domingo, 15 de setembro de 2019

Zoologia: Por que precisamos tanto da aprovação dos outros?




Zoologia (Зоология, 2016) é o segundo filme do cineasta russo, Ivan I. Tverdovsky. O longa, que é uma coprodução entre Rússia, Alemanha e França, foi exibido na 40º Mostra Internacional de Cinema que aconteceu em São Paulo em 2016. Além disso, o longa venceu o Prêmio Especial do Júri no Festival Karlovy Vary, na República Tcheca.

A sinopse é simples e direta, girando em torno de Natasha (Natalya Pavlenkova), uma mulher de meia idade que trabalha na parte administrativa de um zoológico. Morando com a mãe (Irina Chipizhenko), a mulher sofre bullying das colegas de trabalho e esconde uma calda (isso mesmo), que cresceu em seu corpo com o tempo. Quando vai ao médico, que lhe pede uma radiografia, Natasha conhece Petya (Dmitriy Groshev) e um romance se inicia.

Excêntrico, Zoologia é um filme sobre aceitação. Nesse caso, não nossa aceitação, mas a do outro, que às vezes acaba sendo mais importante para que possamos lidar melhor com nós mesmos. Não que todas as pessoas precisem da constante aprovação alheia para se sentir bem consigo mesma, mas quando nos vemos constantemente reprovados e excluídos, as consequências podem ser bem desastrosas.



Sem tentar explicar a natureza desse fenômeno que ocorre com nossa protagonista, a cauda não parece ser um grande incomodo para Natasha, que mesmo indo ao médico e realizando os exames pedidos, esconde essa sua característica por debaixo de suas roupas, enquanto vive sua vida e tenta lidar com o falatório das pessoas (que comentam sobre a existência de uma mulher com calda) do bairro onde mora e com o assédio moral vivido no seu local de trabalho. Intencional ou não, há um exagero na forma com que Natasha é tratada por suas colegas, embora a Rússia tenha desde o cinema mudo essa característica mais dramática e exagerada em alguns de seus filmes.

A Rússia aliás, que ficou mais conhecida por causa da Copa que aconteceu no ano passado, além de mostrar sua cultura e beleza, mostrou também seu lado intolerante. A forte religiosidade de uma sociedade que não está pronta para lidar com as diferenças, está presente no filme. Frequentemente associada ao diabo, a condição de Natasha a coloca como alguém marginalizado na sociedade, ao mesmo tempo em que a mesma condição é responsável por dar prazer a personagem, que se masturba na banheira usando sua própria cauda.



Tudo parece mudar quando Petya entra na história. O personagem em nenhum momento do filme, enxerga a condição da protagonista como algo aversivo e logo ambos começam um namoro. Natasha vai mudando seu visual como consequência da descoberta de um novo amor, trocando suas roupas acinzentadas por roupas mais modernas e coloridas e aproveitado também para mudar o penteado.



Se a cauda já não era algo que de fato era um empecilho para a mulher, nessa fase ela passa a se preocupar menos. Numa cena, inclusive, quando a personagem vai a um baile com o namorado, ela se deixa levar pelo momento da dança e da música enquanto sua cauda vai se desenrolando e ficando solta. A cena é importante ao mostra o momento em que a opinião do outro pouco importa na vida da  mulher.

Essa relação meio que de amor e ódio entre a protagonista e sua cauda, volta a ser motivo de incômodo quando a personagem percebe que não é vista por seu namorado pela pessoa que é, mas justamente por sua cauda. Dividida, temos Natasha entre o julgamento social e ser vista como um fetiche. 

Filmado como que um documentário, a câmera costuma estar sempre na mão acompanhando a personagem, detalhe esse herdado do cineasta graças às suas afinidades com o cinema documental. As cores mais cinzentas dominam a tela, como o próprio céu que está sempre nublado. O azul também é presente na pintura das paredes do hospital representando um sentimento mais depressivo e distópico na forma com que se relaciona com a protagonista.

Por outro lado esse azul parece fazer uma referência ao mar e consequentemente à natureza, lugar que faz parte do trabalho de Natasha. Aliás, ironicamente, são os animais presentes no zoológico que acabam vendo a personagem sem julgamentos, recebendo comida de sua mãos, sem nem se importar com sua anomalia.

Com uma excêntrica e interessante alegoria dentro de um romance, Zoologia usa o inusitado como metáfora para falar sobre intolerância e como socialmente ainda não estamos prontos para aceitar o diferente. E pior: como a opinião do outro ainda é a que prevalece.  

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