domingo, 17 de março de 2019

Na Netflix: "Cam" e a exploração dos excessos da exposição e da ambição em ser visto




Com dois curtas de drama/comédia no currículo, Daniel Goldhaber fez sua estreia com Cam (2018), seu primeiro longa-metragem que está há algum tempo no catálogo da Netflix. Dessa vez se aventurando no gênero do terror, a história adentra o mundo das camgirls, mulheres que ganham a vida fazendo shows de exibicionismo pela webcam.
Alice (Madeline Brewer) usa o nome Lola para fazer suas apresentações. Ambiciosa para alcançar o primeiro lugar de visualizações no site em que trabalha, ela inclui em uma de suas apresentações, um falso suicídio. Um dia ela descobre que sua conta foi roubada e que uma mulher exatamente como ela, está se apresentando em seu lugar, para desespero total de Alice.
Não é a primeira vez em que o audiovisual aborda os perigos da exposição na internet. Aqui Goldhaber escolhe uma abordagem que pode conter tanto explicações reais, quanto fantásticas sobre quem seria essa sósia tão idêntica à Lola. Independente de qual seja a interpretação, fica clara a alegoria do poder da exposição e como a mesma domina as pessoas que fazem o possível para estarem em evidência. A sede por essa forma de poder que deve sempre resultar em um número de visualizações favorável  no canal da protagonista, parece despertar na personagem, seu lado competitivo e ambicioso. Lado esse que cria vida própria e compete com ela mesma. Mesmo que no caso de Alice essa exposição faça parte do seu ganha pão, o longa felizmente não quer pregar nenhum moralismo, muito menos um julgamento da personagem por conta de sua profissão.
Vale a pena destacar em uma cena em que Alice pede ajuda, o descaso da polícia, justamente por conta do julgamento, preconceito e machismo dos próprios policias. É a velha história de culpar sempre a vítima, seja porque ela usa roupa curta ou ainda pior, porque ela se expoe na internet para várias pessoas. Isso também ajuda muito para a empatia que criamos pela personagem, que independente da forma como ganha a vida, ela é uma vítima dessa sua cópia que tomou o seu lugar e está usando sua imagem para ganhar dinheiro. 
As cores usadas no filme não poderiam fazer mais sentido dentro do contexto do filme. Quando está em seu quarto, fazendo as apresentações, as cores predominantes são o vermelho e o roxo. Como cita Patti Bellantoni no livro If It’s Purple, Someone is Gonna Die (Se for Roxo, Alguém Vai Morrer), na tradução livre, a cor roxa no cinema tem várias interpretações. A autora cita que a cor roxa já foi usada para representar sensualidade, poesia e romantismo. Porém, com o tempo a representatividade da cor acabou ganhando um status místico e até paranormal. Por ser uma cor difícil de se encontrar na natureza, ela acaba adquirindo essa identidade daquilo que está além do nosso mundo físico. A morte é uma associação muito comum e pode ser vista em vários filmes. Mas Bellantoni aponta também que a morte também pode ser simbólica, como a perda de algo ou até mesmo ligada a transformação.
No longa isso fica claro quando o conflito do filme é claramente algo que parece fugir de uma explicação natural. Lembrando que as interpretações podem variar, mas existe uma essência que acaba inclinando o tom do filme para o fantástico. Já o vermelho, claro, descreve ao mesmo tempo a sensualidade e o perigo. Uma dicotomia entre o prazer e os perigos encontrados no trabalho de Alice.
Já a tensão e o mistério são garantido à medida em que a personagem tenta descobrir quem está se passando por ela. Destaque para a cena do aniversário de Jordan (Devin Druid), irmão de Alice, em que a família de Anna e os amigos de seu irmão, descobrem sua verdadeira profissão. A cena é feita quase toda em plano sequência e cria um suspense quando deixa o espectador ciente de que os amigos de Jordan estão na casa assistindo a um dos vídeos eróticos do clone da protagonista. Enquanto a própria Anna, seu irmão, sua mãe e suas amigas estão na casa e ainda não sabem o que está acontecendo, ficamos esperando o momento em que tudo irá “explodir” e trazer o segredo da personagem à tona.
Cam é uma boa pedida para os fãs da série Black Mirror e para quem curte um terror mais psicológico, cheio de tensão e mistério.

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