terça-feira, 3 de março de 2020

Crítica: O Homem Invisível




Quando a Universal Pictures surgiu com a ideia da criação de um “Dark Universe”, muitos fãs criaram expectativa. A ideia era fazer um reboot de todos os filmes clássicos de monstros, unindo-os em uma linha temporal, assim como é feito no universo da Marvel. Porém, as críticas negativas e o pouco sucesso de filmes como Drácula: A História Nunca Contada (2014) e A Múmia (2017), fizeram com que os planos desse novo universo fossem interrompidos. A ideia (até o momento) acabou sendo a de produzir filmes solos, longe desse universo compartilhado. E parece que pode dar certo.

O Homem Invisível é o primeiro longa dentro dessa nova ideia de um filme solo. A adaptação do livro homônimo escrito por H. G. Wells em 1897, já gerou uma série de filmes para o cinema. A mais conhecida delas foi a realizada pela Universal Pictures em 1933, que contou com  Claude Rains como o cientista que descobre uma fórmula para se tornar invisível, mas que ainda precisa descobrir um  antídoto para reverter o processo. O longa foi dirigido por James Whale e até hoje impressiona pelos efeitos visuais usados na época em que foi produzido.


Nessa nova versão da história, o diretor australiano Leigh Whannell ficou encarregado pela produção executiva, roteiro e claro, direção. Whannell é conhecido pelo seu papel do Specs na franquia Sobrenatural (Insidious nos EUA), responsável por ajudar a médium Elise Rainier a enfrentar os espíritos malignos do filme. Vale lembrar que Whannell roteirizou todos os longas da franquia, além de ter dirigido o terceiro filme, Sobrenatural: A Origem (Insidious: Chapter 3, 2015).

Em O Homem Invisível, Cecilia Kass (Elisabeth Moss), é uma mulher que está tentando fugir de um namorado extremamente abusivo, o cientista Adrian Griffin (Oliver Jackson-Cohen). Quando consegue, a mulher descobre que seu ex se suicidou. Tentando retomar sua vida enquanto vive na casa de seu amigo de infância, James (Aldis Hodge), Cecilia parece sentir a presença de Adrian no local enquanto coisas estranhas passam a acontecer.

Se Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018), brincou com o sentido auditivo do espectador, O Homem Invisível brinca com a visão. É muito válido quando um filme se agarra a isso para criar uma constante expectativa de que algo ruim poderá acontecer. Mesmo que outras adaptações dessa história já tenham tratado da invisibilidade, a direção de Whannell é muito eficaz ao criar uma grande tensão na primeira parte do filme.

Para começar na primeira sequência, a protagonista já está tentando fugir de casa sem ser vista pelo namorado, que está dormindo. A mansão onde vive o casal tem uma arquitetura moderna ao mesmo tempo em que evoca uma sensação de frieza e isolamento. O lugar fica no topo de uma colina e as paredes e muros cinzas, dão ao local justamente a ideia de uma fortaleza que de fato aprisiona Cecilia. Nessa mesma sequência há uma impressão clara de que a mulher não pertence àquele lugar. Mesmo tendo o estímulo visual, esse início do filme trabalha também a tensão do som que pode surgir a qualquer momento e acordar Adrian.


Uma vez que já sabemos que o filme se trata de uma ameaça que não pode ser vista, a câmera costuma enquadrar Moss deixando um espaço ao seu lado, onde claramente é ali que Adrian deve estar. Há muitos momentos assim e são neles em que o suspense e a expectativa de que algo ruim possa acontecer, fazem o espectador ficar apreensivo e esperando o pior. Às vezes a câmera faz uso de movimentos panorâmicos acompanhando a protagonista de um ponto a outro dentro de um cômodo, quando resolve voltar para o ponto inicial, agora sem acompanhar a personagem. Esses segundos até a câmera chegar ao seu destino onde não há “nada” para ser visto, intensificam mais nossa expectativa de que Adrian pode estar planejando fazer algo.

Os velhos sustos também agradam o espectador mais acostumado com cenas convencionais dentro do gênero do terror. Porém eles são honestos e quando surgem, são em cenas mais impactantes que não enganam o espectador e às vezes o pegam realmente de surpresa como em uma cena em especial dentro de um quarto, que deve pegar muita gente de surpresa. 

A segunda parte do filme se torna mais convencional com cenas de ação e fuga, mas que ainda assim continuam competentes graças à boa direção de Whannell. O final também pode não ser tão previsível para alguns, e mesmo que alguma ação em especial no desfecho possa ter sua veracidade questionada, nada disso atrapalha o filme.


Talvez o mais notório nisso tudo é usar esse filme para falar de questões tão pertinentes e finalmente faladas com mais finco nos últimos anos, como as relações abusivas. O gaslighting para quem não sabe, é um tipo de abuso psicológico em que o abusador omite ou manipula informações para que a vítima passe a duvidar de si mesma ou até mesmo de sua sanidade mental. O termo tem origem na peça teatral Gas Light, que depois foi adaptada mais de uma vez para o cinema. Uma delas em 1944 contou com a participação de Ingrid Bergman.

Mesmo Cecilia já sabendo que Adrian está por perto, ela não tem credibilidade já que seu argumento está fora da realidade. Sua sanidade é posta à prova a ponto da personagem ser internada. A manipulação de Adrian ao ficar invisível, mesmo que faça parte de uma narrativa de fantasia, ainda assim mostra como momentos de manipulação que podem ser conferidos em tantas relações abusivas. Nesses casos  a mulher é vista como alguém que precisa de ajuda psicológica por ser sempre desacreditada por pessoas próximas. Adrian até mesmo manda um e-mail do computador de Cecília para sua irmã,  Emily (atriz), para criar conflito entre as duas mulheres.

Mesmo não havendo 100% de profundidade no drama da personagem, dando mais espaço para as convenções do gênero do terror, há cenas bem interessantes e pontuais do relato de Cecília, em que a mesma fala um pouco sobre sua relação com Adrian e sobre como seu ex-namorado vai aos poucos controlando sua vida. Destaque para uma cena em que ela confronta ele e diz que não sobrou mais nada dela para ele querer levar. Vale apontar como Elizabeth Moss está mais uma vez excelente.

O Homem Invisível já pode ser considerado um dos filmes de terror de 2020 até o momento, e tem diversos aspectos que irão agradar o espectador que procura um filme de terror mais convencional, mas também o uso do enredo para falar de questões sérias.  

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