O cineasta argentino (naturalizado francês) Gaspar Noé, traz em sua filmografia filmes como Irreversível (2002), Sozinho Contra Todos (1998) e Enter The Void - Viagem Alucinante (2009). Clímax (2018), penúltimo longa do cineasta, já está disponível na Netflix e é uma verdadeira e única experiencia.
Sabemos
como os trabalhos de Noé apresentam muito a questão do corpo, da violência e do
sexo. O cinema do choque, mas que carrega um conceito, é perceptível até mesmo
na tipografia de seus filmes, que buscam tirar o espectador de um lugar mais
confortável. Como influencia, o próprio cineasta já citou que os filmes de Stanley
Kubrick são responsáveis por sua formação como diretor, em especial 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968).
Em
Clímax, acompanhamos um grupo de dançarinos, em sua maioria franceses, que se
reúnem em uma escola para uma noite de ensaios e celebração. O que começa bem,
termina de forma extremamente surreal e violenta, quando a sangria servida no
local e consumida pelos dançarinos, está “batizada” com LSD.
A
questão do corpo é fundamental no filme, já que envolve a dança. Noé disse que
sempre achou muito bonita a arte da dança e que aprecia ver bons dançarinos, o
que fez surgir o interesse em fazer um filme sobre isso. No início da história,
que se passa em 1996, os personagens são apresentados na TV em um vídeo de teste
que estão fazendo e são entrevistados para serem escolhidos e integrarem o
grupo de dança.
O
detalhe retro de livros e fitas em VHS que quase emolduram o aparelho de TV,
dão o tom do filme e representam outras referências do cineasta. Destaque para
a imagem do VHS do filme Possessão (1981) de Andrzej Żuławski, cuja uma das cenas
mais conhecidas, é homenageada em Clímax. Além de Possessão, é possível identificar os filmes Suspiria (1977) de Dario Argento e Um Cão Andaluz de Luís Buñuel (1929).
Dentro
desse único lugar em que acontece todo o filme, impossível não mencionar o uso
estético para compor essa montanha russa de sensações que compõe o arco dos
personagens, principalmente no segundo e terceiro atos. As fortes cores
presentes no filme, por si só sugerem uma atmosfera psicodélica e carregada de
energia.
Vale
apontar como todas as sensações vividas pelos personagens, que a essa altura já
sofrendo com as alucinações, são criadas simplesmente a partir de um ponto de
vista objetivo da câmera. Em nenhum momento vemos o que veem os personagens.
Tudo é construído a partir da fotografia, direção de arte e das atuações dos
dançarinos que em sua maioria não eram atores profissionais.
A
dança em si já carrega na movimentação do corpo a leitura de sairmos de si, de
nosso estado mais “normalizado”. A dança que inicia o filme depois da
apresentação dos personagens no vídeo de seleção, celebra o êxtase da própria
arte de dançar. Nessa sequência hipnótica, os personagens fazem os mais
diversos movimentos capazes de evocarem euforia e sexualidade em cinco minutos
de duração. Os movimentos de câmera contam com ângulos que buscam dominar todo
o em volto dos personagens enquanto dançam e assim fazendo parte também da
coreografia.
Passado
o ensaio o roteiro aprofunda mais nos personagens em cenas em que pequenos
grupos ou duplas aparecem conversando separadamente sobre os colegas que estão
na academia. O conteúdo de algumas conversas são bem sexuais e até grosseiros,
caracterizando assim facetas obscuras de alguns desses personagens. Fica a
nosso cargo imaginar se essas conversas têm a ver com os primeiros efeitos do
LSD ou se esses personagens estão sendo eles mesmos.
No
auge das alucinações, a câmera oscila sua movimentação para criar de vez a
sensação de desconexão com a realidade. Coube aos atores interpretarem ao seu
modo, suas próprias alucinações. O que
antes era uma dança que unia todos ali, acaba se tornando para boa parte, uma
“dança” individual. Esse individualismo marca os atos violentos entre esses
personagens enquanto a câmera acompanha os mesmos pelos corredores da academia
enquanto a variação das luzes fortalece a ideia de uma atmosfera alucinógena.
Com
Clímax, Gaspar Noé consegue criar um cinema que se por um
lado não há uma narrativa ou dramaticidade notória, por outro ele evoca
sensações e uma experiência propositalmente incômoda para o espectador.
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