segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Crítica: A Antena (Netflix)





Talvez um dos filmes mais inusitados a fazer parte do catálogo da Netflix, A Antena é uma produção argentina dirigida e roteirizada por Esteban Sapir e lançada em 2007.

Uma cidade com um visual típico da década de 1920 ou 1930 (mesmo com algumas tecnologias avançadas para a época), vive sob o domínio do Sr. TV (Alejandro Urdapilleta), responsável por roubar todas as vozes da população. Todas exceto a voz de uma famosa cantora conhecida como "A Voz" (Florencia Raggi), a única pessoa conhecida na cidade que ainda pode falar. Sr. TV resolve agora usar a cantora para roubar as palavras das pessoas e usá-las como matéria prima de seus produtos  nocivos que vende para a própria população da cidade.

Com referências claras aos filmes Metrópolis (1927) e Viagem à Lua (1902), A Antena tem um visual impecável, como se fosse mesmo uma grande produção da década de 1920. O cinema mudo e o uso dos intertítulos (usados na própria cena e não em um fundo preto), são sabiamente usados para justificar a falta de voz de quase todos os personagens da trama. Quando resolvem aparecer, as palavras brincam com o contexto da cena, como por exemplo palavras saindo de um megafone enquanto um personagem grita através do objeto. 



Há também o uso de stop motion, maquetes e projeções de fundo. Tudo isso ajuda a compor uma cidade em preto e branco e cheia de neve, cujos prédios parecidos e repletos de outdoors da estação de TV, formam uma atmosfera pouco alegre e monótona.

Cabe ao núcleo protagonista interromper os planos do Sr. TV. Composto por um inventor (Rafael Ferro), seu pai (Ricardo Merkin), sua ex-esposa (Julieta Cardinali), sua filha Ana (Sol Moreno) e o amigo da menina, Tomás (Jonathan Sandor), filho de “A Voz”, o grupo se une para ir até a uma antena desativada para usar a voz de Tomás para impedir que as palavras dos habitantes da cidade sejam roubadas. A pequena aventura vivida no filme, conta com um pouco de ação e perseguição, e por mais que a narrativa seja óbvia em seu maniqueísmo, o estilo proposto como um clássico filme mudo, não nos causa incomodo com personagens bem definidos entre mocinhos e vilões.  



A mensagem não poderia ser mais clara e infelizmente tão atual. Trata-se basicamente do uso da mídia como um produto nocivo e manipulador das massas que estão anestesiadas e literalmente sem voz. O símbolo da estação de TV nada mais é que uma espiral, muito usada para representar a hipnose. O símbolo é visto nos outdoors, na programação da Tv e até nos biscoitos vendidos para a população e fabricados pela própria estação do Sr. TV.

Nosso vilão não satisfeito em roubar as vozes das pessoas, pretende roubar também as suas palavras, o pouco que lhes restaram. Curioso como “A Voz” e Tomás possuem o poder de fala, porém lhes falta traços físicos. Enquanto “A Voz” não tem rosto, Tomás não tem os olhos e vive escondido dentro de casa, sendo que sua existência jamais pode ser descoberta pelo Sr. TV. Por ser ainda criança, é como se o menino não fosse literalmente capaz de enxergar a maldade do mundo a sua volta.


Há claras alusões ao nazismo e aos judeus em cenas em que o laboratório do cientista que ajuda o Sr. Tv com seus experimentos, forma o símbolo da suástica quando o ambiente está à meia luz. Já Tomás quando está preso à uma espécie de maca para que sua voz seja capturada pela antena, é nítido como o objeto tem a forma da estrela de Davi. Colocar a criança como a única capaz de salvar a cidade, traz a esperança de que a próxima geração possa fazer algo de melhor para ajudar o planeta.


Com uma trama interessante e um estilo incomum, A Antena é um excelente filme para os fãs de cinema mudo e de clássicos como Metrópolis. Não perca tempo e vá correndo conferir esse novo filme no catálogo da Netflix. 

domingo, 24 de novembro de 2019

Crítica: A Camareira (pode conter spoilers)




A Camareira (La Camarista, 2019) é o primeiro filme de Lila Avilés. O longa foi selecionado pelo México para competir na categoria de Melhor Longa-Metragem Estrangeiro na 92ª festa do Oscar.


A história acompanha o dia a dia de Eve (Gabriela Cartol), que trabalha em um dos hotéis mais luxuosos do México. Todos os dias a mulher é responsável pelo vigésimo primeiro andar onde troca roupas de cama, limpa banheiros e deixa shampoos, sabonetes e toalhas nas suítes.

Dentro de uma estrutura narrativa que desdramatiza todo o filme, observamos Eve quase sempre trabalhando e estudando dentro do próprio hotel, através de um programa fornecido pelo próprio lugar para que seus funcionários retomem os estudos. Lá ela tem alguns colegas de sala e entre eles, ela conhece Miriam (Teresa Sánchez), uma mulher que sempre que pode, ajuda Eve na limpeza de algum quarto.

Reservada, a personagem tem como objetivo duas coisas: a primeira é conseguir ganhar um vestido vermelho que foi esquecido por uma hóspede do hotel. Eve costuma passar pelo setor de “achados e perdidos” para checar se alguém veio pegar a peça de volta. Caso não apareça ninguém depois de um determinado tempo, a roupa será dela. Seu segundo objetivo e o principal deles, é sair do 21º andar e ir para 42º, onde costumam se hospedar pessoas importantes com altos cargos em empresas e no governo.



Nessa estrutura sem grandes conflitos, ficamos atentos nas pequenas ações do dia a dia da protagonista. Os eventos presentes na narrativa, servem como forma de análise de um mundo competitivo e cheio de interesses, além de um interessante estudo de nossa personagem principal. A humanização de Eve passa por questões tanto de sua maternidade quanto de sua própria sexualidade, tudo dentro do hotel, que ao mesmo tempo em que se trata do trabalho da personagem, é nesse mesmo lugar que Eve está “aprisionada” e o espectador tem apenas esse mundo dentro do trabalho da protagonista para analisar os principais aspectos de sua vida.

A fotografia desse mundo em que está inserida Eve, faz muito o uso de câmeras estáticas e cores brancas e acinzentadas. Curioso como o hotel sendo um dos mais conceituados na história e frequentados por classes altas, ganha um design de produção monótono e pouco convidativo, representando exatamente seu significado na vida da camareira.

A gentileza da mulher que toma conta do vestiário onde os funcionários do hotel tomam banho e trocam de roupa, carrega sempre a intenção de vender Tupperware ou cremes para as mãos. E o que dizer da hóspede argentina que cria um “laço” com Eve quando pede para que ela cuide seu filho enquanto ela vai tomar banho ou se depilar. A forma amigável e gentil da mulher também esconde seus interesses. Até mesmo Miriam em um primeiro momento, insiste para que Eve compre um brinquedo que ela está vendendo, logo quando surge essa “amizade” entre as duas.



São nesses momentos em que podemos descobrir mais de Eve, que precisa pagar alguém para cuidar de seu filho enquanto ela trabalha no hotel. Enquanto cuida do filho da hóspede argentina, fica claro a alegria da personagem em ficar com a criança, simbolizando o tempo que não teve para ficar com seu próprio filho.

Até o flerte (depois de Eve primeiramente recusar) entre a personagem e um funcionário encarregado de limpar os vidros das janelas do hotel, acontece de forma curiosa. Um strip-tease feito por Eve acontece em um dos quartos vazios enquanto o homem observa tudo do lado de fora no andaime enquanto trabalha. Tudo é distante e o vidro parece lembrar o distanciamento da camareira de seu mundo privado, e nesse caso da sua própria vontade de exercer sua sexualidade. Tudo em prol de sempre trabalhar para dar uma vida melhor para ela e seu filho. As janelas do hotel costumam aparecer muito no filme, também reforçando a possibilidade de algo fora do hotel, como quando Eve às vezes olha a vista lá fora de dentro dos quartos.



Depois de algumas decepções que refletem bem a competição e as injustiças no trabalho e  a pouca importância do hotel com um futuro melhor para os seus funcionários, Eve é obrigada a se contentar apenas com seu tão sonhado vestido, que agora já não é mais importante para a protagonista. É como se a personagem tivesse despertado para algo, que resulta na única cena em que vemos Eve do lado de fora do hotel: em cima de um heliponto olhando para o céu, como se pudesse finalmente respirar melhor.

O destino de Eve é ambíguo. Tudo o que vimos pode nos ter levado a crer que a personagem não será mais a mesma e que o despertar de sua consciência dentro do grande hotel, fará com que a mulher busque outros caminhos além das enormes janelas. Uma visão mais pessimista nos fará enxergar tudo o que presenciamos, apenas mais uma fatia de vida de uma camareira de um hotel luxuoso.

quinta-feira, 31 de outubro de 2019

Lendo o livro It a Coisa - Parte 1

Seguindo o nosso especial de outubro(que vai se estender para novembro), no qual nos dedicamos a analisar e conhecer um pouco melhor a obra do escritor Stephen King, o que não é uma tarefa muito fácil, já que o cara tem uma obra gigantesca, e de muita importância para o mundo da literatura contemporânea, e alguns de seus livros são bem “gordinhos”, como é o caso do livro “It A Coisa”, que fazia parte do nosso desafio do mês e deveria ser lido, para trazer aqui para o blog um pouco da nossa experiência com essa leitura.

It A coisa é talvez uma das obras de maior destaque de Stephen King, e a popularidade do livro só aumentou com as versões que ele ganhou para o universo do audiovisual.
O livro do gênero de terror, foi lançado no ano de 1986, e ganhou uma adaptação para tv no ano de 1990, que chegou aqui no Brasil com o título: “It - Uma obra prima do medo”.
Tele série de 1990
Recentemente a obra ganhou um novo gás, e alcançou novos leitores e fãs, com dois longas lançados, um no ano de 2017, com o título “It A Coisa”, e outro no ano de 2019, trazendo a continuação da história com o título de “It Capítulo 2”. Os dois filmes levaram multidões de pessoas ao cinema, que estavam ansiosos para uma nova obra cinematográfica do gênero de terror. 


Vamos falar sobre os filmes em um outro momento...
Agora vamos falar um pouco sobre como anda a nossa leitura de It A Coisa.

O livro que conta a história de Bill Denbrough, Richie Tozier, Stan Uris, Mike Hanlon, Eddie Kapsbrak, Ben Hanscom e Beverly Marsh, sete amigos que se conheceram na infância, e depois de passarem por algumas experiências estranhas nas férias do verão de 1958, cada um deles acabam se separando, seguindo seus caminhos, espalhados pelos Estados Unidos, levando suas vidas, quase que sem se lembrarem da infância e daquele verão.

Asim que começamos a ler o livro percebemo que ele não se trata apenas de um livro de terror, trazendo também elementos de suspense e thriller, além de elementos do romance com aventura bem ao estilo “Tom Sawyer” (Mark Twain).

O livro é dividido em Pastas e essas pastas por sua vez em partes e capítulos, o que no dá uma sensação de relatos verídicos da história que está sendo narrada, já que as pastas contêm elementos como documentos, recortes de jornais, e fotografias, sobre tudo o que aconteceu em Derry.
A primeira parte do livro se dedica a apresentação dos personagens e também a apresentação da cidade de Derry, o pano de fundo de todos os acontecimentos, seria impossível ler It, e não fazer uma criação mental da cidade perfeitamente, Derry é uma cidadezinha do interior, no estado americano do Maine. Cada detalhe como nome de ruas, as praças e canais são citados com riqueza de detalhes, de modo que nos vemos completamente imersos em Derry e na história.

A cidade não é apenas pano de fundo da história pelo seu ar nostálgico dos anos 1950, recriando memórias da infância que são de fácil identificação, a cidade protagoniza, por causa do o seu estilo de vida e pelos hábitos de seus moradores, os segredos escondidos de vizinhos, ou a famosa hipocrisia cordial do homem médio, que joga seus preconceitos, racismos e tudo o que possa existir nele de ruim para baixo do tapete, retando apenas a imagem do cidadão de bem. Derry absorve tudo isso e aproveita cada sentimento, principalmente o medo para despertar forças estranhas malignas e mortíferas.

O livro diferentemente dos filmes de 2017 e 2019, não se trata de uma história em linha narrativa reta, que começa na infância e vai até a vida adulta das peonagens, ele vai e volta no tempo, entre os anos 1950 e 1980. Nos situando a respeito dos fatos sem ordem cronológica de acontecimentos, outra diferença aqui entre os filmes lançados recentemente, é que a história no livro não começa nos anos1980 chegando até os anos atuais.
O livro trabalha muito com a questão da memória e dos sentimentos numa perspectiva que vária com o passar do tempo, levando em consideração que quando se tem 11 ou 12 anos de idade, se tem outra forma de ver o mundo e encarar os acontecimentos, ao passo que quado nos tornamos adultos a maior parte das coisas tem outro peso, outro valor. Então a narrativa se torna empolgante com os vai e vem através do tempo, na perspectiva dos vários personagens ao longo dos anos, o que contribui com uma construção mais verdadeira dos personagens. (O que aqui para mim como leitora, me lembrou muito o enredo da série da Netflix: ‘Dark’, alias daria um outro texto comparar as obras).

O ponto de partida da história é a morte do pequeno George Denbrough, o irmão mais novo de Bill. Diversas crianças estavam desaparecendo na cidade de Derry no ano de 1958, e algumas delas apareciam mortas com seus corpos mutilados, a polícia local estava investigando os crimes misteriosos, mas nada haviam encontrado de concreto, Derrry estava sobre o toque de recolher para as crianças, nada de sair nas ruas desacompanhadas, muito menos a noite.
A morte de George despertou em Bill mais do que apenas o sentimento de perda do irmão caçula, o garoto precisava saber o que estava acontecendo na cidade, e quem era o responsável pela morte de George.

Fica claro para o leitor que a perda do irmão impactaria para sempre a vida Bill, talvez muito aqui seja sobre a perda prematura de um irmão na infância, de como se lida com sentimentos quando se é tão jovem, é muito tocante quando nos damos com os dilemas de Bill ainda na infância sentido falta do irmão, ao passo que também sentia muito medo de ser assombrado por George, que já não era mais um garoto vivo, poderia ser agora qualquer coisa, e poderia ser também assustador. Outro sentimento de Bill na infância é a sensação de abandono em relação aos pais, o menino conseguia entender que os pais não sabiam lhe dar com a perda do filho mais novo, assim como ele, o que causava um buraco na casa e na relação de confiança entre Bill e os pais.

Ao longo do livro vamos entendendo que todas as crianças da história, tinham relações complicadas com os pais e com os adultos, é claro que isso também faz parte do olhar da criança em relação ao mundo, porém aqui nos revela muitas histórias de abusos sofridos por essas crianças. Não atoa que a cidade tem um monstro que se alimenta de crianças, e não só de crianças mas de seus medos, e o que pode nos dar mais medo, do que nossos medos da infância.

O livro está recheado de elementos e citações do universo da cultura pop, se fala muito em programas da TV americana dos anos 1950, dos filmes e músicas que faziam sucesso na época, como é o caso do filme “O Lobisomem Adolescente” filme de 1957, “I Was a Teenage Werewolf” de Gene Fowler Jr, o filme é citado várias vezes no livro, e em uma delas os personagens vão ao cinema para assisti-lo. 




O mesmo acontece em relação aos anos 1980, onde também encontramos outras referências da cultura pop, não atoa, o palhaço assustador que personifica a coisa, tem a aparência do Ronald Mcdonald, e que alguns dos personagens quando adultos passaram a trabalhar no show biss.
Bill se tornou um escritor de sucesso casado com uma bela atriz de Hollywood, Ben trabalha com música em uma gravadora, e Beverly Marsh se tornou uma estilista renomada.
Apesar da aparente vida de sucesso dos personagens, eles ainda enfrentavam problemas semelhantes aos vividos na infância, em relação a aceitação. Já que Bill era o menino gago que perdeu o irmão, Richie era um menino sem muito senso da realidade famoso pelo apelido de “Boca de Lixo”, além de usar óculos fundo de garrafa, Stan era um menino magricela e judeu em uma época difícil para se ser um, Mike era negro e muito pobre, Eddie era o garoto doente, Ben o menino mais gordo da cidade e Beverly era pobre e usava roupas velhas.

Eles eram um grupo de crianças desajustadas, ou talvez um grupo de excluídos, que precisavam enfrentar preconceitos, eles eram “o clube dos otários”. A verdade é que terem uns aos outros foi decisivo para que pudessem enfrentar a coisa. Depois de muitos anos, eles precisam voltar a Derry se reencontrar para terminarem a história que começaram ainda crianças.



Ficamos por aqui com a nossa série sobre a leitura do livro It A Coisa. Em breve sai a segunda parte, ficou curioso a respeito do livro, leia também e comente com a gente as suas impressões e opiniões. Até a próxima =)


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