Morto Não Fala
foi dirigido por Dennison Ramalho e inspirado no conto escrito por Marco de
Castro em 2004. Castro que na época era repórter policial, possuía um blog
chamado Casa do Horror, com diversas histórias assustadoras e macabras.
A ideia inicial era fazer
um curta adaptando o conto, mas que depois se transformou na ideia de uma
série. Muita coisa aconteceu e como nada pode ser previsto, quinze anos depois
a ideia finalmente virou um filme produzindo em coprodução com a Globo Filmes,
Canal Brasil e Casa de Cinema de Porto Alegre, e que agora sim poderá virar uma
série.
Apesar desse ser seu
primeiro longa, Dennison Ramalho já dirigiu oito curtas na carreira, sendo um
deles fazendo parte do filme antológico O ABC da Morte 2. Morto Não
Fala teve boa resposta lá fora, sendo exibido em 40 festivais de diversos
países. No site Rotten Tomatoes o índice de aprovação é de 92%, além de
ter sido eleito pela revista New York Times como um dos melhores filmes
de terror de 2019.
Stênio (Daniel de
Oliveira) trabalha como plantonista noturno de um necrotério. No seu trabalho,
o homem tem o dom de falar com os corpos que ali estão para serem abertos
e examinados por ele. Depois de quebrar
uma espécie de regra do mundo sobrenatural e ouvir de um dos mortos que sua
mulher está tendo um caso, Stênio é preso por uma maldição que irá prejudicar
sua via e das pessoas próximas a ele.
Morto Não Fala não busca
em sua essência fazer uma crítica social, mas é possível perceber algumas
pinceladas de uma crítica no primeiro ato do filme, quando percebemos a
quantidade de corpos de pessoas negras no necrotério onde se passa boa parte da
história. Mesmo que essas pessoas um dia fizeram parte de organizações
criminosas, sabemos como o caminho do crime tomado pelas populações pobres e
negras no brasil, não se trata de uma simples “escolha”. Já em uma sequência em
que corpos vão chegando no necrotério sem parar, descobrimos que o resultado de
uma deslizamento de terra fez com que tantas pessoas morressem. Mesmo sem mais
explicações sobre o acidente, sabemos como esse tipo de tragédia também ocorre
muito. Seja por falta de alguma fiscalização ou pela desigualdade social que
obriga as pessoas a fazerem suas casas em áreas de risco.
Esses pequenos momentos
de crítica aparecem no filme, mas nada acaba indo além disso. Até mesmo o dom
do protagonista de conversar com os corpos, pode pegar muita gente de surpresa
e frustrar um pouco quando depois do conflito, essa premissa acaba ficando de
lado e dando espaço para um filme de terror mais convencional. Essa mudança de
tom que poderia prejudicar o longa, acaba não acontecendo graças às sequencias bem
dirigidas e criativas de Ramalho.
Quando se estabelece o
conflito do filme, passamos a temer não só por Stênio, mas também por seus
filhos. Há ainda um suspense envolvendo um segredo que sabemos, mas que é
desconhecido por Lara (Bianca Comparato), que aos poucos começa a fazer parte
da vida de Stênio e seus filhos. O protagonista é um anti-herói e o equilíbrio
entre o lado obscuro do personagem e seu amor por sua família enquanto tenta
fazer com que nada de mal aconteça a ela, equilibra o bem e o mal que habita o
personagem.
Parece que o diretor além
de estar bem familiarizado com o cinema hollywoodiano do gênero de terror, o
mesmo também está atento na forma como cria sequências de medo e tensão. Há
muitas delas que se constroem efetivamente a partir de momentos de tensão e
estranhamento do que de sustos gratuitos. Mesmo quando faz uso de alguns desses
sustos, são em momentos que não procuram enganar o espectador, mas de fato
mostrar algo sobrenatural acontecendo naquela cena. Além disso, o cineasta usa
elementos da própria cultura brasileira para criar as cenas de terror.
Algo que chama muito a atenção,
são os efeitos visuais usados nos rostos dos corpos que conversam com Stênio.
Bonecos muito bem feitos a partir de moldes dos corpos dos atores, foram usados
nas cenas do necrotério. O ator gravava seu rosto dizendo suas falas e depois
esses rosto era sobreposto o rosto dos bonecos. O resultado pode causa
estranhamento, mas ao mesmo tempo dá um tom bizarro ao filme. Não se sabe se
essa ideia foi proposital, já que colocar os atores deitados nas mesas de exame
e filmá-los lá mesmo enquanto dão o texto, teria sido uma opção mais barata e
até óbvia. De qualquer forma isso não tira o mérito do filme e dos efeitos
especiais de maquiagem que são bem convincentes.
Morto Não fala foi uma
grata surpresa no ano de 2019, principalmente para o Brasil, que é tão carente
de filmes de gênero. Mas a boa recepção do longa lá fora, acaba sendo uma boa
forma de divulgação e apreciação do filme aqui no Brasil.