Os irmãos Albert e David Maysles, foram dois grandes documentaristas conhecidos por um estilo chamado de cinema direto. O termo nada mais é que um gênero de documentário também conhecido como documentário observativo. Nesse estilo há literalmente uma observação do que está sendo apresentado. Não há uma interferência direta do cineasta, que aqui é ignorado, assim como a câmera. Há uma pretensão de neutralidade e naturalidade, transmitindo a ideia de realidade. Não há narração nem entrevistas, muitas vezes sem uso até mesmo de uma trilha musical.
Os avanços tecnológicos no Canadá, na Europa e nos Estados Unidos, logo após a Segunda Guerra Mundial, trouxeram as câmeras de 16mm e gravadores de áudio que possibilitavam o carregamento de uma só pessoa. Captação de som já podia ser sincronizada com as imagens, sem a necessidade de equipamentos volumosos ou cabos que uniam gravadores e câmeras. Câmera e gravador se moviam livremente no espaço no momento em que tudo acontecia, como aponta Bill Nichols no livro Introdução Ao Documentário, lançado em 2001.
O trabalho dos irmãos Maysles rompeu com a tradição dos documentário narrativos e faixas de música que guiavam o espetador a sentir algo. A montagem (edição) pode ser entendida como a "voz" narrativa desses filmes. Albert construiu sua própria câmera de 16mm que possibilitou que a mesma ficasse confortavelmente em seu ombro, eliminando a necessidade de um tripé e permitindo que ele filmasse com fluidez.
Com mais de vinte documentários realizados juntos, os irmãos Maysles fizeram história no cinema documental. Com David já falecido em 1987, Albert foi saudado em 1999 pela Eastman Kodak como um dos cem melhores cineastas do mundo. Além desse prêmio, vieram outros como o Prêmio de Cinematografia para Documentários do Festival de Sundance em 2001 pelo filme LaLee's Kin: The Legacy of Cotton. Albert também ganhou a Medalha Nacional das Artes que foi entregue pelo então presidente Barack Obama em 28 de julho de 2014. Albert faleceu em 2017 aos 88 anos.
Grey Gardens, filme de 1975 dirigido pelos irmãos Maysles, foi eleito em 2014 pela revista britânica de cinema Sight and Sound como o nono melhor documentários de todos os tempos. Filmado como um documentário observativo, a sinopse por si só já é bem cativante. Edith Beale, conhecida como "Big Edie", e sua filha Edith Beale, conhecida como "Little Edie", eram tia e a prima (de primeiro grau) respectivamente, de Jacqueline Kennedy Onassis, ex-Primeira-dama dos Estados Unidos e que ficou viúva do ex-presidente dos Estados Unidos John F. Kennedy.
“Big” e “Little” Edie viveram juntas na propriedade de Grey Gardens por décadas, com recursos limitados, em meio a miséria e o isolamento. A casa foi projetada em 1897 por Joseph Greenleaf Thorpe e comprada em 1923 por "Big Edie" e seu marido Phelan Beale. Depois que Phelan deixou sua esposa, "Big Edie" e "Little Edie" viveram lá por mais de 50 anos. O nome Grey Gardens se deu por causa da cor das dunas, das paredes de cimento do jardim e da névoa do mar no local onde está a casa das duas mulheres, no vilarejo de East Hampton, condado de Suffolk em Nova York.
Entre 1971 e 1972, a casa estava infestava de pulgas e era habitada por gatos e guaxinins, sem água corrente na casa, além do lixo que estava por todo lado. mãe e filha foram notícia em um artigo no National Enquirer e uma reportagem de capa na New York Magazine. Os irmãos Maysles se interessaram pela história das duas mulheres e obtiveram a permissão para filmar o documentário sobre as duas mulheres. Lançado em 1976 com grande aclamação da crítica, a forma com que o filme foi conduzido, fez com que mãe e filha simplesmente contassem sua história diante da câmera.
Grey Gardens é fascinante na forma com que apresenta essas duas personagens e suas histórias de vida. Um contraponto se instala no filme entre as imagens que mostram a deterioração da casa e de seus objetos com a forma com que as personagens lembram o passado. É como se o espectador ainda pudesse visualizá-lo apesar de tudo já ter sido consumido pela poeira e pelos danos do tempo.
O notório, porém inofensivo dano psicológico presente em “Little Edie”, permite que a mulher traga em seu semblante um devaneio constante em sua fala e olhar. É como se às vezes presente e passado estivessem juntos na mesma pessoa. Mesmo quando ciente do estado da casa e de que nada é como antes, “Little Edie” parece encontrar na oportunidade de ver sua vida documentada, uma chance de poder aparecer (no bom sentido) e ser vista. Mesmo sem ter coragem de fato de deixar sua mãe, a personagem sonha com sua liberdade e pode viver em Nova York.
“Big Edie” por outro lado, não traz arrependimentos e sempre se orgulha em dizer que viveu a vida como quis. Mesmo vivendo em situação deplorável em meio ao lixo e em uma casa que precisa urgentemente ser limpa e reformada, ficamos com pena dessas duas mulheres, mas ao mesmo tempo embarcamos na história de vida de ambas. Quase de forma teatral, mas não forçada, “Little Edie” canta, se orgulha em exibir suas roupas e as combinações feitas por ela mesma, esquecendo por vezes a sua realidade. A câmera por vezes se fixa em alguns objetos do passado, como um retrato pintado de “Big Edie” ainda na juventude, que faz um contraste com a mulher no momento do filme.
Grey Gardens tem um efeito raro de nos apresentar uma história de uma realidade triste, ao mesmo tempo em que a força de suas duas personagens, faz o filme ser coberto por uma utopia que nos faz acompanhar dois mundos simultâneos: o da realidade mais dura e o dos sonhos e das bonitas lembranças que de tão vívidos ainda na memória de suas personagens, nos faz esquecer do pó que os cobrem.
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