Santiago (2007) aparece na lista dos 100 Melhores Filmes Brasileiros. A escolha é o resultado de uma inquirição realizada pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine), que contou com a participação dos principais críticos de cinema do Brasil, como Pablo Villaça, Celso Sabadin, Amir Labaki, Francisco Russo, João Batista de Brito, Rubens Ewald Filho e Jean-Claude Bernardet. A lista virou o livro Os 100 Melhores Filmes Brasileiros, que conta com ensaios sobre os filmes escolhidos.
Dirigido por João Moreira Salles, irmão de Walter Salles, o documentário fala sobre Santiago, o mordomo que trabalhou na casa dos pais de João e Walter quando os mesmos ainda eram crianças. Nascido na Argentina em 1912, Santiago Badariotti Merlo colecionava (literalmente) diversas história sobre as famílias para quem trabalhou e suas experiências em outros países.
Em 1992, João Moreira Salles filma as histórias de seu antigo mordomo para realizar o documentário sobre sua vida. Dois anos depois, Santiago acaba falecendo e Salles não sentiu na época que aquele seria o momento certo de trabalhar em seu filme. O material filmado só virou um filme pronto em 2007, quando em 2005 ele resolve pegar o material guardado durante treze anos, editá-lo e dar outro sentido a ele.
O resultado é um documentário reflexivo, já que há uma narração com as ideias do próprio João Moreira Salles, questionando o próprio material que ele tinha nas mãos e os rumos e ideias que contribuíram para uma evolução do próprio documentário. Como cita Bill Nichols no livro Introdução ao Documentário, lançado em 2001, o documentário reflexivo, nega a premissa da capacidade da câmera de representação fiel da realidade. Esse modo estimula a consciência do espectador a respeito do modo de se fazer documentários. Segundo Nichols, “o modo reflexivo é o modo de representação mais consciente de si mesmo e aquele que mais se questiona”.
Santiago já seria excelente apenas pela peculiaridade de seu único personagem e suas histórias cheias de saudosismo e pinceladas de melancolia. A eloquência do mordomo e a alegria ao contar suas histórias, às vezes nos transporta para os lugares e situações que são narrados pelo homem. Trabalhando para tantas famílias durante muitos anos, Santiago tinha orgulho em ter servido tantas pessoas importantes.
Esse tempo que levou para que o longa finalmente ficasse pronto, não poderia ter sido mais benéfico para a obra. Nota-se o amadurecimento e aprendizado para o próprio cineasta, que ao se aproximar mais de seu material depois de tantos anos, acaba evidentemente se aproximando mais de Santiago e conseguindo dar ao filme uma profundidade muito maior do a que poderia ter tido, caso essa pausa não tivesse ocorrido.
O modo reflexivo e ensaístico de Santiago, e como o filme reflete seu próprio conteúdo, faz o próprio espectador refletir sobre o fazer do longa. Isso é sem dúvida um dos pontos altos do filme, já que temos praticamente uma espécie de “making of” do documentário, mas mais no sentido intelectual do que no sentido técnico.
Há esse reconhecimento constante do próprio diretor sobre assuntos que não iriam fazer parte da ideia original do filme, mas que agora fazem parte dele. Além do amadurecimento do diretor diante da obra, como já citado acima, talvez possamos notar um pedido de desculpas do próprio João Moreira Salles (pela forma rude que sua equipe o tratou na época, durante as filmagens) a Santiago e uma homenagem ao mordomo.
Santiago é a prova que documentários podem nos informar, mas também ir mais além, ao dar ao espectador uma experiência e emoções que possam nos tirem de uma zona de conforto e não enxergar o filme apenas com um simples registro da vida de seu personagem.