Como
estudante do cinema brasileiro não tem como as últimas declarações
do atual presidente não afetarem-me de alguma forma. O cheiro da
censura insinua-se mas não surpreende essa pessoa que vos escreve,
que além de acreditar num pessimismo cósmico, também tem tentado
saber mais sobre a história do Brasil. História do Brasil e cinema
brasileiro inclusive tem uma íntima e difícil relação sendo que
este último, por muitas vezes, tentou ser o espelho fiel das tensões
e tendências do primeiro.
O
nascimento do cinema brasileiro é emblema de nosso
subdesenvolvimento e vocação para colônia. A primeira filmagem da
baia de Guanabara feita por mãos de imigrantes italianos mostra que
foram sempre as mãos estrangeiras que operaram e dominaram o que é
de mais novo e desenvolvido nesse país. Não que a mais alta cultura
não tenha sido criada pelo povo, vide o samba de Cartola e tudo o
mais. Porém o cinema como arte da técnica tem o seu desenvolvimento
sabotado em nosso país, justamente porque as mãos do povo
dificilmente operaram uma câmera. Essa triste imagem nos ajuda a
entender o papel marginal do cinema que volta a aparecer em nosso
horizonte. A marginalidade do cinema brasileiro e de quem faz cinema
no Brasil tem tudo a ver com essa imagem evocada, porque a câmera
sempre esteve nas mãos do estrangeiro.
É
claro que falo desse modo do ponto de vista estrutural. Novamente,
afirmo, o mais alto cinema foi feito nessas terras com Glauber,
Sganzerla, Nelson Pereira dos Santos e afins, mas estruturalmente, a
dependência econômica geral do país refletiu no cinema, como não
poderia ser diferente. Então, o cineasta brasileiro vive um drama,
vive em crise constante. Nos anos 60, o debate do cinema nacional
voltava-se para a relação entre a construção de uma indústria
cinematográfica nacional, incentivada pelo estado que ao mesmo tempo
respeitasse a liberdade do cinema autoral. Com o advento da ditadura
militar, os cineastas brasileiros viram todas as suas esperanças
ruírem para depois verem o seu maior sonho tomar forma de uma
maneira degradada.
O
nascimento da Embrafilme sedimenta esse momento no qual o estado toma
para si a responsabilidade de financiar o cinema brasileiro, mas esse
estado era o autoritário governo militar. No início, alguns
cineastas argumentavam que não se poderia confundir o estado com o
governo, ou seja, mesmo que o governo na época fosse autoritário,
não significava que as políticas estatais eram totalmente ruins. No
entanto, contradições começaram a surgir e a vida dos cineastas
brasileiros ficou em crise novamente. O regime financiava o setor
cinematográfico a partir de suas diretrizes ideológicas, vendo no
cinema o meio ideal para a propagação do novo Brasil da “revolução
de 64”. Esse financiamento inviabilizava a criação de obras
críticas ao regime, então cineastas, principalmente aqueles que
advinham do Cinema Novo, tiveram que escolher entre continuar
produzindo, debaixo das restrições conjunturais ou romper
totalmente com qualquer estrutura industrial cinematográfica, como
fizeram os cineastas do Cinema Marginal. Como a questão da exibição
era muito importante para os cinemanovistas, que viam nela a chance
de chegar as massas, cineastas como o próprio Nelson e Leon
Hirszman começam a produzir filmes que teciam críticas ao regime, mas de
maneira muito sutil. Lendo as entrevistas daquela época hoje, noto
um certo acuamento desses artistas frente a estrutura. É claro que
eles não tinham muita escolha, mas não deixa de ser triste ler
sobre artistas obrigados ao silêncio.
![]() |
Os Inconfidentes (1972) de Joaquim Pedro de Andrade, crítica sutil ao regime autoritário |
Trago
esse exemplo histórico para remeter ao presente e ao futuro próximo
do cinema brasileiro. A declaração do atual presidente lembra as
políticas da Embrafilme e como o cinema brasileiro sempre fora
frágil economicamente, é muito difícil que obras realmente
críticas passem a ter grande circulação no mercado nacional. Até
porque, se um filme global, de apelo comercial como “De pernas pro
ar 3” não consegue salas de exibição frente os filmes da Disney,
porque filmes críticos e nacionais teriam? O futuro próximo do
cinema brasileiro parece ser parecido com os do filmes do Cinema
marginal. Quem quiser fazer filmes, mais do nunca, berrará no
silêncio, na esperança que a história, um dia os redima, como o
fez com Sganzerla, Bressane e os marginais.
Referências:
Cinema:
Trajetória no subdesenvolvimento: Paulo Emilio Salles Gomes
Cinema,
estado e lutas culturais: José Mário Ortiz Ramos.
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