quinta-feira, 13 de abril de 2017

Sangue de Pantera

Texto : Tarcísio Paulo Dos Santos 

Sucesso de bilheteria, mas nem tanto de crítica, “Sangue de Pantera” (Cat People) ficou por muito tempo nos cinemas quando foi lançado em 1942. Isso permitiu que os críticos pudessem rever o filme e assim perceber que haviam sido severos demais na avaliação. Com o passar dos anos o longa dirigido por Jacques Tourneur e produzido por Val Lewton ganhou status de filme cult e virou um grande clássico do horror, circulando por diversas listas como na de “1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer” de Steven Schneider.


Vale a pena comentar sobre a importância de Lewton para o cinema de horror. Se a Universal já dominava esse gênero na década de 30 com clássicos como “Frankenstein” e “Drácula”, ambos de 1931, a RKO Pictures se destacava com filmes que produzidos por Lewton, eram capazes de criar boas histórias com um orçamento apertadíssimo. Os diretores da RKO faziam filmes em que o espectador podia conferir uma atmosfera sugestiva, mantendo muitas vezes o monstro escondido do público e disfarçando elementos dos cenários com sombras. 


“Sangue de Pantera” conta a história de Irene Dubrovna (Simone Simons), nascida na Sérvia e recém-chegada aos Estados Unidos. Sozinha e sem amigos, a jovem trabalha fazendo desenhos de moda até que um dia conhece Oliver Reed (Kent Smith), que trabalha em um escritório de arquitetura. Os dois se apaixonam rapidamente, porém uma maldição impede que a relação do casal alcance um grau maior de intimidade. Irena é assombrada por um conto de seu país que narra a lenda de como as pessoas de sua aldeia (em sua maioria bruxas e adoradores do diabo) teriam a capacidade de se transformarem em panteras quando se veem tomadas por fortes emoções, como raiva, ciúmes e excitação.

O filme traz muito elementos visuais que reafirmam a conexão da protagonista com a possível maldição e com a impossibilidade de sua relação com Oliver ter futuro. Mesmo causando intimidação aos animais, a protagonista gosta de ficar no zoológico da cidade, especialmente perto da jaula de uma pantera que vive enjaulada no lugar. O encontro com Oliver acontece justamente nesse local, onde a jovem faz um desenho do animal e acaba rasgando por não acreditar que tenha ficado bom. O vento faz com que as partes da ilustração se unam novamente, formando o desenho da fera.


Mesmo Oliver sabendo da maldição, ele não acredita em Irene. A mulher por outro lado se vê constantemente angustiada e oprimida, como quem está constantemente se policiando para esconder algo. Isso é refletido nas sombras que aparecem em seu apartamento com muita frequência durante o filme. Oliver tem o papel de algumas vezes abrir cortinas ou acender o abajur, como que uma tentativa de trazer luz para a vida de sua noiva. A própria personagem diz preferir a escuridão ao dizer: “Eu gosto da escuridão, é amigável". Os sons vindos do zoológico e que podem ser ouvidos do apartamento de Irene também não a incomodam, resultando em como todos esses elementos parecem fazer parte da natureza da personagem.


Outros fatores que sutilmente mostram a dificuldade do casal podem ser conferida em alguns enquadramentos em que ambos ficam separados, como em uma cena em que uma porta divide Irene e Oliver ou quando um biombo também parecer dividi-los. 


A morte do pássaro que foi dado de presente a Irene por Oliver e o gato que se esquiva da protagonista vão reforçando mais a maldição que parece impregnar a mulher. Até o próprio figurino da personagem tem um peso nisso. Irene usa várias vezes durante o filme, um casaco preto que a faz parecer uma pantera negra, como a vista na jaula do zoológico, assim como as sacadas do prédio onde vive parecerem grades que a “enjaulam”. 

Chega o momento em que a narrativa coloca a situação de Irene através do lado mais racional. A protagonista passa a buscar ajuda médica para o seu problema em não conseguir se relacionar intimamente com Oliver, acreditando estar amaldiçoada. Ciência e sobrenatural são colocados frente a frente, porém o Dr. Louis Judd (Tom Conway) sente que Irene não está sendo 100% franca com ele, o que estaria prejudicando seu tratamento. Além disso, a personagem resolve que frequentar mais às sessões do Dr. Judd, escondendo o fato de Oliver.

A narrativa de “Sangue de Pantera” fica ainda mais interessante com a introdução do suspense, que é um dos pontos altos do filme. Com Irene se tornando uma pessoa cada vez mais ciumenta e incomodada com a amizade de Oliver e Alice Moore (Jane Randolph), melhor amiga e colega de trabalho de seu noivo, a narrativa ganha contornos de horror e suspense quando Alice passa a ser seguida por Irene, criando um desconforto psicológico para a personagem e para o próprio público.

Na rua a mulher está indo em direção ao ponto de ônibus enquanto sente que está sendo seguida. Planos detalhe dos pés de Irene e Alice vão sendo intercalados enquanto a cena nos é apresentada sem música, valorizando apenas o silêncio e os sons de passos de ambas as personagens. A suspensão do tempo também é importantíssima nessa cena, que prolonga um possível ataque que poderá ser sofrido por Alice. Sem esperarmos, tanto nós quanto a personagem, o som do ônibus (parecido com o de uma pantera rugindo) freia para que Alice possa subir nele. Essa técnica de criar uma tensão de forma lenta para no final um susto nos fazer pensar que algo ruim irá acontecer, foi batizada de “Lewton Bus”, levando o nome do produtor do filme e sendo usada posteriormente em diversos outros filmes.  



Com pouco fôlego depois dessa cena, logo estamos diante de outra cena que também é eficaz na construção do suspense. Alice dessa vez está na piscina quando parece ouvir o som do rugido de uma pantera. Assustada, ela começa a gritar. A câmera então nos mostra as paredes e o teto do lugar sem nunca mostrar nada concreto. Depois do susto, Irene surge como se nada tivesse ocorrido. 





Mesmo que nunca vemos Irene se transformando em uma pantera e apenas relances do animal, “Sangue de Pantera” alcança sua atmosfera de medo, com sombras, sons offscreen e com as reações dos personagens. Ainda que pareça quase certo de que a personagem realmente esteja amaldiçoada, há espaço para outras interpretações. Ainda assim podemos entender que a pantera pode ser entendida como uma metáfora no que diz respeito a uma forma que a protagonista encontra de pôr para fora sua raiva e ciúmes, situação essa que sempre fez com que Irene estivesse ciente de sua fúria e por consequência disso tivesse receio de se relacionar com as pessoas.  
     









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