segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Chega na Netflix "Clímax" de Gaspar Noé


O cineasta argentino (naturalizado francês) Gaspar Noé, traz em sua filmografia filmes como Irreversível (2002), Sozinho Contra Todos (1998) e Enter The Void - Viagem Alucinante (2009). Clímax (2018), penúltimo longa do cineasta, já está disponível na Netflix e é uma verdadeira e única experiencia.

Sabemos como os trabalhos de Noé apresentam muito a questão do corpo, da violência e do sexo. O cinema do choque, mas que carrega um conceito, é perceptível até mesmo na tipografia de seus filmes, que buscam tirar o espectador de um lugar mais confortável. Como influencia, o próprio cineasta já citou que os filmes de Stanley Kubrick são responsáveis por sua formação como diretor, em especial 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968).

Em Clímax, acompanhamos um grupo de dançarinos, em sua maioria franceses, que se reúnem em uma escola para uma noite de ensaios e celebração. O que começa bem, termina de forma extremamente surreal e violenta, quando a sangria servida no local e consumida pelos dançarinos, está “batizada” com LSD.


A questão do corpo é fundamental no filme, já que envolve a dança. Noé disse que sempre achou muito bonita a arte da dança e que aprecia ver bons dançarinos, o que fez surgir o interesse em fazer um filme sobre isso. No início da história, que se passa em 1996, os personagens são apresentados na TV em um vídeo de teste que estão fazendo e são entrevistados para serem escolhidos e integrarem o grupo de dança.

O detalhe retro de livros e fitas em VHS que quase emolduram o aparelho de TV, dão o tom do filme e representam outras referências do cineasta. Destaque para a imagem do VHS do filme Possessão (1981) de Andrzej Żuławski, cuja uma das cenas mais conhecidas, é homenageada em Clímax. Além de Possessão, é possível identificar os filmes Suspiria (1977) de Dario Argento e Um Cão Andaluz de Luís Buñuel (1929).



Dentro desse único lugar em que acontece todo o filme, impossível não mencionar o uso estético para compor essa montanha russa de sensações que compõe o arco dos personagens, principalmente no segundo e terceiro atos. As fortes cores presentes no filme, por si só sugerem uma atmosfera psicodélica e carregada de energia.

Vale apontar como todas as sensações vividas pelos personagens, que a essa altura já sofrendo com as alucinações, são criadas simplesmente a partir de um ponto de vista objetivo da câmera. Em nenhum momento vemos o que veem os personagens. Tudo é construído a partir da fotografia, direção de arte e das atuações dos dançarinos que em sua maioria não eram atores profissionais.

A dança em si já carrega na movimentação do corpo a leitura de sairmos de si, de nosso estado mais “normalizado”. A dança que inicia o filme depois da apresentação dos personagens no vídeo de seleção, celebra o êxtase da própria arte de dançar. Nessa sequência hipnótica, os personagens fazem os mais diversos movimentos capazes de evocarem euforia e sexualidade em cinco minutos de duração. Os movimentos de câmera contam com ângulos que buscam dominar todo o em volto dos personagens enquanto dançam e assim fazendo parte também da coreografia.



Passado o ensaio o roteiro aprofunda mais nos personagens em cenas em que pequenos grupos ou duplas aparecem conversando separadamente sobre os colegas que estão na academia. O conteúdo de algumas conversas são bem sexuais e até grosseiros, caracterizando assim facetas obscuras de alguns desses personagens. Fica a nosso cargo imaginar se essas conversas têm a ver com os primeiros efeitos do LSD ou se esses personagens estão sendo eles mesmos.

No auge das alucinações, a câmera oscila sua movimentação para criar de vez a sensação de desconexão com a realidade. Coube aos atores interpretarem ao seu modo,  suas próprias alucinações. O que antes era uma dança que unia todos ali, acaba se tornando para boa parte, uma “dança” individual. Esse individualismo marca os atos violentos entre esses personagens enquanto a câmera acompanha os mesmos pelos corredores da academia enquanto a variação das luzes fortalece a ideia de uma atmosfera alucinógena. 



Com Clímax, Gaspar Noé consegue criar um cinema que se por um lado não há uma narrativa ou dramaticidade notória, por outro ele evoca sensações e uma experiência propositalmente incômoda para o espectador.

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