A
representação da mulher na terceira idade nos filmes
Glória e Party Girl
Sabemos como o cinema
pode ser cruel quando se fala em envelhecimento. Principalmente quando se trata
de uma mulher. Não é raro vermos reclamações de atrizes sobre como Hollywood as
ignora e como muitos papeis acabam favorecendo atrizes mais novas. A TV por
vezes acaba sendo uma fuga para essas atrizes, que acabam ganhando seu espaço.
Jessica Lange é um bom
exemplo disso. A atriz vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo
filme Tootsie (1982), começou sua
carreira no filme King Kong, remake
do longa de 1933 de mesmo nome. Nos anos 80 e 90 a atriz participava de
diversas produções até sofrer um certo declínio em sua carreira. Tudo mudou com
a série American Horror Story, de
Ryan Murphy, que reanimou a carreira de Lange e a apresentou para as novas
gerações. Em Feud, série também
criada por Murphy, Lange contracenou com Susan Sarandon no enredo que contava
sobre a rivalidade de Bette Davis e Joan Crawford durante as filmagens do filme
O Que Aconteceu com Baby Jane? (1962)
de Robert Aldrich. Mais do que a rivalidade, a série chegou a também abordar
sobre o preconceito com as atrizes de Hollywood por conta da idade e como isso afetava
(e afeta) a carreira delas.
Ainda sobre televisão,
antes de retornar ao cinema, vale a pena destacar a série Grace and Frankie. Produzida pela Netflix, o enredo foca em duas
mulheres na casa dos 70 anos que depois de descobrirem que seus respectivos
maridos são gays e vão se casar, precisam seguir com suas vidas depois de uma
relação tão duradoura. A série trata de questões como solidão, sexualidade e
até vida profissional. Mesmo com o humor, as dificuldades e limitações da idade
são levadas de uma forma descontraída ao mesmo tempo em que há um respeito para
com as personagens.
Essa cultura da juventude
existe desde o início do cinema, como citam Nadine Muller e Joel Gwynne no
livro Postfeminism and Contemporary
Hollywood Cinema, publicado em 2013. No final de 1910 e 1920, a imprensa,
assim como as revistas de cinema voltada para os fãs dos astros e estrelas,
constantemente enfatizavam a juventude de Hollywood. A indústria
cinematográfica era apoiada por atores e atrizes que sempre passavam uma imagem
cheia de vitalidade. A tela grande não tolerava falhas e imperfeições que eram
facilmente disfarçadas nos palcos, o que fazia com que muitas atrizes vissem suas
carreiras começarem a declinar antes mesmo dos trinta anos de idade. Tudo isso
só alimentava o interesse por dietas e cirurgias plásticas. As mulheres que
eram o principal alvo, viam o envelhecimento e até mesmo a menopausa como
questões patológicas ligadas a perda de algo. Envelhecer não parecia ser algo
natural do corpo, mas sim algo a ser curado.
Claro que hoje já podemos
encontrar algumas exceções. Em O Diabo
Veste Prada (David Frankel, 2006), Muller e Gwynne citam a personagem de
Miranda Priestly (Meryl Streep) como uma personagem inovadora ao colocar uma
mulher com mais de cinquenta anos, como alguém bem-sucedido e independente,
mesmo que isso a tenha feito pagar um preço alto com relação ao seu casamento e
a relação com suas filhas.
Tom Brook escreve no
artigo Hollywood: No longer scared of the
over 40’s, que você pode conferir aqui (em inglês), que muita coisa está começando
a mudar. Terry Lawler, diretor executivo do New
York Women in Film and Television enxerga um progresso, mas que ainda há
muito a ser feito. Ele comenta que já começam a surgir papeis escritos
especialmente para mulheres mais maduras. Essa pequena demanda por atrizes com
mais de 40 anos se dá também pelo fato do público querer se ver representado
nas telas do cinema. Adam Moore, do US
actors’ union SAG-AFTRA, destaca uma mudança nas bilheterias: “Muitas pessoas
que gastam o dinheiro delas, não estão na casa dos vinte. É um público bem mais
velho. Eles exigem ver suas próprias histórias refletidas. ”
Mesmo com a lentidão de
Hollywood em buscar mais representação de histórias sobre mulheres na terceira
idade, podemos encontrar em outros países filmes que não só procuram dar mais
voz a essas mulheres, como também representá-las da forma mais natural possível.
Glória (2013) de Sebastián Lelio e Party
Girl (2014) de Marie Amachoukeli-Barsacq e Claire Burger, são dois filmes
interessantes e pouco conhecidos que se destacam por suas premissas e
principalmente pela forma que as conduz. Ambos não se tratam de produções
hollywoodianas, o que talvez explique a importância em olharmos para outros
países, para encontrarmos histórias que deem valor a temas e personagens pouco
explorados nos EUA.
O primeiro longa foi
produzido no Chile e conta a história de Glória, uma mulher perto dos sessenta
anos, divorciada, que conhece Rodolfo, um homem de sua faixa etária que mesmo
interessado numa relação com a personagem, ainda se vê preso à sua relação
anterior.
Já no segundo longa,
produzido na França, acompanhamos a história de Angélique
(Angélique Litzenburger), uma mulher na casa dos sessenta anos, que trabalhou
a vida toda como anfitriã de um bordel na divisa da Alemanha com a França. Ao
receber o pedido de casamento de um cliente, Michel (Joseph Bour) acostumado a
frequentar o lugar, Angélique resolve deixar a vida no prostíbulo para viver
junto com o homem.
Essas duas personagens
com vidas tão diferentes, são ao mesmo tempo semelhantes pelo brilhantismo com
que tanto o roteiro, quanto a direção, retratam suas vidas de uma forma
simples, mas também eficaz. Tanto em Glória
quanto em Party Girl, a mulher
está no controle de sua vida e se permite viver uma relação, mesmo precisando
lidar com dúvidas, inseguranças, tentativas e falhas.
Sobre
aproveitar a vida
Se Angélique aprecia as
noites no bordel, enquanto bebe seus drinks em conversas com suas amigas, Glória
curte sua vida de divorciada saindo para dançar, beber e conhecer pessoas
novas. A personagem nos é esplendidamente apresentada na primeira cena,
enquanto está perto do balcão bebendo algo. O destaque está justamente nos
casais mais novos que dançam em primeiro plano enquanto a protagonista aparece
de costas e no segundo plano. É como se a câmera falasse: “Que tal se ao invés
de contarmos a história de um desses casais, não falamos daquela senhora que
está ali? ” E que bom que Sebastián Lelio tomou tão louvável decisão. Com
toques de comédia no tom e momento certos, jamais vemos a ridicularização de
Glória. A mulher que às vezes se desequilibra com o salto enquanto anda, ou que
não consegue alcançar os pés na aula de yoga, não cai no caricato da imagem da
mulher exageradamente extrovertida, nem de uma mulher introvertida ou
conservadora. Glória é alguém que você poderia encontrar facilmente no seu dia
a dia e que poderia passar facilmente despercebida no cinema hollywoodiano.
A música também é algo
muito importante no filme. A personagem canta no carro e mesmo quando a canção
é interrompida no corte da cena que pula para a monotonia de seu trabalho, podemos
vê-la cantar mais adiante em cenas em que ela se depila, ou no próprio baile
que frequenta.
Quanto
ao sexo
Por outro lado, enquanto
Angélique se mostra mais à vontade na companhia de Michel no prostíbulo, o
mesmo não se pode dizer quando ela decide viver com ele. A personagem traz
consigo muitas incertezas quanto a sua decisão. Isso automaticamente bloqueia a
personagem fazendo com que ela não consiga ter relações com Michel. Se em Party Girl temos uma mulher mais
reservada, com certeza não se trata de uma decisão conservadora da direção, mas
sim do contexto em que se encontra a personagem principal.
Sobre
o Passado
Ambos os filmes se
aproveitam da relação de suas personagens para nos apresentar o passado de cada
protagonista. Se Glória tem uma boa relação com seus filhos e com seus
ex-marido, Angélique quase consegue o mesmo. No caso de Party Girl, a personagem não tem muito contato com uma das filhas, que
já adolescente, mora com outra família. A jovem que não sabe quem é seu pai,
vai ao casamento da mãe, a pedido da própria. Aqui as relações podem não ser
tão otimistas quanto em Glória, mas
no filme há espaço para percebermos que Angélique é uma mulher como outra
qualquer, com suas falhas, arrependimentos e com direito a se redimir. Seu
casamento com Michel tem uma única função: mesmo que por um momento, se
aproximar mais da família.
Em um jantar na casa de
seu filho que faz aniversário, Glória leva Rodolfo para conhecer seus filhos e
seu ex-marido. Lá ela relembra outros tempos e se emociona com o contexto do
momento, quando sua filha lê uma mensagem que recebeu do namorado. O momento de
arrependimento, fica com seu ex-marido, que depois de beber mais do que devia,
se sente culpado pelo fim do casamento.
Em
busca de uma “salvação” e o papel do homem
Talvez o fato mais
interessante em ambos os filmes, seja a quebra de nossas expectativas com
relação às protagonistas. Angélique pode facilmente ser vista pelo espectador,
como uma mulher que está sendo “salva” por um homem. Sabemos que há um
romantismo na mulher que larga uma vida em meio a prostituição para se casar e
constituir uma família. Angélique tem total aprovação de seus filhos para se
casar com Michel, que veem na oportunidade uma maneira da mãe ser mais
responsável e se estabilizar na vida. Mas será isso mesmo o que a personagem
quer? Será que ele precisa disso? No bordel ela sempre contou com a amizade de
suas amigas que costumam sair juntas para dar risada e conversar. Angélique
dança com alegria, como alguém que não precisa de um salvador. Esse é o grande
ponto no roteiro, que causa na personagem uma incerteza angustiante até o dia
do casamento e que vai se concluir na primeira noite do casal após a cerimônia.
Com Glória, podemos
apontar a subversão do clichê da mulher que precisa de um companheiro ao seu
lado. Glória já inicia o filme só, mas se abre para uma relação com Rodolfo,
que mesmo apresentando conflitos, mantém o interesse da personagem. Quando a
situação se agrava, Glória sabe que chega o momento de terminar a relação e
seguir em frente. O tom do filme em nenhum momento cai em um dramalhão cômico e
cheio de clichês que seriam facilmente usados em um filme com essa temática. A
protagonista, porém, se permite dar uma segunda chance a Rodolfo depois de dois
momentos em especial, que ficam mais na sugestão do que em algo mais explícito.
O primeiro é descobrir um glaucoma e o segundo, uma cena simples em que a
Glória de depara com um homem que faz uma apresentação com uma marionete que
dança. O boneco é um esqueleto. Seria uma forma sutil da personagem enxergar a
morte e perceber que a vida deve ser aproveitada e que Rodolfo talvez mereça
outra chance?
Disposta a tentar e mais
uma vez magoada, a personagem resolver ir no salão de jogos do hotel onde está
hospedada e lá conhece um homem. Depois de uma noite regada a muita bebida e de
um breve envolvimento com o estranho, a personagem acorda em uma praia. Essa
força interior da personagem e sua alegria pela vida são passados para o visual
de uma forma simples e eficaz. Um simples brinquedo que faz a mulher girar faz
parte de uma das melhores cenas do filme. Enquanto gira, as luzes da cidade
desfocadas ao fundo, parecem dar a personagem justamente essa sensação de algo
único que emana da mesma. Podemos chamar de amor próprio, superação, alegria,
ou simplesmente nos deixar sentir o que ela também está sentindo.
Sem dúvidas temos tanto
em Gloria quanto em Party Girl, dois filmes bem
representativos e que sabem como retratar essas duas mulheres com o devido
respeito através de uma sutileza e singularidade de personalidades, ao mesmo
tempo em que se mantém a naturalidade. Angélique e Gloria só querem aproveitar
a vida e não precisam de nenhum homem que as “salve”.
Texto de : Tarcísio Paulo Dos Santos Araújo
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