Zoologia (Зоология, 2016)
é o segundo filme do cineasta russo, Ivan I. Tverdovsky. O longa, que é uma
coprodução entre Rússia, Alemanha e França, foi exibido na 40º Mostra
Internacional de Cinema que aconteceu em São Paulo em 2016. Além disso, o longa
venceu o Prêmio Especial do Júri no Festival Karlovy Vary, na República Tcheca.
A sinopse é simples e
direta, girando em torno de Natasha (Natalya Pavlenkova), uma mulher de meia
idade que trabalha na parte administrativa de um zoológico. Morando com a mãe (Irina
Chipizhenko), a mulher sofre bullying das colegas de trabalho e esconde uma
calda (isso mesmo), que cresceu em seu corpo com o tempo. Quando vai ao médico,
que lhe pede uma radiografia, Natasha conhece Petya (Dmitriy Groshev) e um
romance se inicia.
Excêntrico, Zoologia é um filme sobre aceitação.
Nesse caso, não nossa aceitação, mas a do outro, que às vezes acaba sendo mais
importante para que possamos lidar melhor com nós mesmos. Não que todas as
pessoas precisem da constante aprovação alheia para se sentir bem consigo
mesma, mas quando nos vemos constantemente reprovados e excluídos, as
consequências podem ser bem desastrosas.
Sem tentar explicar a
natureza desse fenômeno que ocorre com nossa protagonista, a cauda não parece
ser um grande incomodo para Natasha, que mesmo indo ao médico e realizando os
exames pedidos, esconde essa sua característica por debaixo de suas roupas,
enquanto vive sua vida e tenta lidar com o falatório das pessoas (que comentam
sobre a existência de uma mulher com calda) do bairro onde mora e com o assédio
moral vivido no seu local de trabalho. Intencional ou não, há um exagero na
forma com que Natasha é tratada por suas colegas, embora a Rússia tenha desde o
cinema mudo essa característica mais dramática e exagerada em alguns de seus
filmes.
A Rússia aliás, que ficou
mais conhecida por causa da Copa que aconteceu no ano passado, além de mostrar
sua cultura e beleza, mostrou também seu lado intolerante. A forte
religiosidade de uma sociedade que não está pronta para lidar com as
diferenças, está presente no filme. Frequentemente associada ao diabo, a
condição de Natasha a coloca como alguém marginalizado na sociedade, ao mesmo
tempo em que a mesma condição é responsável por dar prazer a personagem, que se
masturba na banheira usando sua própria cauda.
Tudo parece mudar quando
Petya entra na história. O personagem em nenhum momento do filme, enxerga a
condição da protagonista como algo aversivo e logo ambos começam um namoro. Natasha
vai mudando seu visual como consequência da descoberta de um novo amor, trocando
suas roupas acinzentadas por roupas mais modernas e coloridas e aproveitado
também para mudar o penteado.
Se a cauda já não era
algo que de fato era um empecilho para a mulher, nessa fase ela passa a se
preocupar menos. Numa cena, inclusive, quando a personagem vai a um baile com o
namorado, ela se deixa levar pelo momento da dança e da música enquanto sua
cauda vai se desenrolando e ficando solta. A cena é importante ao mostra o
momento em que a opinião do outro pouco importa na vida da mulher.
Essa relação meio que de amor e ódio entre a
protagonista e sua cauda, volta a ser motivo de incômodo quando a personagem
percebe que não é vista por seu namorado pela pessoa que é, mas justamente por
sua cauda. Dividida, temos Natasha entre o julgamento social e ser vista como
um fetiche.
Filmado como que um
documentário, a câmera costuma estar sempre na mão acompanhando a personagem,
detalhe esse herdado do cineasta graças às suas afinidades com o cinema
documental. As cores mais cinzentas dominam a tela, como o próprio céu que está
sempre nublado. O azul também é presente na pintura das paredes do hospital
representando um sentimento mais depressivo e distópico na forma com que se
relaciona com a protagonista.
Por outro lado esse azul
parece fazer uma referência ao mar e consequentemente à natureza, lugar que faz
parte do trabalho de Natasha. Aliás, ironicamente, são os animais presentes no
zoológico que acabam vendo a personagem sem julgamentos, recebendo comida de
sua mãos, sem nem se importar com sua anomalia.
Com uma excêntrica e
interessante alegoria dentro de um romance, Zoologia
usa o inusitado como metáfora para falar sobre intolerância e como socialmente
ainda não estamos prontos para aceitar o diferente. E pior: como a opinião do
outro ainda é a que prevalece.
Nenhum comentário:
Postar um comentário