Gabriela Amaral Almeida nasceu na Bahia e se formou na UFBA (Universidade Federal da Bahia). Em Cuba, se especializou em Roteiro na EICTV (Escuela Internacional de Cine y TV). Chamou a atenção da crítica com seu primeiro longa-metragem, O Animal Cordial (2017). Antes de ir para os longas, a cineasta também se destacou pelo seus curtas que renderam diversos prêmios em festivais, como o Festival de Paulínia, Prêmio Abraccine, Festival Curta Cabo Frio, entre outros.
Agora com A Sombra do Pai (2019), Almeida usa claras referências de filmes que contribuíram para sua bagagem dentro do gênero que mais agrada a diretora: o terror. Como dito em algumas de suas entrevistas, Gabriela passou sua infância na era dourada para qualquer fã de cinema de horror, em que muitos clássicos passavam na TV aberta quase sem nenhuma preocupação com a faixa etária, fora as locadoras de bairro que ajudaram ainda mais no consumo desses clássicos.
Mesmo com tantas referências de filmes americanos, a diretora sabe adaptar tudo isso para o Brasil e a partir do olhar de uma família que represente uma família brasileira, assim como a quantidade de rituais e crenças tipicamente brasileiros que também estão presentes no filme. Já o medo, o desamparo e o luto, claro, são elementos universais que no filme são bem representados.

Dalva (Nina Medeiros) tem nove anos e vive com seu pai, Jorge (Júlio Machado) e sua tia, Cristina (Luciana Paes) em uma casa simples em São Paulo. O pai que trabalha como pedreiro em uma construção, perdeu a esposa há dois anos, mas ainda não superou a perda. Quando Cristina resolve sair de casa para viver com o namorado, Dalva fica só e se torna a responsável por tomar conta de seu pai e da casa.
Em Estátua! (2014), um dos curtas de Gabriela, a diretora também tocou em temas como negligência e apego, quando coloca uma menina por volta de nove anos de idade, aos cuidados de uma babá que está grávida. A mãe da menina, que trabalha como aeromoça, parece pouco se importar com ela.
A atmosfera do filme inteiro é pesada e fúnebre. As primeiras cenas mostram Dalva desenterrando sua boneca enquanto o pai está no cemitério para a exumação dos restos mortais de sua esposa, para que os mesmos sejam colocados em uma gaveta. Em uma caixa estão uma correntinha, alguns dentes e a trança de sua mulher. Os itens, levados para casa por Jorge, por mais macabros que sejam para nossa cultura, são as lembranças que Dalva tem e guarda da falecida mãe.

A casa simples, ganha tons acinzentados nas paredes e na fotografia, enquanto a câmera quando resolve mostra o imóvel por fora, fica no nível do chão. Talvez não para enaltecer o lugar, mas sim para mais uma vez fazer referência ao solo. O fúnebre acompanha até as expressões faciais de Dalva e Jorge, que estão quase sempre sem emoção e sérias. É nítido como o filme e o cinema de Gabriela, não tem interesse em chocar ou assustar (mesmo com o tema), optando mais por uma atmosfera carregada, estranha e desconfortável.
O elemento da fantasia no longa, como ponto de vista da menina, pontua a falta que a mesma sente da mãe falecida e do pai ausente. Sua ligação com a morte se estende para os filmes que assiste. A Noite dos Mortos Vivos e Cemitério Maldito, são referências importantes para a diretora, que estudou toda a obra de Stephen King. Os temas e cenas pontuais desses filmes são exibidos na TV da sala da casa de Dalva, que mesmo com medo, abraça a ideia de que alguém morto possa voltar. Essa mistura do macabro com questões emocionais e tão universais para nós, parece ser uma marca da cineasta.

Importante apontar como o pai de Dalva vai aos poucos se parecendo com um zumbi. O andar levemente desengonçado, a palidez e a falta de expressão, são aqui no filme, fruto do excesso do trabalho que exausta Jorge e impede o personagem de ter um tempo com a família e muito menos de ter tempo para absorver melhor a morte da esposa. A alegoria do zumbi o transforma em um escravo do capitalismo, como disse a cineasta, ao mesmo tempo em que a criatura morta e viva faz parte do imaginário de Dalva.
A Sombra do Pai é mais uma prova (junto com Mate-me Por Favor, Trabalhar Cansa, As Boas Maneiras, O Animal Cordeal) de como o cinema de gênero, tão pouco realizado no Brasil, tem capacidade de usar o terror para abordar questões sociais sérias e pertinentes. Só resta a qualquer fã desse gênero, dar valor também ao que é nosso.
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