segunda-feira, 10 de julho de 2017

Os Olhos Sem Rosto

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Quando o filme “Os Olhos Sem Rosto” (1960) foi lançado, os críticos na época se dividiram e muitos não ficaram satisfeitos com o resultado. Houve preconceito primeiramente com o próprio gênero do horror e algumas resenhas apontaram o “mal gosto” do diretor Georges Franju, que acostumado a trazer uma crítica social em seus filmes, acabou fazendo um filme de um gênero não muito respeitado pela crítica na época. Franju defendeu sua obra alegando que queria justamente fazer com que esse gênero que é pouco levado a sério, fosse um pouco mais respeitado. Anos depois, agora com o status de clássico do cinema de horror, é evidente que o cineasta conseguiu o que queria.


Dr. Génessier é professor e um famoso cirurgião conhecido por seus experimentos e trabalhos com enxerto de pele. Christiane, sua filha, ficou desfigurada em um acidente de carro, ficando somente com seus os olhos intactos. Tentando reconstruir o rosto de sua filha, ele conta com a ajuda da enfermeira Louise, que sequestra moças parecidas com a jovem para que seu pai use a peles dos rostos das garotas para experiências com enxertos de pele em Christiane.


E é com esse enredo que poderia facilmente se transformar em um filme de terror, que retratasse as experiências do Dr. Génessier como as de um clássico cientista maluco, que podemos perceber que o longa opta por um caminho diversificado. Primeiramente “Os Olhos Sem Rosto” consegue capturar a humanidade de seus personagens, independente de seus atos. Temos um pai desesperado e ao mesmo tempo se sentindo culpado pelo acidente da filha (ele quem dirigia o carro na hora), ao mesmo tempo em que está ciente de suas atrocidades, mas que ainda assim necessita 

fazer suas experiências para ajudar Christiane. Louise também está dividida entre ajudar o médico, uma vez que ele também a ajudou ao reconstruir seu rosto sem deixar quase nenhuma cicatriz, e a culpa em ser a responsável por atrair as jovens mulheres até a casa do médico, com a promessa de mostrar um quarto de aluguel.

O filme é um grande poema de horror sobre a liberdade. Se Louise contempla um simples avião no céu, como metáfora da liberdade que almeja ao se ver livre em ter que ser responsável pela morte das jovens, Christiane é uma mulher frágil, tanto em suas expressões corporais (que também a deixam fantasmagórica), quanto na máscara que usa para esconder seu rosto desfigurado. A jovem mantém no quarto, pombas presas em gaiolas, simbolizando explicitamente sua própria prisão dentro da mansão. Até mesmo a janela aberta, que também frisa a ideia de estar livre, aprisiona a jovem quando a mesma vê seu rosto refletido no vidro. Cansada de tantas tentativas de seu pai em reconstruir seu rosto, a própria máscara que Christiane usa, parece expressar o que sente a personagem. Um misto de frustração e perda de fé, traz uma inexpressividade que se estende até Louise e o Dr. Génessier, que parecem às vezes anestesiados e ligados no automático ao realizarem suas atrocidades.


Christiane ainda mostra seu carinho com os animais. Seu pai mantém diversos cães presos para usá-los posteriormente em mais experiências com enxerto de pele. Em uma dessas visitas, a jovem começa a fazer carinho nos cães que parecem demostrar também um certo afeto com a personagem, diferente do seu pai que sempre evoca o latido dos animais com sua presença. Em uma cena, vemos Christiane “enclausurada” em uma jaula quando a câmera fica por dentro da mesma, dando a impressão da personagem estar presa. Mais uma vez o tema principal do filme (liberdade) é evocado através do visual.


Uma das cenas de destaque, é a cena da cirurgia em que é mostrada a retirada da pele de uma das vítimas do médico e sua assistente. A aflição que a cena evoca ao mostrar o bisturi cortando a pele por baixo, fez alguém na plateia desmaiar na época em que o filme foi lançado e até hoje pode causar desconforto em algumas pessoas. Mesmo que Franju não opte por uma abordagem da cena digna de um filme trash (no bom sentido) dos anos 80, ela tem uma elegância que consegue ao mesmo tempo impressionar, mesmo sem ser apelativa e sanguinolenta.


Todos esses aspectos ainda são capturados com a excelente fotografia de Eugen Schüfftan.  Nascido na Alemanha, Eugen foi um grande estudioso do expressionismo alemão e responsável pela criação da técnica chamada de Processo Schüfftan, que consistia em inserir a imagem dos atores com cenários em miniatura, dando a impressão de ambos serem uma coisa só no plano. O processo foi primeiramente usado no filme Metrópolis (1927), dirigido por Fritz Lang. A técnica viria a ser depois sucedida pelas "pinturas/projeções de fundo" e o chroma key.




Em “Olhos Sem Rosto”, Schüfftan cria uma fotografia totalmente em preto e branco em que em algumas cenas externas o fundo branco e acinzentado faz um belo contraste com os personagens em primeiro plano, que usam roupas escuras.


E nessa poesia cheia de horror sobre ser livre, que percebemos como Georges Granju estava certo ao fazer um filme que buscasse trazer seriedade a um gênero que com raras exceções consegue trazer profundidade e temas relevantes em seu enredo.

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