domingo, 24 de novembro de 2019

Crítica: A Camareira (pode conter spoilers)




A Camareira (La Camarista, 2019) é o primeiro filme de Lila Avilés. O longa foi selecionado pelo México para competir na categoria de Melhor Longa-Metragem Estrangeiro na 92ª festa do Oscar.


A história acompanha o dia a dia de Eve (Gabriela Cartol), que trabalha em um dos hotéis mais luxuosos do México. Todos os dias a mulher é responsável pelo vigésimo primeiro andar onde troca roupas de cama, limpa banheiros e deixa shampoos, sabonetes e toalhas nas suítes.

Dentro de uma estrutura narrativa que desdramatiza todo o filme, observamos Eve quase sempre trabalhando e estudando dentro do próprio hotel, através de um programa fornecido pelo próprio lugar para que seus funcionários retomem os estudos. Lá ela tem alguns colegas de sala e entre eles, ela conhece Miriam (Teresa Sánchez), uma mulher que sempre que pode, ajuda Eve na limpeza de algum quarto.

Reservada, a personagem tem como objetivo duas coisas: a primeira é conseguir ganhar um vestido vermelho que foi esquecido por uma hóspede do hotel. Eve costuma passar pelo setor de “achados e perdidos” para checar se alguém veio pegar a peça de volta. Caso não apareça ninguém depois de um determinado tempo, a roupa será dela. Seu segundo objetivo e o principal deles, é sair do 21º andar e ir para 42º, onde costumam se hospedar pessoas importantes com altos cargos em empresas e no governo.



Nessa estrutura sem grandes conflitos, ficamos atentos nas pequenas ações do dia a dia da protagonista. Os eventos presentes na narrativa, servem como forma de análise de um mundo competitivo e cheio de interesses, além de um interessante estudo de nossa personagem principal. A humanização de Eve passa por questões tanto de sua maternidade quanto de sua própria sexualidade, tudo dentro do hotel, que ao mesmo tempo em que se trata do trabalho da personagem, é nesse mesmo lugar que Eve está “aprisionada” e o espectador tem apenas esse mundo dentro do trabalho da protagonista para analisar os principais aspectos de sua vida.

A fotografia desse mundo em que está inserida Eve, faz muito o uso de câmeras estáticas e cores brancas e acinzentadas. Curioso como o hotel sendo um dos mais conceituados na história e frequentados por classes altas, ganha um design de produção monótono e pouco convidativo, representando exatamente seu significado na vida da camareira.

A gentileza da mulher que toma conta do vestiário onde os funcionários do hotel tomam banho e trocam de roupa, carrega sempre a intenção de vender Tupperware ou cremes para as mãos. E o que dizer da hóspede argentina que cria um “laço” com Eve quando pede para que ela cuide seu filho enquanto ela vai tomar banho ou se depilar. A forma amigável e gentil da mulher também esconde seus interesses. Até mesmo Miriam em um primeiro momento, insiste para que Eve compre um brinquedo que ela está vendendo, logo quando surge essa “amizade” entre as duas.



São nesses momentos em que podemos descobrir mais de Eve, que precisa pagar alguém para cuidar de seu filho enquanto ela trabalha no hotel. Enquanto cuida do filho da hóspede argentina, fica claro a alegria da personagem em ficar com a criança, simbolizando o tempo que não teve para ficar com seu próprio filho.

Até o flerte (depois de Eve primeiramente recusar) entre a personagem e um funcionário encarregado de limpar os vidros das janelas do hotel, acontece de forma curiosa. Um strip-tease feito por Eve acontece em um dos quartos vazios enquanto o homem observa tudo do lado de fora no andaime enquanto trabalha. Tudo é distante e o vidro parece lembrar o distanciamento da camareira de seu mundo privado, e nesse caso da sua própria vontade de exercer sua sexualidade. Tudo em prol de sempre trabalhar para dar uma vida melhor para ela e seu filho. As janelas do hotel costumam aparecer muito no filme, também reforçando a possibilidade de algo fora do hotel, como quando Eve às vezes olha a vista lá fora de dentro dos quartos.



Depois de algumas decepções que refletem bem a competição e as injustiças no trabalho e  a pouca importância do hotel com um futuro melhor para os seus funcionários, Eve é obrigada a se contentar apenas com seu tão sonhado vestido, que agora já não é mais importante para a protagonista. É como se a personagem tivesse despertado para algo, que resulta na única cena em que vemos Eve do lado de fora do hotel: em cima de um heliponto olhando para o céu, como se pudesse finalmente respirar melhor.

O destino de Eve é ambíguo. Tudo o que vimos pode nos ter levado a crer que a personagem não será mais a mesma e que o despertar de sua consciência dentro do grande hotel, fará com que a mulher busque outros caminhos além das enormes janelas. Uma visão mais pessimista nos fará enxergar tudo o que presenciamos, apenas mais uma fatia de vida de uma camareira de um hotel luxuoso.

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