O aspecto mais interessante em Vidas
nuas é a fluidez como a cidade de São Paulo é filmada, desde seu primeiro
plano quando temos acesso aos pensamentos de uma mulher que procura
desesperadamente seu amante. O tom existencialista já aparece nas elucubrações
da personagem enquanto a câmera passeia pelos transeuntes, vitrines de lojas de
departamento e letreiros de neon. A personagem se sente solitária e cansada dos
papeis sociais de mãe e esposa atribuídos a ela, mostrando um desejo de se
libertar dessas convenções que a oprimem. Desse modo, o existencialismo é costurado
com as pretensões eróticas do filme, parecendo uma versão pervertida de São
Paulo S.A. Enquanto o filme de Person mostra as angústias de uma personagem de
classe média que colhe de sua ascensão social, o vazio existencial - em meio a
sociedade de consumo que despontava na sociedade brasileira - em Vidas nuas
é a mesma classe média que protagoniza angústias eróticas e existenciais na
metrópole paulista. E é no protagonismo da metrópole noturna que essas
personagens buscam dar vazão à sua “imoralidade”. Considerado por alguns o filme
que originou o ciclo das pornochanchadas, Vidas nuas foi gravado em 1962
e teria um corte final mais conservador. No entanto, quando a produtora inicial
do projeto entra em dificuldades financeiras, sua estreia é constantemente
adiada até 1967, quando foram incluídas as cenas de strip-tease, tirando o
aspecto pretensamente conservador do filme.
Desse modo, Vidas nuas parece ser
uma típica produção de transição, pois carrega características de certo cinema
pregresso ao mesmo tempo que anuncia um novo ciclo de produção. As
características do cinema pregresso se encontram na abordagem existencialista
de classe média que lembram o cinema de Hugo Walter Khouri e o já citado São
Paulo S.A de Person. Por outro lado, o erotismo evidencia a guinada que o
cinema brasileiro daria em explorar comercialmente o erotismo, como seria
característica das pornochanchadas. Esse lugar de transição transforma Vidas
nuas em um filme peculiar em que o erótico, longe de ser apenas um elemento
chamativo para assegurar o público, transforma-se em elemento provocativo e
fundamental das discussões existenciais no filme. Assim, a encenação do
erotismo se dá de forma sofisticada, atrelada as trajetórias das personagens.
O filme começa apresentando o núcleo familiar disfuncional, vivido por Antônio, um acadêmico desiludido, Sônia, sua esposa milionária que o traí e Mônica, a filha desta, estudante universitária que é apaixonada pelo padrasto. O conflito aqui é filmado poeticamente, inserindo sutilezas, simbolismos e enquadramentos de câmera que fazem o filme exceder o caráter de mera fita erótica. Como na cena em que o padrasto, sabendo que o amante de sua esposa está prestes a chegar, saí para perambular pela cidade. A enteada por sua vez, se tranca em seu quarto e enquanto a mãe tem uma noite de amor com seu amante, a jovem é acossada pela tensão sexual ao mesmo tempo que demonstra apego aos seus bonecos de pelúcia. É como se a jovem não estivesse pronta para aceder à vida adulta pois foi acostumada a encarar a sexualidade como imoralidade como afirma o intelectual já no final do filme: “Sônia fez com que você tivesse outra ideia ao respeito do amor”. A jovem universitária vacila em relação aos seus desejos, pois percebe que a vivência do erotismo e do amor é imersa em contradições. Ela confessa sentir o amor “só de longe.” Daí o aspecto existencial do filme – nem sempre muito claro, é verdade – em encarar a sexualidade como instância de escolhas e não de um código moral socialmente estabelecido. A frase que sintetiza essa ideia é dita pela personagem da mãe milionária: “Abomino o instinto materno e o que dele resulta” diz ela. Essa mãe não se identifica com seu papel e prefere ceder aos seus impulsos eróticos e se engajar numa relação com um homem mais jovem, que ela sabe que não está emocionalmente disponível. O conflito de Sônia também é abordado com soluções visuais sofisticadas como o relógio, que sempre a acompanha esperando a ligação do amante.
O intelectual, por sua vez, tem nas cenas
de strip-tease evidenciada sua posição na narrativa. Seu comportamento
voyeurístico o coloca como alguém distante dos acontecimentos, tal como se
distancia emocionalmente das traições da esposa. Pode-se supor se o filme
sugere algum prazer dele com a situação, no entanto, o que fica claro mesmo é
que ele projeta nas sessões de strip-tease seu desejo pela enteada.
Mais adiante no filme, a narrativa se expande
para explorar a vida de Mário, outrora amante de Sônia, e outra moça com quem
ele está saindo. Juntos, vão até o litoral. A moça estuda no mesmo colégio que
Mônica. O rapaz tece comentários críticos aquele grupo social que posicionam a crítica
do próprio filme. “Vocês todas pertencem a mesma sociedade, frequentam a mesma
universidade e nenhuma sabe exatamente o que deseja da vida. Enchem a vida de
tédio, só isso.” Vaticina Mário. Mário como personagem outsider posiciona o
olhar crítico dirigido aquela classe social específica, fazendo o comentário
classista que também aparece na obra. O tédio e a suposta imoralidade aparecem
aqui como desvios de classe, não no sentido moralizante, mas na eterna e
vacilante alienação que a classe média se deixa enredar. Alienação de classe
que resulta em alienação existencial, em um torpor envolvido em finas camadas
de tédio. Por outro lado, Mário sustenta sua postura alienante em relação ao
contexto social que o circunda. Admite não se interessar pelas notícias. Quer
mesmo falar de sexo e prazer, que para ele, são a mesma coisa. A atitude de
Mário confronta a do intelectual que, voyeuristicamente, se recusa a fazer
parte de qualquer ato prazeroso.
A seguir, já quase na conclusão da
narrativa, Mônica e o intelectual tem um diálogo que completa a crítica de
Mário. Angustiada, Mônica pergunta ao professor qual seria a finalidade da vida
humana no que ele responde: “Somos o que somos. Uma classe que chega ao seu
fim. Que se destrói e está sendo destruída. Novos tempos estão chegando. (...)Temos
que escolher e não sabemos.” Esse autodiagnóstico de classe revela a má consciência em saber-se inútil frente ao mundo em transformação. O
enquadramento não deixa escapar o relógio, logo atrás do acadêmico, que
comunica de forma visual esse tempo histórico que acossa a burguesia e
intensifica sua angústia. No entanto, se nos filmes do Cinema Novo,
particularmente produzidos posteriormente ao golpe de 64, a má consciência da
classe média retrata personagens progressistas em Vidas nuas, as
personagens parecem não se importar com os problemas sociais do país, sabendo
apenas o papel decadente que desempenham em uma sociedade de classes.
O filme termina com Antônio e Mônica
assumindo sua relação e deixando a cidade de São Paulo para um destino desconhecido
à audiência. Esse desfecho tem um caráter marcadamente escapista que indica o
objetivo comercial do filme. Desse modo, Vidas Nuas é um filme erótico
embalado num plástico cinza do tédio existencial de classe média.