quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Crítica - Jogo Perigoso




Jogo Perigoso (Gerald’s Game) foi escrito por Stephen King e publicado em 1992. A obra foi dedicada à esposa de King, Tabitha e suas irmãs: "Este livro é dedicado, com amor e admiração, a seis boas mulheres: Margaret Spruce Morehouse, Catherine Spruce Graves, Stephanie Spruce Leonard, Anne Spruce Labree, Tabitha Spruce King e Marcella. Abeto.”

Em 2017 a obra ganhou uma adaptação pela Netflix, com direção de Mike Flanagan e Carla Gugino e Bruce Greenwood no elenco principal. O longa foi bem recebido pela crítica, que elogiou a performance de Gugino, já que a mesma é responsável por carregar boa parte da dramaticidade do filme.

Gerald (Bruce Greenwood) e Jessie (Carla Gugino) viajam pra uma casa de campo isolada para dar novos ares na relação com alguns fetiches envolvendo algemas. Depois de ser algemada na cama, Jessie participa dos jogos do marido, até que o mesmo sofre um infarto. Algemada, a esposa de Gerald precisa lutar para sobreviver e escapar das algemas tanto físicas, quanto das que aprisionam sua mente.



Primeiramente, vale falar sobre o trabalho de Mike Flanagan. O cineasta é conhecido por seus filmes de terror e de uma constante conexão de seus personagens com o passado. Em seu trabalho, passado e presente estão sempre fortemente ligados, tanto no tema como na edição de seus filmes, que também contam com o trabalho de Flanagan. O diretor foi responsável pela série A Maldição da Residência Hill (também da Netflix), cuja segunda temporada, também contará com o cineasta na direção.
É nesse quarto, algemada, que Jessie enfrenta seus demônios. 

O trauma com a morte do marido e a impotência diante da situação, faz com que a personagem tenha alucinações com uma versão sua e a de seu marido falecido. Essas aparições têm uma função muito inteligente na história, já que claramente simbolizam facetas de Jessie. Quando a mulher conversa com a imagem do marido morto e sua própria imagem, é como se estivéssemos conhecendo um lado mais pessimista da protagonista, mas também seu lado forte.

A partir desses diálogos há uma interessante estudo da personagem enquanto vamos descobrindo mais sobre seus traumas, fraquezas e baixa autoestima. A figura de Gerald é mais sarcástica e pessimista para que Jessie sobreviva. Já a “cópia” de Jessie é aquela que a ajuda para que ela pense com calma e tente sobreviver e escapar. Interessante como essas figuras acabam servindo como espelho para o relacionamento da mulher e com a ideia de que muitas vezes a ajuda deve partir de nós mesmos.


Se tratando de uma personagens que conversa com duas pessoas que estão em sua cabeça, a mise-en-scène coloca a entrada em cena desses personagens não reais, de forma  que os raccords de movimento, não sigam uma lógica. Para quem não sabe, raccord tem origem francesa e pode ser designado por continuidade, ou seja, quando um elemento ao se movimentar, deve seguir a mesma direção. Nos diálogos de Jessie, Gerald e sua cópia caminham pelo quarto em alguns momentos, dando fluidez nas cenas. Às vezes eles aparecem em um canto e do nada já estão em outro, quebrando essa continuidade.

Nos flashbacks o eclipse que aconteceu durante a pré-adolescência de Jessie tem forte simbologia no filme. Ele representa o momento em que algo muito sério aconteceu com ela e é como se esse fenômeno ainda durasse durante toda sua vida. A fotografia avermelhada é muito interessante no sentido de como banha toda a tela de vermelho, como esse mau que ainda marca a vida da personagem já adulta.



Jogo perigoso é uma excelente adaptação da Netflix ao abordar questões sérias e a importância de fazermos as pazes com o passado e com nós mesmos. Um tema semelhante também faz parte de outro livro de King chamado Dolores Claiborne, que também ganhou uma adaptação protagonizada pela atriz Kathy Bates e que será abordada na semana que vem.       

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