segunda-feira, 24 de julho de 2017

O Mínimo para Viver

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos

Lançado no dia 14 de julho, “O Mínimo para Viver” (To the Bone), foi produzido pela Netflix. Esse é o primeiro trabalho da produtora e diretora Marti Noxon, que só havia dirigido alguns episódios das séries “Girlfriends' Guide to Divorce” e “Buffy: A Caça Vampiros”. Estrelado por Lily Collins, o longa conta a história de Ellen, uma jovem que luta contra a anorexia e que acaba se internando em uma casa que abriga outros jovens com distúrbios alimentares. O lugar é coordenado pelo Dr. William Beckham (Keane Reeves), que usa métodos pouco convencionais para auxiliar os jovens.

Marti Noxon, diretora do longa



A primeira coisa que fica bem evidente na produção, é a forma da abordagem sobre um assunto sério e preocupante que afeta tantas pessoas pelo mundo: a anorexia. Diversos filmes já abordaram o tema a partir de um viés mais dramático e às vezes até mais didático para uma melhor compreensão e como forma de se combater o preconceito de quem pensa que a doença é algo de quem está querendo apenas chamar a atenção, ou coisa do tipo. Muitos programas de televisão, filmes e principalmente a internet já tiveram e têm um papel importante na abordagem da anorexia, porém já chegou o momento de uma mudança de abordagem, um diferencial, já que a informação já está bem mais acessível e as pessoas já estão mais conscientes do que se trata a doença.

É aí que entra “O Mínimo para Viver”, que com sua forma mais leve (e nem por isso menos séria) de falar sobre esse tema, consegue causar impacto e chamar a atenção para o problema de Ellen e dos outros personagens que vivem com ela na casa e também tentam se recuperar. Isso pareceu ter surpreendido muitas pessoas que esperavam uma forma talvez mais dramática do roteiro tratar do assunto. 



Não conhecemos Ellen como uma menina que descobre aos poucos sobre o que tem, passando por momentos em que ela precise esconder de todos a sua anorexia para depois de algum evento mais sério, ela tentar entender e aceitar que precisa se tratar e se curar. Esse argumento mais clássico foi também evitado no longa, substituído por uma personagem já ciente do que tem e que de alguma forma sente estar “no controle” da situação, ao mesmo tempo em que não refuta a tentativa de ajuda de seus familiares, que mesmo que bem-intencionados, ainda não compreendem totalmente a situação, ou até mesmo se mostram bem humanos para se desculparem e confessarem que simplesmente não conseguem aguentar a barra em lidar com a anorexia de Ellen.

Ainda sobre as relações, elas não servem em momento algum no filme como muleta para a recuperação de Ellen. Mesmo a promessa de um relacionamento futuro com o personagem de Luke (Alex Sharp) - um bailarino que também luta contra a anorexia e que não pode dançar no momento por conta de uma lesão no joelho – o roteiro não se apoia nisso por muito tempo, deixando a iniciativa de Ellen ao continuar o tratamento por conta de razões mais interiores da personagem, do que exteriores. 


As atuações estão impecáveis e o destaque está não só para Lily Collins, mas também para Lily Taylor, que interpreta a mãe de Ellen. Juntas as duas atrizes realizam umas das cenas mais bonitas do filme, que se no primeiro momento pode nos causar estranhamento, logo deixamos isso de lado por conta do impacto emocional que a cena traz nesse momento de reaproximação e de um pedido de desculpas. Esse mesmo filme que alcança momentos mais comoventes e sérios, também encontra momentos de humor sem nunca esquecer o que está acontecendo com Ellen, que se permite dar risada em um restaurante e se divertir enquanto mastiga e cospe a comida em um guardanapo.

Já sobre o tratamento controverso que é mencionado na sinopse, ele pareceu pouco desenvolvido e até pouco convincente no roteiro. A tentativa da personagem em se curar da anorexia acaba que mostrando um caso a parte que pode dar certo. Não que a clínica deveria ter uma resposta mágica para a superação da anorexia em todos os personagens que vivem na casa, mas os métodos pareceram muito livres, podendo trazer alguns malefícios dependendo de como cada personagem lida com a doença. 



Com uma abordagem mais leve e atual, “O Mínimo para Viver” não é sobre a recuperação completa de uma personagem com anorexia, mas sim sobre seu momento de entendimento de que precisa fazer alguma coisa, o mínimo para compreender de fato o que tem e se esforçar mais para um dia conseguir se curar. Mais do que respostas concretas, o longa é sobre a esperança de uma superação, o que já indica o mínimo para sobrevivermos. 






sexta-feira, 21 de julho de 2017

Dica de documentários: Rock’ roll - Parte 1


A música e o Rock’n Roll sempre despertaram a curiosidade e o imaginário dos fãs e do grande público no geral, não apenas pelo fato de ser contagiante e envolver as pessoas por seus ritmos e canções, mas também em torno dos ídolos que ganham status de grandes estrelas como as stars do cinema, criando verdadeiras lendas.
Além dos famosos e populares videoclipes que servem de recurso visual e meio de divulgação para as músicas aumentando a empatia do público e ajudando a configurar uma identidade estética de bandas e artistas, o que ganhou ainda mais popularidade nos anos 1980 com a MTV; passou-se a ser comum aumentar ainda mais a produção de imagens e vídeos produzidos para documentar o dia a dia dessas estrelas, acompanhando os shows, os processos criativos, desde gravações de discos a turnês, tudo isso acaba gerando material suficiente para poder dar aos fãs e a história mais informações sobre esses verdadeiros fenômenos musicais, contando até com importantes colaborações de diretores consagrados do cinema.
Pensando nisso separamos uma boa lista para você que curte ficar por dentro do que rola nos bastidores do mundo da música e do rock, e ainda aprecia um bom doc, segue abaixo a primeira parte das dicas para deixar qualquer fã do gênero documentário satisfeito.

1º - Cobain: Montage of Heck – (Brett Morgen, 2015)


O primeiro filme dessa lista é o “Cobain: Montage of Heck”, o longa fala sobre a vida e carreira conturbada de Kurt Cobain, e contou com a participação de Frances Bean a própria filha do músico na produção.
O documentário trás entrevista de pessoas que conviveram com Kurt durante sua vida como pais, amigos e parentes próximos além de personalidades do mundo da música, como os integrantes da extinta banda de Grunge Nirvana.
O grande destaque da produção fica por conta da montagem que da conta da efervescente vida de Kurt Cobain, sem perder o ritmo, incluindo trechos com belíssimas animações contendo de forma narrativas alguns momentos emblemáticos da trajetória de Cobain, que de certa forma ajudaram a compor a personalidade do líder e fundador do Nirvana.

Cobain: Montage of Heck
Cobain: Montage of Heck


O filme trás vários detalhes da infância e adolescência de Cobain, além de detalhes de seu relacionamento Courtney Love, no qual são exibidos vários vídeos caseiros do cantor em seu dia a dia, onde podemos ver facetas de sua depressão e seu envolvimento com drogas pesadas. O documentário tenta mostras de forma poética e regada a muita música a alma de Kurt Cobain, nos mostrando como sua vida pessoal e sua forma de ver o mundo impactaram em seu trabalho, de forma tão particular.

Cobain: Montage of Heck


Cobain: Montage of Heck


2º  - Blur No Distance Left To Run – (Dylan Southern, Will Lovelace, 2010)


O segundo filme da lista fala sobre a trajetória da banda britânica de rock alternativo Blur, que acendeu para o sucesso em meados dos anos 1990.

Blur - No Distance Left To Run  
O documentário traz entrevistas com os músicos da banda, trazendo detalhes da carreira, no qual são dividindo os momentos vividos por eles desde o principio na visão de cada um, deixando sempre bem claro o que o sucesso e música representavam em uma visão bem subjetiva. Já que boa parte do filme relata as crises vividas pelo Blur, tanto para se afirmarem como músicos e garantirem um espaço na cena do rock n’roll, como também as desavenças entre eles mesmos, o que acabou levando a banda para um grande hiato na carreira entre 2003 a 2009, para o desespero dos fãs.

Blur - No Distance Left To Run 

Blur No Distance Left To Run 
O filme acompanha a preparação para a apresentação da banda no festival de Glastonbury em 2009, o show decisivo na carreira do Blur, e que marcou o seu reencontro com o seu público que permaneceu fiel depois do tempo que a banda precisou dar.

A apresentação acabou virando o DVD da banda intitulado “No Distance Left To Run”  o mesmo nome de um single do terceiro álbum do Blur.
Umas das cenas mais marcantes do documentário é a comoção do público que acaba contagiando a banda no final da apresentação da música “Tender”, o que provavelmente deu o gás que o Blur precisava para reencontrar o seu caminho

Blur - No Distance Left To Run 









Blur - No Distance Left To Run 
O filme acaba assumindo uma postura quase melancólica e emocional, com as alternâncias entre as entrevistas e as imagens de arquivo além das canções da banda, porém isso ajuda expor a personalidade da do Blur, que conseguiu imprimir a sua marca no cenário alternativo, e acabou virando a referência e inspiração para outras bandas do mesmo estilo.

Blur - No Distance Left To Run 






quarta-feira, 19 de julho de 2017

Cinédia, o início da chanchada e Orson Welles

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

A Cinédia foi uma produtora de filmes fundada pelo jornalista Adhemar Gonzaga no Rio de Janeiro no ano de 1930. A produtora foi a primeira no país responsável por inaugurar um modelo de estúdio que buscava uma estrutura muito semelhante à dos estúdios europeus e hollywoodianos. Em 1926 a revista Cinearte, criada por Gonzaga e Mário Behring, foi fundamental para a estratégia de implantação, anunciando uma atualização técnica e estética do cinema brasileiro.


Inaugurada em 15 de março, o estúdio produziu três filmes muito importantes: “Lábios sem beijos” (1930, Humberto Mauro), “Mulher” (1931, Otávio Gabus Mendes) e “Ganga Bruta” (1933, Humberto Mauro). A Cinédia se destacava pela qualidade técnica e pelos temas mais ousados, como a condição da mulher, um pouco de erotismo e o modelo de vida dos jovens de classe média no início do Estado Novo de Getúlio Vargas.

Lábios sem beijos (1930)

“Limite” (1931, Mário Peixoto), um dos grandes filmes já feitos no Brasil, nunca foi lançado comercialmente, mas foi apresentado pela Cinédia em uma sessão privada no Chaplin Club do Rio de Janeiro. Como o cinema pelo mundo já não era mais mudo, a Cinédia logo tratou de recuperar o atraso e lançou em 1933 “A Voz do Carnaval”, dirigido por Adhermar Gonzaga e Humberto Mauro. Foi então lançado o produto que logo seria a grande marca da produtora: o “musicarnavalesco” (ancestral das chanchadas na Atlântida, outra produtora de importância no país, mas que só seria inaugurada em 1941). Esses filmes traziam músicas que eram cantadas e dançadas sobre um fundo de carnaval, permitindo assim a experimentação dos efeitos sonoros e uma adequação tecnológica. Os temas traziam sátiras dos fatos contemporâneos.

Lançado em 1935, “Alô, alô, Carnaval” contava com Carmem Miranda no papel principal. O filme aproximou a Cinédia do grande público e se tornou um grande sucesso, caindo nas graças dos brasileiros. “Bonequinha de Seda” (Oduvaldo Viana, 1936) foi outro sucesso, fazendo com que a virada técnica e artística do estúdio não ficasse atrás de sucessos hollywoodianos. O longa trazia cenários e figurinos suntuosos e atores com grande experiência no teatro. Uma curiosidade: “Bonequiha de Seda” foi o primeiro filme brasileiro a fazer uso de uma grua em uma sequência. 

Alô, alô, Carnaval (1935)

“Pureza” (1940, Chianca de Garcia) é a produção mais ambiciosa da Cinédia. Com Procópio Ferreira no papel principal, o longa contou com vários cenários e uma estação de trem recriada em estúdio. A crítica massacrou o filme e chamou a produção do português Chianca Garcia de pretensiosa. Os gastos do longa praticamente esgotaram os recursos da produtora, além de uma grave crise na distribuição no final de 1941. Com isso os estúdios são fechados e as produções são interrompidas.

Em 1942 os estúdios abrem novamente, mas para a filmagem de cenas internas de um filme americano dirigido por Orson Welles. A Cinédia então tem seus estúdios alugados para a produção de “É Tudo Verdade”, filmes em três partes que teriam duas delas filmadas no Brasil e a outra no México. A parte intitulada “Carnaval” se passava no Rio de Janeiro e a praça Onze foi recriada em estúdio. A outra parte se chamava “Quatro homens numa jangada”, e se inspirava na história verídica dos pescadores do Ceará que viajaram até o Rio de Janeiro em uma frágil embarcação. O filme teve suas filmagens iniciadas, mas nunca finalizadas. Um dos protagonistas do longa morreu afogado na baía de Guanabara. Welles tentou terminar o filme, mas forças adversas venceram o cineasta, que decidiu abandonar o projeto.

Adhemar Gonzaga ainda lança mais dois filmes, mas o estúdio é encerrado de vez. Exilada desde 1957 em Jacarepaguá, serviu para a filmagem de alguns filmes B americanos. Alice Gonzaga, filha de Adhemar, se recusa a fechar os estúdios e sonha em transformá-los em um museu do cinema. Muitos arquivos se perderam depois de uma enchente em 2001.

Alice Gonzaga



segunda-feira, 10 de julho de 2017

Os Olhos Sem Rosto

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo

Quando o filme “Os Olhos Sem Rosto” (1960) foi lançado, os críticos na época se dividiram e muitos não ficaram satisfeitos com o resultado. Houve preconceito primeiramente com o próprio gênero do horror e algumas resenhas apontaram o “mal gosto” do diretor Georges Franju, que acostumado a trazer uma crítica social em seus filmes, acabou fazendo um filme de um gênero não muito respeitado pela crítica na época. Franju defendeu sua obra alegando que queria justamente fazer com que esse gênero que é pouco levado a sério, fosse um pouco mais respeitado. Anos depois, agora com o status de clássico do cinema de horror, é evidente que o cineasta conseguiu o que queria.


Dr. Génessier é professor e um famoso cirurgião conhecido por seus experimentos e trabalhos com enxerto de pele. Christiane, sua filha, ficou desfigurada em um acidente de carro, ficando somente com seus os olhos intactos. Tentando reconstruir o rosto de sua filha, ele conta com a ajuda da enfermeira Louise, que sequestra moças parecidas com a jovem para que seu pai use a peles dos rostos das garotas para experiências com enxertos de pele em Christiane.


E é com esse enredo que poderia facilmente se transformar em um filme de terror, que retratasse as experiências do Dr. Génessier como as de um clássico cientista maluco, que podemos perceber que o longa opta por um caminho diversificado. Primeiramente “Os Olhos Sem Rosto” consegue capturar a humanidade de seus personagens, independente de seus atos. Temos um pai desesperado e ao mesmo tempo se sentindo culpado pelo acidente da filha (ele quem dirigia o carro na hora), ao mesmo tempo em que está ciente de suas atrocidades, mas que ainda assim necessita 

fazer suas experiências para ajudar Christiane. Louise também está dividida entre ajudar o médico, uma vez que ele também a ajudou ao reconstruir seu rosto sem deixar quase nenhuma cicatriz, e a culpa em ser a responsável por atrair as jovens mulheres até a casa do médico, com a promessa de mostrar um quarto de aluguel.

O filme é um grande poema de horror sobre a liberdade. Se Louise contempla um simples avião no céu, como metáfora da liberdade que almeja ao se ver livre em ter que ser responsável pela morte das jovens, Christiane é uma mulher frágil, tanto em suas expressões corporais (que também a deixam fantasmagórica), quanto na máscara que usa para esconder seu rosto desfigurado. A jovem mantém no quarto, pombas presas em gaiolas, simbolizando explicitamente sua própria prisão dentro da mansão. Até mesmo a janela aberta, que também frisa a ideia de estar livre, aprisiona a jovem quando a mesma vê seu rosto refletido no vidro. Cansada de tantas tentativas de seu pai em reconstruir seu rosto, a própria máscara que Christiane usa, parece expressar o que sente a personagem. Um misto de frustração e perda de fé, traz uma inexpressividade que se estende até Louise e o Dr. Génessier, que parecem às vezes anestesiados e ligados no automático ao realizarem suas atrocidades.


Christiane ainda mostra seu carinho com os animais. Seu pai mantém diversos cães presos para usá-los posteriormente em mais experiências com enxerto de pele. Em uma dessas visitas, a jovem começa a fazer carinho nos cães que parecem demostrar também um certo afeto com a personagem, diferente do seu pai que sempre evoca o latido dos animais com sua presença. Em uma cena, vemos Christiane “enclausurada” em uma jaula quando a câmera fica por dentro da mesma, dando a impressão da personagem estar presa. Mais uma vez o tema principal do filme (liberdade) é evocado através do visual.


Uma das cenas de destaque, é a cena da cirurgia em que é mostrada a retirada da pele de uma das vítimas do médico e sua assistente. A aflição que a cena evoca ao mostrar o bisturi cortando a pele por baixo, fez alguém na plateia desmaiar na época em que o filme foi lançado e até hoje pode causar desconforto em algumas pessoas. Mesmo que Franju não opte por uma abordagem da cena digna de um filme trash (no bom sentido) dos anos 80, ela tem uma elegância que consegue ao mesmo tempo impressionar, mesmo sem ser apelativa e sanguinolenta.


Todos esses aspectos ainda são capturados com a excelente fotografia de Eugen Schüfftan.  Nascido na Alemanha, Eugen foi um grande estudioso do expressionismo alemão e responsável pela criação da técnica chamada de Processo Schüfftan, que consistia em inserir a imagem dos atores com cenários em miniatura, dando a impressão de ambos serem uma coisa só no plano. O processo foi primeiramente usado no filme Metrópolis (1927), dirigido por Fritz Lang. A técnica viria a ser depois sucedida pelas "pinturas/projeções de fundo" e o chroma key.




Em “Olhos Sem Rosto”, Schüfftan cria uma fotografia totalmente em preto e branco em que em algumas cenas externas o fundo branco e acinzentado faz um belo contraste com os personagens em primeiro plano, que usam roupas escuras.


E nessa poesia cheia de horror sobre ser livre, que percebemos como Georges Granju estava certo ao fazer um filme que buscasse trazer seriedade a um gênero que com raras exceções consegue trazer profundidade e temas relevantes em seu enredo.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

Impressionismo Francês e um dos primeiros filmes feministas do cinema

Texto de: Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo 

Após a Primeira Guerra Mundial, o cinema francês foi muito prejudicado. Com dois grandes estúdios (Pathé e Gaumont) controlando o circuito, a França também se viu dominada por produções americanas que ganhavam cada vez mais o público, fazendo com que os franceses assistissem oito vezes mais filmes hollywoodianos do que a filmes franceses. Isso fez com que as produções francesas começassem a imitar os gêneros e métodos das produções americanas. 


Mas eis que surgem um novo grupo de diretores que resolveu ir contra à produção de filmes comerciais. Abel Gance, Louis Delluc, Germaine Dulac, Marcel L’Herbier e Jean Epstein, eram completamente diferentes de sua geração anterior de cineastas, e através de diversos ensaios, proclamavam que o cinema é uma arte comparável a poesia, pintura, música e literatura. Eles defendiam também que a sétima arte deveria ser algo puro, existindo por si só e não uma arte que simplesmente derivou da literatura e do teatro. 

Germaine Dulac

Entre 1918 e 1928, surge uma série de filmes que davam às narrativas uma profundidade psicológica. Havia uma tentativa em capturar a percepção do mundo real de seus personagens através de fortes elementos visuais que caracterizavam tal entendimento desse mundo. Esses novos cineastas eram influenciados pela pintura impressionista de Claude Monet e Camille Pissarro, e pela literatura de Charles Baudelaire.

Entre filmes como “A Roda” (La Rou, 1923) e “Napoleão” (Napoleón, 1927), “A Sorridente Senhora Beudet (La souriante Madame Beudet, 1923), foi dirigido por Germaine Dulac e é considerado um dos primeiros filmes feministas da história do cinema. A sinopse é simples: uma mulher casada com um empresário do ramo têxtil, se sente entediada com seu casamento monótono, uma vez que seu marido parece pouco se importar com ela. Mesmo com uma narrativa simples e poucas reviravoltas, Dulac manipula o tempo em favor da personagem que fica constantemente dentro de casa enquanto as horas passam. 


Seus sentimentos e desejos são levados em total consideração pela cineasta, criando cenas bem interessantes. Distorções simbolizam a raiva de Beudet, enquanto que uma gaze colocada na frente da lente da câmera, faz com que a protagonista ganhe um ar de sonhadora. Uma imagem em câmera lenta, também ganha outro status na narrativa, ao retratar os devaneios da mulher. Tudo isso era para colocar o público no lugar da protagonista. Vale citar que o movimento impressionista francês, também abarcava as ideias de Sigmund Freud para dentro do cinema. Em “A Sorridente Senhora Beudet”, temos uma elevação do sentir da personagem que se sobrepõe à uma narrativa de simples acontecimentos e ações. Germaine consegue dar voz e uma atenção psicológica à uma personagem feminina. Isso talvez explique como o cinema francês se destaca tão bem na forma como constrói seus personagens.


Quanto ao movimento impressionista francês, seus filmes começaram a ter um gasto cada vez mais alto (como “Napoleão” que com um enorme orçamento, fez com que o diretor Abel Gance perdesse sua independência), assim como essa forma de representar o olhar do personagem através do olhar do público, teria se tornado algo fugaz para o espectador. Essa forma inovadora e cheia de experimentos acabou também por desinteressar o público mais de massa e caiu no gosto apenas da elite francesa. Outro fator que ajudou no declínio do movimento, foi a chegada do som, que fez com que os gastos fossem todos para a grande novidade do momento, fazendo com que estúdios investissem cada vez menos nos filmes impressionistas.

Mesmo assim, o legado deixado por esses jovens cineastas influenciou o cinema pelo mundo, como nos trabalhos de Hitchcock e Maya Deren. O cinema soviético também mostrou interesse pelo movimento, em especial o cinema de Eisenstein, que fazia uso de movimentos acelerados em seus filmes, que também se originaram do impressionismo francês. O mesmo acorreu com os clipes musicais na década de 80, cuja movimentação acelerada também pode ser notada.      


Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

  O aspecto mais interessante em Vidas nuas é a fluidez como a cidade de São Paulo é filmada, desde seu primeiro plano quando temos acesso ...