domingo, 28 de julho de 2019

Na Netflix: Temporada - as mudanças vistas onde "nada acontece"




André Novais de Oliveira é diretor, produtor executivo, roteirista e sócio fundador da Filmes de Plástico, produtora audiovisual que fica em Contagem, Minas Gerais. A criação da produtora acontece em 2009 em uma parceria com Gabriel e Maurílio Martins, e Thiago Macedo Correia. André é formado em cinema pela Escola Livre de Cinema e graduado em história pela PUC-Minas. Além de realizar pesquisas sobre história do cinema desde 2006, o cineasta dirigiu os filmes Fantasmas (2011), Ela Volta na Quinta (2014) e Quintal (2015).

Temporada (2018), seu mais novo trabalho, foi vencedor do prêmio de melhor filme no último Festival de Brasília. A história gira em torno de Juliana (Grace Passô), que acaba de se mudar de Itaúna para a periferia de Contagem, para trabalhar no combate a endemias na região. No novo emprego, ela conhece novas pessoas e vive situações enquanto espera o marido sair do trabalho para também se mudar para a nova cidade.

Temporada é um filme que impressiona por sua naturalidade, fazendo com que nós também estejamos lá com os personagens e não apenas assistindo a um filme. O Longa não precisa ser só assistido, mas também contemplado. O ritmo é lento, assim como costumam ser algumas mudanças em nossas vidas. A evolução da personagem principal se dá por pequenos grandes momentos que até mesmo os personagens secundários não estão cientes do que está acontecendo com Juliana.


Nossa protagonista é uma mulher que não gosta muito de falar sobre sua vida, mesmo que ao mesmo tempo ela esteja aberta para conhecer novas pessoas no trabalho e interagir com elas. O espectador é a única testemunha dos problemas e aborrecimentos presentes na vida da personagem. As cenas expositivas que Juliana tem com a prima, são pontuais e suficientes para sabermos mais sobe essa mulher. Depois disso, cenas que dispensam diálogos são mais que suficientes para entendermos o que está acontecendo.

Em uma outra cena importante, Juliana apenas diz: “Sei como é”, quando outra personagem (também negra) conta sobre um dia em que se sentiu discriminada na frente dos amigos do ex-marido. São em momentos como esse, que o filme também aborda questões como machismo e racismo, sempre mantendo a simplicidade dentro de um cotidiano em que “nada parece acontecer”, mas que é perceptível o impacto que isso traz em Juliana.

Tudo isso se desenvolve na rotina dos personagens indo de casa em casa para averiguar possíveis focos de dengue nos bairros e comunidades de Contagem. A relação dos agentes com os moradores também é retratada no longa, que consegue um fiel retrato da periferia de Contagem, seus problemas, mas também a forma acolhedora com que recebe os agentes de saúde.



Se você gosta de filmes mais contemplativos e que buscam explorar seus personagens de uma forma lenta, mas ao mesmo tempo evolutiva através de sutilezas que fazem a diferença, vá correndo ver Temporada na Netflix.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

As mãos do povo operando uma câmera: História do Brasil e cinema brasileiro




Como estudante do cinema brasileiro não tem como as últimas declarações do atual presidente não afetarem-me de alguma forma. O cheiro da censura insinua-se mas não surpreende essa pessoa que vos escreve, que além de acreditar num pessimismo cósmico, também tem tentado saber mais sobre a história do Brasil. História do Brasil e cinema brasileiro inclusive tem uma íntima e difícil relação sendo que este último, por muitas vezes, tentou ser o espelho fiel das tensões e tendências do primeiro.

O nascimento do cinema brasileiro é emblema de nosso subdesenvolvimento e vocação para colônia. A primeira filmagem da baia de Guanabara feita por mãos de imigrantes italianos mostra que foram sempre as mãos estrangeiras que operaram e dominaram o que é de mais novo e desenvolvido nesse país. Não que a mais alta cultura não tenha sido criada pelo povo, vide o samba de Cartola e tudo o mais. Porém o cinema como arte da técnica tem o seu desenvolvimento sabotado em nosso país, justamente porque as mãos do povo dificilmente operaram uma câmera. Essa triste imagem nos ajuda a entender o papel marginal do cinema que volta a aparecer em nosso horizonte. A marginalidade do cinema brasileiro e de quem faz cinema no Brasil tem tudo a ver com essa imagem evocada, porque a câmera sempre esteve nas mãos do estrangeiro.
É claro que falo desse modo do ponto de vista estrutural. Novamente, afirmo, o mais alto cinema foi feito nessas terras com Glauber, Sganzerla, Nelson Pereira dos Santos e afins, mas estruturalmente, a dependência econômica geral do país refletiu no cinema, como não poderia ser diferente. Então, o cineasta brasileiro vive um drama, vive em crise constante. Nos anos 60, o debate do cinema nacional voltava-se para a relação entre a construção de uma indústria cinematográfica nacional, incentivada pelo estado que ao mesmo tempo respeitasse a liberdade do cinema autoral. Com o advento da ditadura militar, os cineastas brasileiros viram todas as suas esperanças ruírem para depois verem o seu maior sonho tomar forma de uma maneira degradada.
O nascimento da Embrafilme sedimenta esse momento no qual o estado toma para si a responsabilidade de financiar o cinema brasileiro, mas esse estado era o autoritário governo militar. No início, alguns cineastas argumentavam que não se poderia confundir o estado com o governo, ou seja, mesmo que o governo na época fosse autoritário, não significava que as políticas estatais eram totalmente ruins. No entanto, contradições começaram a surgir e a vida dos cineastas brasileiros ficou em crise novamente. O regime financiava o setor cinematográfico a partir de suas diretrizes ideológicas, vendo no cinema o meio ideal para a propagação do novo Brasil da “revolução de 64”. Esse financiamento inviabilizava a criação de obras críticas ao regime, então cineastas, principalmente aqueles que advinham do Cinema Novo, tiveram que escolher entre continuar produzindo, debaixo das restrições conjunturais ou romper totalmente com qualquer estrutura industrial cinematográfica, como fizeram os cineastas do Cinema Marginal. Como a questão da exibição era muito importante para os cinemanovistas, que viam nela a chance de chegar as massas, cineastas como o próprio Nelson e Leon Hirszman começam a produzir filmes que teciam críticas ao regime, mas de maneira muito sutil. Lendo as entrevistas daquela época hoje, noto um certo acuamento desses artistas frente a estrutura. É claro que eles não tinham muita escolha, mas não deixa de ser triste ler sobre artistas obrigados ao silêncio.


Os Inconfidentes (1972) de Joaquim Pedro de Andrade, crítica sutil ao regime autoritário 

Trago esse exemplo histórico para remeter ao presente e ao futuro próximo do cinema brasileiro. A declaração do atual presidente lembra as políticas da Embrafilme e como o cinema brasileiro sempre fora frágil economicamente, é muito difícil que obras realmente críticas passem a ter grande circulação no mercado nacional. Até porque, se um filme global, de apelo comercial como “De pernas pro ar 3” não consegue salas de exibição frente os filmes da Disney, porque filmes críticos e nacionais teriam? O futuro próximo do cinema brasileiro parece ser parecido com os do filmes do Cinema marginal. Quem quiser fazer filmes, mais do nunca, berrará no silêncio, na esperança que a história, um dia os redima, como o fez com Sganzerla, Bressane e os marginais.


Referências:

Cinema: Trajetória no subdesenvolvimento: Paulo Emilio Salles Gomes


Cinema, estado e lutas culturais: José Mário Ortiz Ramos.






Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

  O aspecto mais interessante em Vidas nuas é a fluidez como a cidade de São Paulo é filmada, desde seu primeiro plano quando temos acesso ...