domingo, 5 de maio de 2019


The Hole in the Ground: uma metáfora para os conflitos familiares

Primeiro longa do cineasta irlandês Lee Cronin, The Hole in the Ground (2019), O Buraco no Chão, na tradução livre, teve sua estreia no Festival de Sundance em janeiro deste ano. A A24  e a DirecTV Cinema, adquiriram os direitos de distribuição do filme nos EUA, que lançou o longa nos cinemas de lá em março. Infelizmente não houve uma exibição aqui no Brasil, mas a crítica elogiou o trabalho de Cronin, que conta com alguns curtas no currículo, como o premiado Ghost Train (2013), que ganhou o prêmio Méliès d'Argent de melhor Curta-Metragem Fantástico Europeu.
Sarah O'Neill (Seána Kerslake) e seu filho Chris (James Quinn Markey), saem aparentemente às pressas para o interior da Irlanda, depois de Sarah recentemente sair de uma relação abusiva com seu ex-marido e pai de Chris. Mãe e filho tentam começar uma vida nova em uma casa alugada que fica perto de uma grande floresta, onde um enorme buraco pode ser encontrado bem no meio do local. Quando Chris descobre a floresta e consequentemente o buraco, o menino passa a ter seu comportamento mudado, se tornando uma criança sinistra e violenta.

Em entrevista para o site Awards Daily, Cronin falou sobre a inspiração na mitologia celta, especificamente a do Changeling, lenda folclórica que trata da troca de crianças. Geralmente uma fada levava uma criança do berço e em troca deixava um objeto ou até mesmo uma outra fada , já velha, enquanto o bebê verdadeiro iria viver com outras fadas. Em The Hole in the Ground no entanto, o diretor trabalhou apenas a questão da troca, deixando de lado as fadas e criando um enorme buraco no chão que é o culpado de tudo.
Não é a primeira vez que o terror usa de seus elementos para falar de dramas e aflições reais da vida cotidiana. The Babadook (2014), de Jennifer Kent, ficou bem conhecido no Brasil ao criar um realismo fantástico de um monstro que servia como uma metáfora para os problemas enfrentados por uma mãe durante a difícil fase de relacionamento com seu filho de seis anos.

The Hole in the Ground tem suas semelhanças com o filme de Kent. Somos colocados no universo do filme já de início, quando Chris está em um parque de diversões brincando em frente a um espelho que distorce sua imagem. Em uma cena em que o carro de Sarah está em na estrada a caminho da nova cidade, a imagem aérea do carro, deixa visível duas estradas, já transpondo essa ideia de duplo, assim como no espelho. Em seguida, a imagem é invertida colocando o carro em cima e o céu embaixo, frisando a ideia desse mundo dos personagens que sofrerá um grande transtorno, ao mesmo tempo em que coloca o próprio céu como um imenso “buraco”.

Não faltam alguns elementos até típicos do gênero, como a senhorinha sinistra que diz coisas sem sentido, até que mais adiante tudo começa a fazer sentido para o protagonista, além de claro, a criança estranha. Sarah se esforça para ao mesmo tempo em que tenta recomeçar, tenta lidar com a criação do filho, que em um primeiro momento se mostra uma criança mais reservada e que não consegue fazer amigos. O garoto fica magoado quando percebe que sua mãe mentiu para ele ao falar sobre o pai, dizendo que o mesmo estava logo atrás deles no caminho para a nova casa. O filme por um lado deixa as coisas mais abstratas, mas não a ponto de ficarmos sem saber o que está acontecendo. Para um bom entendedor, meia palavra, basta.
Permitindo uma leitura superficial, temos mãe e filho tentando lidar com acontecimentos fantásticos que acabam abalando a convivência deles. Mas se tentarmos aprofundarmos mais essas questões, podemos perceber que o filme usa esse tom sobrenatural para falar sobre a dificuldade da separação e de como criar um filho enquanto isso acontece. Sarah parece ter simplesmente fugido sem de fato lidar com seus problemas e resolvê-los para depois sim, ir embora. O longa coloca essa mudança precoce como um ato que ainda não foi amadurecido, principalmente como o roteiro espelha a mudança brusca e sinistra de Chris. A própria reação do menino, que vai ficando mais violento com o passar do tempo, sugere uma preocupação de como o garoto está absorvendo a situação toda e até mesmo o medo da mãe de que seu filho se torne alguém violento no futuro.
Sem buscar explicar tudo o que acontece, The Hole in the Ground ainda sim é um filme interessante que explora bem as dificuldades na relação entre mãe e filho, durante um período delicado na vida de ambos.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

  O aspecto mais interessante em Vidas nuas é a fluidez como a cidade de São Paulo é filmada, desde seu primeiro plano quando temos acesso ...