Texto : Tarcísio Paulo Dos Santos
Sucesso de bilheteria, mas nem tanto de crítica, “Sangue de
Pantera” (Cat People) ficou por muito tempo nos cinemas quando foi lançado em
1942. Isso permitiu que os críticos pudessem rever o filme e assim perceber que
haviam sido severos demais na avaliação. Com o passar dos anos o longa dirigido
por Jacques Tourneur e produzido por Val Lewton ganhou status de filme cult e
virou um grande clássico do horror, circulando por diversas listas como na de
“1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer” de Steven Schneider.
Vale a pena comentar sobre a importância de Lewton para o
cinema de horror. Se a Universal já dominava esse gênero na década de 30 com
clássicos como “Frankenstein” e “Drácula”, ambos de 1931, a RKO Pictures se
destacava com filmes que produzidos por Lewton, eram capazes de criar boas
histórias com um orçamento apertadíssimo. Os diretores da RKO faziam filmes em
que o espectador podia conferir uma atmosfera sugestiva, mantendo muitas vezes
o monstro escondido do público e disfarçando elementos dos cenários com
sombras.
“Sangue de Pantera” conta a história de Irene Dubrovna (Simone
Simons), nascida na Sérvia e recém-chegada aos Estados Unidos. Sozinha e sem
amigos, a jovem trabalha fazendo desenhos de moda até que um dia conhece Oliver
Reed (Kent Smith), que trabalha em um escritório de arquitetura. Os dois se
apaixonam rapidamente, porém uma maldição impede que a relação do casal alcance
um grau maior de intimidade. Irena é assombrada por um conto de seu país que
narra a lenda de como as pessoas de sua aldeia (em sua maioria bruxas e adoradores
do diabo) teriam a capacidade de se transformarem em panteras quando se veem
tomadas por fortes emoções, como raiva, ciúmes e excitação.
O filme traz muito elementos visuais que reafirmam a conexão
da protagonista com a possível maldição e com a impossibilidade de sua relação
com Oliver ter futuro. Mesmo causando intimidação aos animais, a protagonista
gosta de ficar no zoológico da cidade, especialmente perto da jaula de uma
pantera que vive enjaulada no lugar. O encontro com Oliver acontece justamente
nesse local, onde a jovem faz um desenho do animal e acaba rasgando por não
acreditar que tenha ficado bom. O vento faz com que as partes da ilustração se
unam novamente, formando o desenho da fera.
Mesmo Oliver sabendo da maldição, ele não acredita em Irene.
A mulher por outro lado se vê constantemente angustiada e oprimida, como quem
está constantemente se policiando para esconder algo. Isso é refletido nas
sombras que aparecem em seu apartamento com muita frequência durante o filme.
Oliver tem o papel de algumas vezes abrir cortinas ou acender o abajur, como
que uma tentativa de trazer luz para a vida de sua noiva. A própria personagem
diz preferir a escuridão ao dizer: “Eu gosto da escuridão, é amigável". Os
sons vindos do zoológico e que podem ser ouvidos do apartamento de Irene também
não a incomodam, resultando em como todos esses elementos parecem fazer parte
da natureza da personagem.
Outros fatores que sutilmente mostram a dificuldade do casal
podem ser conferida em alguns enquadramentos em que ambos ficam separados, como
em uma cena em que uma porta divide Irene e Oliver ou quando um biombo também
parecer dividi-los.
A morte do pássaro que foi dado de presente a Irene por
Oliver e o gato que se esquiva da protagonista vão reforçando mais a maldição
que parece impregnar a mulher. Até o próprio figurino da personagem tem um peso
nisso. Irene usa várias vezes durante o filme, um casaco preto que a faz
parecer uma pantera negra, como a vista na jaula do zoológico, assim como as
sacadas do prédio onde vive parecerem grades que a “enjaulam”.
Chega o momento em que a narrativa coloca a situação de Irene
através do lado mais racional. A protagonista passa a buscar ajuda médica para
o seu problema em não conseguir se relacionar intimamente com Oliver,
acreditando estar amaldiçoada. Ciência e sobrenatural são colocados frente a
frente, porém o Dr. Louis Judd (Tom Conway) sente que Irene não está sendo 100%
franca com ele, o que estaria prejudicando seu tratamento. Além disso, a
personagem resolve que frequentar mais às sessões do Dr. Judd, escondendo o
fato de Oliver.
A narrativa de “Sangue de Pantera” fica ainda mais
interessante com a introdução do suspense, que é um dos pontos altos do filme.
Com Irene se tornando uma pessoa cada vez mais ciumenta e incomodada com a
amizade de Oliver e Alice Moore (Jane Randolph), melhor amiga e colega de
trabalho de seu noivo, a narrativa ganha contornos de horror e suspense quando
Alice passa a ser seguida por Irene, criando um desconforto psicológico para a
personagem e para o próprio público.
Com pouco fôlego depois dessa cena, logo estamos diante de
outra cena que também é eficaz na construção do suspense. Alice dessa vez está
na piscina quando parece ouvir o som do rugido de uma pantera. Assustada, ela
começa a gritar. A câmera então nos mostra as paredes e o teto do lugar sem
nunca mostrar nada concreto. Depois do susto, Irene surge como se nada tivesse
ocorrido.
Mesmo que nunca vemos Irene se transformando em uma pantera e
apenas relances do animal, “Sangue de Pantera” alcança sua atmosfera de medo,
com sombras, sons offscreen e com as reações dos personagens. Ainda que pareça
quase certo de que a personagem realmente esteja amaldiçoada, há espaço para
outras interpretações. Ainda assim podemos entender que a pantera pode ser
entendida como uma metáfora no que diz respeito a uma forma que a protagonista
encontra de pôr para fora sua raiva e ciúmes, situação essa que sempre fez com que
Irene estivesse ciente de sua fúria e por consequência disso tivesse receio de
se relacionar com as pessoas.
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