dona da pensão e os próprios intertítulos que apresentam fontes variadas junto com formas geométricas disformes. Mais uma influência na carreira do diretor, que trabalhou no estúdio alemão Universum Film Aktiengesellschaft (UFA), em Neubabelsberg, nos anos 1920. O estúdio foi responsável pelo filme O Gabinete do Doutor Caligari, dirigido em 1919 por Robert Wiene, grande clássico do cinema expressionista.

Hitchcock também faz uso de simbologias religiosas, como uma cena em que uma possível culpa de Drew é representada por sombras  em seu rosto que formam a imagem de um crucifixo. 



O diretor sempre acompanhou a mudanças e inovações técnicas na indústria do cinema que iam surgindo com o passar dos anos e sempre as encarou como um desafio. Mais do que a importância da história, estava em como contá-la.

O suspense, marca registrada de Hitchcock, está presente durante todo o filme, incluindo outros elementos típicos de suas obras, como a perseguição de um homem acusado de cometer um crime e até uma cena em um banheiro que facilmente fará o espectador se lembrar de “Psicose”.

Vale observar que Alfred Hitchcock pretendia deixar o suspense ainda mais evidente ao fazer com que Drew fosse embora numa noite, sem que ninguém soubesse se ele era de fato o serial killer, mas como na época não era aceitável que um astro do cinema fizesse o papel de um assassino, foi preciso contornar a situação.

O Inquilino é uma boa indicação para quem quer começar a conhecer os filmes da carreira de Alfred Hitchcock e perceber que sua inteligência e domínio técnico vieram para marcar o cinema para sempre.

É interessante falar também sobre Um Corpo que Cai (Vertigo, 1958) e como seu visual reforça sentimentos e constrói uma atmosfera cheia de suspense, obsessão e aspectos psicológicos. Ao começar pela sequência de abertura do filme, que contou com efeitos visuais bem atípicos para a época. Desenhos de espirais se formam na tela simbolizando uma escada caracol e uma queda, que acabam tendo total ligação com a acrofobia de John. Esses elementos são fortemente presentes na narrativa por marcaram um aspecto importante par o personagem.


As cores têm caráter de extrema importância em Um Corpo que Cai. O vermelho, também presente na abertura do filme, pode ser interpretado como sensação de perigo e do romance entre John e “Madeleine” que será conferido logo adiante no decorrer da história. Quando John decide aceitar seguir a esposa de seu amigo, ele entra em um mundo de sedução e fascínio que vão marcar sua vida.

Na cena que marca o primeiro encontro dos dois personagens, a direção de arte já destaca as emoções. O restaurante onde John verá “Madeleine” pela primeira vez é tomado pelo vermelho presente no papel de parede, carpete e cadeiras. Ao mesmo tempo John está sendo tomado pela paixão que logo parece sentir por “Madeleine”. Depois desse primeiro encontro marcado pelo desejo do personagem, ele passa a segui-la a pedido de seu amigo, que suspeita que ela esteja possuída pelo espírito de sua bisavó, Carlotta Valdes. 


Interessante notar, como a personagem passa a ser enquadrada em planos inteiros bem distantes. Além de esses planos fazerem jus ao fato de ela estar sendo seguida por John, (justificável esse distanciamento) ela incorpora tanto para o espectador quanto para John, a figura de uma mulher misteriosa e inalcançável. Lembrando que durante todas essas cenas, não há diálogos entres eles, reforçando ainda mais o mistério e a incerteza. Na galeria Madeleine observa o quadro de Carlotta Valdes enquanto é observada por John. Mais elementos visuais dessa vez convidam o espectador a acreditar na possível possessão. As rosas são o elemento icônico na cena. Elas estão presentes no quadro de Carlotta, no buquê que está ao lado de  Madeleine e também no penteado da própria, que também lembra um botão de rosa. São as imagens mais uma vez reforçando uma ideia.

Já mais adiante, após o resgate de Madeleine na baía de São Francisco, John a leva para seu apartamento e mais uma vez a cor vermelha (no roupão de Madeleine) reforça a paixão em um encontro mais próximo dos dois. A partir daí a atração entre os dois fica mais evidente, porém Madeleine ainda continua com seu status de espectro e de mulher misteriosa e inalcançável. Isso está presente na cena do parque em que a personagem parece “desaparecer” entre as enormes árvores do local. A partir daí a narrativa vai se avançando e uma grande reviravolta acontece: o espectador é levado a achar que Madeleine se suicidou. Isso causa um enorme trauma em John e resulta em uma cena de sonho muito bem elaborada visualmente. Nela, alguns elementos icônicos do filme surgem: pétalas de rosas, uma cova vazia, o fantasma de Carlotta Valdes e a acrofobia de John. Mais uma vez o vermelho está presente na fotografia, dessa vez dando um tom de ameaça.

 O ato de ir ao cinema nos coloca durante um tempo considerável como observadores de vidas que se passam diante de nós em uma tela grande. E quando somos convidados a presenciar um protagonista que também assume o papel de observador dentro do filme? Em Janela Indiscreta (Rear Window, 1954) isso é possível. O filme pode parecer ter um ritmo mais lento, mas conforme ele vai se desenvolvendo e vamos tendo mais informações, essa impressão logo é deixada para trás.



Já que estamos focando em imagens a favor das histórias, Janela Indiscreta é uma prova de que elas falam por si só em boa parte do filme. Logo na cena de abertura, as cortinas que vão se abrindo uma a uma, parecem fazer um convite ao espectador para que ele acompanhe um “espetáculo” que tem como tema a observação. Logo depois, um movimento de traveling adentra para o mundo que vai movimentar toda a história e atiçar o prazer em observar que existe dentro do protagonista e do próprio espectador.

Outro movimento de câmera assume a posição do espectador que observa e segue apresentando alguns dos apartamentos e de seus respectivos moradores, que logo serão objeto da observação do protagonista. Depois a câmera segue pelo apartamento de Jeff, mostrando sua perna engessada, sua câmera quebrada, fotos de um acidente e diversas outras fotos que já nos colocam a par de sua profissão e do motivo que o deixou na sua atual condição. Há também a foto de Lisa, namorada de Jeff, que também assumirá o papel de observadora junto com o namorado, para ajudá-lo. Uma vez confinado em seu apartamento por conta de seu acidente, Jeff passa a dar atenção ao mundo exterior, e ao observar a vida dos vizinhos, suspeita que um deles tenha matado a esposa.


Interessante como a câmera varia em alguns momentos ao assumir o olhar de Jeff e em um determinado momento quando assume o olhar do espectador, ela entrega uma informação apenas para nós que estamos assistindo ao filme e nos faz duvidar se o vizinho de Jeff matou mesmo sua esposa. Isso pode ser observado na cena em que Jeff está dormindo e a câmera mostra uma mulher saindo do apartamento de seu vizinho. Esse momento sabiamente criou um jogo com o espectador que por um momento deixou o protagonista de fora, para que só mais adiante ele tomasse conhecimento de que não viu a mulher saindo do apartamento, pois estava dormindo.

No confronto final, Jeff e seu vizinho estão cara a cara. Embora ambos estejam no mesmo apartamento, a sombra que cobre o rosto dos dois, consegue criar certo distanciamento entre eles. Essa sombra para Jeff também representa seu constrangimento e culpa como observador da vida alheia. Já para seu vizinho, ela também ganha uma representação de constrangimento por ser descoberto, além da “mancha” em sua consciência por ser um assassino.
  
Hitchcock é sem dúvida um diretor que merece ser estudado e ter seus filmes conferidos. Sua forma visual de contar histórias atravessou tantas fases e avanços tão importantes dentro da história do cinema, que não é à toa que diversos diretores se inspiraram e ainda se inspiram no seu estilo único e inconfundível. 







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