domingo, 24 de setembro de 2017

Monstros (Freaks, 1932)

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

“Monstros” é um dos filmes mais à frente de seu tempo que foram produzidos. Estamos falando de uma produção de grande estúdio no ano de 1932, que apresenta personagens com os mais diferentes tipos de deficiência e que ao mesmo, têm extrema importância na história. Tudo isso ainda dando espaço para a sensibilidade e o respeito, mas também dando voz a esses personagens que contavam com alguns atores que realmente apresentavam deformidades e trabalhavam no circo.



A história se passa em um circo itinerante repleto de palhaços, acrobatas e “aberrações”. Hans (Harry Earles) é um homem portador de nanismo que acaba de herdar uma fortuna. A trapezista Cleópatra (Olga Blacanova), tenta arruinar a relação dele com sua noiva, Frieda (Daisy Earles), ao mesmo tempo em que tem um caso com Hércules (Henry Victor), o Homem-Músculos da trupe. Depois de uma tentativa de assassinato que sai errado, boa parte dos membros do circo executam um plano de vingança que resulta em uma das melhores sequências do longa.

Claro que na época, a divulgação do filme tinha que ter em seu apelo. Frases como “A mais assustadora história de terror sobre os anormais e indesejáveis”, eram comuns de serem vistas como forma de atrair o público. A intenção da MGM era clara desde o início do projeto: “Quero que façam algo mais apavorante do que Frankenstein”, teria dito o executivo do estúdio Irving Thalberg aos diretores, ciente do sucesso que a Universal acabara de conseguir com “Frankenstein”.

Tod Browning, diretor de “Monstros”, havia dirigido “Drácula” para a Universal e embora tivesse uma mórbida sensibilidade, tinha uma relação forte e clara de empatia com seus personagens. Isso é refletido na obra, uma vez que consegue criar uma atmosfera sombria e ao mesmo tempo sensibilizar o espectador, fazendo-o se pôr no lugar dos personagens. Isso é muito importante, pois se o marketing para o filme fez um certo sensacionalismo com as deformidades dos personagens, ao conferir a obra, o espectador perceberá que as coisas não são exatamente o que parecem. Será que nós, considerados “normais”, não seríamos na verdade os verdadeiros monstros?

Tod Browning dirigindo Olga Baclanova

Não é preciso dizer que o filme chocou o público na época, que o considerou violento demais. O longa precisou ser editado drasticamente, e mesmo assim foi hostilizado por boa parte do público. No Reino Unido, a produção foi banida por trinta dias depois do lançamento, além de ser banido totalmente na Austrália. “Monstros” também teve suas polêmicas na produção. Os maiores astros da MGM não quiseram se envolver com o projeto, e Myrna Loy (originalmente escalada como Cleópatra), implorou aos chefes do estúdio para que a dispensassem do papel.

Browning colocou muito de suas próprias experiências em “Monstros”. Nascido em uma família rica, o cineasta largou tudo para viver em um circo. Lá ele ficou amigo de D. W. Griffith e decidiu seguir a carreira no cinema. Com “Intolerância” (D. W. Griffith, 1916), Browning viu a chance de começar na sétima arte pela atuação. Um ano depois já estava dirigindo seus próprios filmes. Conhecido como o Edgard Allan Poe do cinema, o diretor sempre teve afinidades com o macabro e com o sinistro. A parceira com Lon Chaney, conhecido como “o homem das mil faces” (pela criatividade em compor suas próprias maquiagem nos filmes), deu super certo em filmes como “A Trindade Maldita” (1925), “Londres Depois da Meia-noite” (1927) e “No Oeste de Zanzibar” (1928). Durante a pré-produção de “Dracula” (1931), Browning se viu pego de surpresa com a morte repentina de Chaney, fazendo com que o diretor contratasse então, Bela Lugosi, que se tornaria posteriormente o vampiro mais conhecido do cinema. Os últimos trabalhos de Tod Browning foram nos filmes “A Marca do Vampiro” (1935), “A Boneca do Diabo” (1936) e “O Vendedor de Milagres” (1939).

Já “Monstros”, só consegiu o status de cult na década de 60, por conta da chegada da contracultura. Independente das polêmicas, que hoje já não chocam mais, o longa merece ser visto por sua ousadia, genialidade e por ser muito bem realizado.

Vale lembrar que para os fãs da série “American Horror Story”, em especial a 4ª temporada (Freakshow), as referências do filme são facilmente reconhecidas na série. Se você gostou da 4ª temporada, vá correndo ver “Monstros”!





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