quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Se você assistiu "A Maldição da Residência Hill", confira "Desafio do Além"




Desafio do Além (The Haunting, 1963) é uma adaptação do livro The Haunting of Hill House, escrito por Shirley Jackson e lançado em 1959. O longa ganhou um fraco remake em 1999, enquanto uma excelente adaptação foi feita por Mike Flanagan para a Netflix, com o nome de A Maldição da Residência Hill (The Haunting of Hill House) A série conta com 10 episódios e foi lançada em 12 de outubro deste ano.
Desafio do Além foi dirigido e produzido por Robert Wise, responsável por grandes filmes como, A Maldição do Sangue da Pantera (The Curse of the Cat People, 1944), O Dia em que a Terra Parou (The Day the Earth Stood Still, 1951) e A Noviça Rebelde (The Sound of Music, 1965).
A história gira em torno do Dr. Markway (Richard Johnson), Luke Sanderson (Russ Tamblyn), Theodora (Claire Bloom) e Eleanor Lance (Julie Harris). Juntos durante duas semanas na mansão Hill House, esses três personagens estão lá para acompanhar a pesquisa do Dr. Markway,  que pretende provar a existência do sobrenatural. A casa localizada na Nova Inglaterra, existe há 90 anos e foi palco de diversos assassinatos que teriam origem em uma presença maligna, que já teria surgido junto com a própria mansão. 
Quantos filmes de terror já se passaram numa casa mal assombrada? Difícil até de contar, não é mesmo? Já vimos diversos lugares que são habitados por espíritos vingativos e que buscam de alguma forma fazer vítimas durante o filme, para que no final o protagonista enfrente esse mal existente e tudo seja resolvido. É melhor você esquecer um pouco isso, se estiver disposto a conferir o longa.
Desafio do Além é um filme que felizmente foge um pouco dessa estrutura. Para quem defende hoje em dia a ideia de um “pós-terror”, perceberá que esse tipo de filme já era produzido há muito e muitos anos, e temos aqui um filme de 1963 que se encaixa perfeitamente nessa ideia de um filme de terror diferenciado. Aqui o interesse está numa atmosfera desconfortável e tensa, deixando de lado o artifício barato e instantâneo, como os velhos sustos que só servem para causar algum efeito no segundo em que nos pega de surpresa.
No filme a fotografia em preto e branco acaba sendo muito importante para a forma com que brinca com as sombras e até mesmo para o visual da casa, tão cheia de detalhes em cada cômodo. Para criar um mal existente na casa, já que o lugar não conta com um espírito responsável por atormentar todos, a fotografia é essencial em Desafio do Além.
O uso do plongée e do contra plongée, frequentemente diminuem e enaltecem a casa respectivamente. Cortes rápidos na edição brincam com a ideia de espaço do espectador e ângulos tortos nos tira a noção de realidade. A noção do tempo também é confusa propositalmente, quando as poucas janela que são visíveis durante o filme, não mostram com exatidão se é dia ou noite. A casa em si não apresenta os cômodos de forma que os conecte uns aos outros, dificultando nossa orientação durante o filme. Como uma casa que se torna uma personagem no filme, esses artifícios são essenciais e até mais desconfortáveis que uma aparição de fato.
Já os personagens em Desafio do Além, expõem aspectos interessantes sobre si mesmos, em especial duas personagens. De forma sutil, mas ainda perceptível, a homossexualidade de Theodora se faz presente a partir de seu interesse por Eleanor, nossa protagonista. Seu interesse pela mulher está na forma com que ela aprecia a companhia e até mesmo nos ciúmes que Theodora tem ao ver Eleanor se interessar pelo Dr. Markway.
Eleanor por sua vez é a personagem mais fascinante do roteiro. Vivendo com sua irmã e seu cunhado na casa de sua mãe, já falecida, a mulher sempre foi responsável por cuidar da mãe doente. Fato esse que não permitiu que ela aproveitasse a vida e tivesse uma vida social. Impedida de usar o carro, ela o pega escondido para ir até a mansão. Com uma baixo autoestima notória, Eleonora enxerga a experiência na casa como uma oportunidade única para que algo de relevante aconteça em sua vida monótona. Ao mesmo tempo o medo do lugar é constante, como se ela fosse capaz de capturar todo o clima nefasto da casa.
Se no livro de Shirley o mal dentro da mansão é real, no filme o roteiro foi além. A ambiguidade nos permite diversas interpretações. Seria tudo fruto de uma alucinação de Eleanor? Theodora que alimenta um amor platônico, mas que às vezes parece misturar sua admiração pela protagonista com ciúmes, teria feito Eleanor pensar que a casa está assombrada? Ou seria o Dr. Markway que usou de alguns artifícios para enganar a todos? Eleanor estaria só querendo chamar a atenção? Ou talvez a casa seja de fato assombrada e Eleanor seja uma pessoal sensível demais e por isso captou todo o mal do lugar. Isso fica a critério do espectador.
No decorrer do filme, nossa protagonista vai sendo tomada pela atmosfera da mansão como uma forma de aceitação de que ela pertence ao lugar. Esse aspecto do filme cabe a leitura de uma aceitação de uma possível esquizofrenia da personagem, que se entrega de vez ao seu “destino”. O uso de espelhos reflete muito bem isso, já que é usado com certa frequência, caracterizando essa percepção da imagem, que no filme aparece algumas vezes distorcida.
Desafio do Além é uma da melhores adaptações de um livro para o cinema e já se tornou um clássico do gênero (ainda que pouco conhecido), presente quase sempre em diversas listas de filmes, como a edição de 2016 do livro 1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer de Steven Jay Schneider.

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Revisitando A Bruxa de Blair - O olhar da câmera no found footage




Quando o cinema surgiu, a câmera representava o olhar de um mero espectador que estava ali, exercendo seu papel de observador. Os filmes traziam no próprio ato de mostrar alguma coisa, o entretenimento para o seu público. O termo cinema de atrações, citado por Flávia Cesariano Costa no livro O Primeiro Cinema – Espetáculo, Narração, Domesticação, designa a experiência do cinema vivida pela plateia, muito semelhante a uma apresentação teatral.
Nesse tipo de cinema que se iniciou em 1895 com os irmãos Lumière, não havia motivações nos personagens que apareciam nos filmes. Já os planos, não se aproximavam do rosto dos atores, ou até mesmo dos transeuntes que estavam nas ruas e tinham sua imagem captada por aquele objeto chamado cinematógrafo.
Com D. W. Griffith, esse cinema de atração, cita Flávia, sofre uma transição que muda o cinema drasticamente. A partir de 1915, Griffith integra o cinema à cultura dominante ao mudar a gramática do fazer cinema. A câmera passa a dar dimensões psicológicas aos personagens a partir do momento em que ela se aproxima do rosto dos atores e das atrizes. No cinema de atrações, as expressões exageradas passavam para o espectador a ideia de sentimentos e sensações vividos pelos personagens. Em alguns filmes de Griffith no entanto, já podemos perceber expressões mais amenas de algumas atrizes, uma vez que a câmera já assume o importante papel de frisar as dimensões psicológicas das personagens.
A câmera estática foi aos poucos se movimentando até ganhar uma infinidade de movimentações e ângulos essenciais para a dramaticidade dos filmes. O gênero do terror, que com o tempo foi evoluindo, fez surgir alguns subgêneros que se tornaram grandes sucessos. Entre eles está o found footage, que permitiu o registro em vídeo de acontecimentos atemorizantes a partir do próprio personagem do filme, que segura a câmera e registra tudo o que acontece. Muitas vezes o registro é feito por um cinegrafista profissional que simula o movimento amador de segurar a câmera, para que o espectador imagine que as imagens tenham sido feitas pelo próprio personagem do filme.
Como aponta o site foundfootagecritic.com, uma forte característica do found footage é de que essa imagens que fazem parte do filme, foram perdidas e subsequentemente descobertas e disponibilizados para o espectador. Todas as câmeras usadas fazem parte do próprio filme, como um objeto de cena essencial. Segundo o site, outros elementos são apontados e importantes para caracterizar um filme como um autêntico found footage:
  • Perspectiva em primeira pessoa (como um ponto de vista), mas que nesse caso a câmera não se torna o personagem, mas apenas registra aquilo que é vivenciado pelo mesmo, que está em um determinado lugar, segurando a câmera.
  • Mockumentary (o falso documentário) - filmado/gravado na forma de entrevistas e reportagens investigativas dos eventos ocorridos.
  • Imagens capturadas de forma jornalística por uma equipe de profissionais que está investigando os eventos.
  • Imagens de câmera de segurança, que a partir de uma câmera estacionária, filma/ grava automaticamente o que acontece no filme.
  • Diferente de um longa-metragem tradicional, um filme no estilo found footage carece de uma finesse na mise-en-scène, na edição e até mesmo em diálogos mais polidos. O efeito amador é importante nesse subgênero.
O caso é que essa ideia de uma “verdade” documental de algo sobrenatural ou não, (mesmo já apresentando um desgaste hoje em dia) conquista os fãs de terror. Essa estética composta por imagens brutas e uma câmera trepidante, às vezes consegue um efeito de real que consequentemente causa mais temor do que se o filme tivesse sido filmado de forma convencional.
Existe essa falsa sensação de estarmos dentro do filme, no lugar do personagem que realiza as imagens. Consequentemente há a sensação de vulnerabilidade do espectador, que está ali a mercê de qualquer perigo que possa surgir a qualquer momento.
Um elenco relativamente pequeno e composto por atores e atrizes desconhecidos do grande público, também é importante para que o espectador se desvincule, mesmo que inconscientemente, de que está diante de um filme de ficção. Com certeza deve ser mais impactante ver uma pessoa desconhecida ser jogada na parede por uma força sobrenatural, do que vermos Tom Cruise passando pela mesma situação. 
Antes de falar sobre A Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999), vale apontar que essa ideia de câmera na mão já foi usada há muito tempo atrás. Francesco Bertolini e Adolfo Padovan quando filmaram L'Inferno (1911), primeira adaptação (ainda que livremente) da Divina Comédia de Dante Alighieri, incluíam alguns planos feitos com a câmera na mão. A câmera no entanto, não representava um personagem que estivesse fazendo as imagens do filme, como cita William K. Everson em 1998 no livro American Silent Film.
 A Tortura do Medo (Peeping Tom, 1960), dirigido por Michael Powell, traz Karlheinz Böhm na pele de um serial killerde mulheres que usa o tripé de sua câmera para cometer os assassinatos ao mesmo tempo em que filma tudo. O voyeurismo e o olhar da câmera, porém, estão presentes apenas no momento em que o personagem vai matar suas vítimas. O filme é um dos primeiros a inaugurar outro subgênero do terror: o slasher
Já o diretor italiano Ruggero Deodato revolucionou o estilo found footage como estilo narrativo no polêmico filme Holocausto Canibal (Cannibal Holocaust, 1980). A popularidade no entanto, só viria a acontecer de fato com A Bruxa de Blair. Em uma resenha sobre o filme V/H/S para o site A.V Club, Scott Tobia aponta que o subgênero found footage se tornou entre os anos 2000 e 2010 o sucesso que o slasher foi para o cinema de horror nos anos 80. Podemos ver claramente isso nas franquias de Atividade ParanormalV/H/S e em filmes como Poder Sem Limites(Chronicle, 2012), Cloverfield (Cloverfield: Monstro, 2008), O Último Exorcismo (The Last Exorcism, 2010), entre outros. A Conspiração (The Conspiracy, 2012), deu um novo gás ao subgênero, mostrando que o found footage ainda pode ser criativo e assustador.
Mas talvez o que pouca gente saiba, é que mesmo antes de A Bruxa de Blair ser um sucesso na época em que foi lançado, um filme chamado The McPherson Tape (também conhecido como UFO Abduction) foi filmado em 1989, antecedendo em dez anos A Bruxa de Blair.
Dean Alioto escreveu, dirigiu, filmou e produziu o filme pela Indie Syndicate Productions por $ 6.500. Concebido como um simples vídeo caseiro, a história gira em torno de uma família que está comemorando o aniversário de uma garotinha em 1983. Durante a festa, alguns personagens se deparam com uma invasão alienígena. Com duração de 45 minutos, o filme não é tão assustador ou intrigante como A Bruxa de Blair, mas tem seus momentos interessantes.
Dirigido e roteirizado por Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, A Bruxa de Blair fica em evidencia na discussão por ser o primeiro filme no estilo found footage a ser exibido nos cinemas de todo o mundo e por ter chamado a atenção na época em que foi lançado. Olhando hoje, ele pode parecer até bem simplório, mas é preciso contextualizá-lo no ano em que foi lançado. A Internet no Brasil, mesmo com sua chegada no ano de 1989, ou seja, dez anos antes da estreia de A Bruxa de Blair, não fazia parte da realidade dos brasileiros. Sendo assim, era impossível buscar mais informações sobre o longa, o que fez com que muita gente (até mesmo nos EUA) facilmente acreditasse que o filme fosse verdadeiro. 
Sánchez e Myrick criaram uma lenda falsa sobre a maldição de uma bruxa e a apresentaram no canal Sci-Fi como um falso documentário, antes do lançamento do filme. Além disso, um site foi criado na época para que mais detalhes sobre a lenda fossem divulgados. O capricho foi grande, com direito a artigos de jornais e reportagens televisivas com entrevistas encenadas para enganar os espectadores.
Na sinopse, três colegas de uma faculdade de cinema, resolvem filmar um documentário sobre a lenda da Bruxa de Blair. Além de entrevistar as pessoas da pequena cidade para saberem mais sobre a tal lenda, os três colegas andam pela floresta em busca dos locais onde teriam acontecido desaparecimentos, rituais e assassinatos. Com o passar do tempo, o grupo começa a se perder enquanto à noite coisas estranhas começam a acontecer.
O filme conta com curiosidades tão interessantes quanto o filme, como o fato dos atores Heather Donahue, Joshua Leonard e Michael C. Williams, acreditarem durante as filmagens do longa, que a lenda da bruxa era real. O elenco só foi descobrir que tudo foi criado pelos cineastas, depois de uma exibição em um festival. As filmagens duraram oito dias, em compensação a edição levou oito meses para ser finalizada.
Os diretores venderam o filme como real, o que fez com que quase todo mundo acreditasse que as imagens fossem verídicas ou pelo menos uma dramatização de uma história real. Até mesmo cartazes anunciando o “desaparecimento” dos atores do filme foram colocados em postes em Cannes durante o festival.
Se por um lado assistir ao longa pela primeira vez no dias atuais, pode criar uma sensação de já termos visto algo parecido antes (já que a partir de 2010 houve a volta do found footage que contou com novas franquias e filmes), por outro lado A Bruxa de Blair parece ainda manter um frescor no que diz respeito à atmosfera criada para valorizar a tensão.
Heather é a personagem que assume o filme (real) e o documentário (dentro do filme) realizado por ela e seus colegas. A personagem é a mais interessada no projeto e graças a sua motivação em registrar tudo (afinal o registro de tudo o que acontece é essencial no found footage), o espectador tem acesso aos bastidores do documentário, assim como as imagens das entrevistas com pessoas da cidade que falam sobre a lenda. Aliás, os entrevistados da cidade também eram atores já instruídos a falarem sobre a lenda da bruxa, para total desconhecimento do elenco principal, fazendo com que as reações de Heather, Joshua e Michael fossem verdadeiras.
As imagens diurnas basicamente mostram a dinâmica dos colegas e as brigas que servem para criar um conflito, além daquele de caráter sobrenatural. Como num bom filme de terror, personagens desestruturados e vulneráveis às forças sobrenaturais, constituem dois ingredientes muito importantes tanto no subgênero do found footage, quanto no próprio terror. Esses conflitos aliás, ganharam mais verdade quando os diretores começaram a dar cada vez menos comida para os atores enquanto eles estavam na mata.
Com esse conflito como forma de desestabilizar os personagens, que se veem perdidos na mata durante o dia, à noite é preciso parar e acampar. Aqui é quando o filme consegue um de seus triunfos: criar o medo naquilo que não é visto. Com pouca luz na escuridão da noite, as imagens da floresta se reduzem a galhos torcidos, sombras e um câmera inquieta que busca captar algo a partir dos gritos de crianças vindos de algum lugar da mata. É aí que muitos espectadores ficam atentos a qualquer coisa que possa surgir do nada na frente da câmera. O longa consegue o feito de fazer o espectador até mesmo se enganar ao pensar que viu algo. Quando às vezes as luzes se apagam (quando os personagens decidem não chamar atenção à noite) ouvimos apenas as vozes dos mesmos, enquanto nossa imaginação pode ser preenchida com as imagens que quisermos.
Vale apontar que no roteiro, em um determinado momento, a imagem da bruxa era pra ser vista na câmera, mas o cinegrafista responsável por essa cena específica esqueceu de virar a câmera para enquadrar a atriz que seria a feiticeira. O resultado disso? Um erro essencial para o filme, que não traz sustos gratuitos e deixa muito para a imaginação do espectador.
A Bruxa de Blair é sem dúvida um filme pioneiro no found footage, mesmo sendo o segundo filme desse subgênero, ao abrir o caminho para tantos outros filmes que viriam por volta de onze anos depois. Sem sombra de dúvidas, o longa contribuiu para trazer algo de novo no gênero do terror.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Infância em poesia no curta: “O Balão Vermelho”




O Balão Vermelho (Le Ballon Rouge, 1956) é um curta metragem escrito, dirigido e produzido por Albert Lamorisse, que teve uma breve filmografia composta de  três curtas-metragens, três longas e quatro documentários. Com trabalhos vencedores de vários prêmios, como a Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1953 e do Oscar de Melhor Roteiro Original (por O Balão Vermelho), o cineasta faleceu cedo aos 48 anos.
Quase sem diálogos, a história é bem simples e gira em torno de um garotinho que andando pelas ruas de Paris, encontra um balão vermelho que tem vida própria, capaz de seguir o menino para onde quer que ele vá. Dentre os temas discutidos no filme, críticos e historiadores apontam temas como esperança, religiosidade e até a imaginação das crianças. Tudo isso em uma narrativa mais solta, funcionando mais como uma poema em filme.
O Balão Vermelho também tem uma poesia em seu visual, capaz de nos prender com tanta beleza e simplicidade. No contexto da época em que foi filmado, Paris havia sido ocupada pelos nazistas há dez anos, e grande parte do território francês deixou de ser domínio alemão em 1944. Sendo assim, fica nítido o contraste das ruas, das roupas dos adultos e até mesmo do garoto, com o balão vermelho que irá estar presente durante boa parte do filme.
O balão parece representar a própria infância como um todo, assim como a capacidade das crianças de imaginar, brincar e ver a vida de forma positiva. Isso é tão forte no protagonista, que ele chega a interagir com o balão, que vira também personagem importantíssimo no filme. O objeto flutua e vai para onde bem quiser, mas sempre acompanhando o garoto, representando talvez a força imaginativa das crianças que de tão potente, ganha vida própria.
Já os adultos no curta, são aqueles que além de enxergarem a vida de forma mais objetiva e com pouca esperança, perderam o seu lado criança. Percebe-se como mesmo os adultos sendo capazes de verem o balão vermelho, uma grande maioria desdenha o objeto, não permitindo a entrada do mesmo na escola que estuda o garoto do filme. A frieza com que muitos se desfazem do balão, mostra como adultos e crianças veem as coisas de formas bem diferentes. Mas como imaginação de criança é sempre viva, o balão espera o garoto sair da escola para voltar a interagir com ele.
O conflito principal é estabelecido quando um grupo de crianças cisma em pegar o balão do menino para estourá-lo. Mesmo com a força do filme voltada para essa inocência e até para a infância como um todo, personagens infantis também mostram a maldade que existe no mundo, sendo honesto ao representar isso independentemente da idade. Quando tudo acaba indo para um mal caminho, eis que o filme tem uma virada que faz dele ainda mais interessante. Nesse momento, é com a solidariedade que o filme termina, mostrando como a empatia e a vontade de ajudar o próximo, pode nos levar longe. Literalmente.
Ficou curioso? Confira o curta abaixo!

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Juízes de Facebook: as fake news e a ambiguidade no filme "Aos Teus Olhos"



Não há dúvidas de que a Internet é uma ferramenta que facilita muito a nossa vida. Quando usada de forma positiva, podemos ir atrás de informação (nos lugares certos) e conhecimento, além de conversar com pessoas distantes de nós. Se for mal utilizada, essa ferramenta, pode transformar qualquer um em um juiz disposto a fazer pré-julgamentos sem que antes haja uma averiguação do que de fato está ocorrendo. Infelizmente um grande número de pessoas não está preocupada com essa averiguação, haja vista as fake News que circulam pelas redes sociais e WhatsApp, que ganham compartilhamentos em questão de segundos. Com a efervescência política que estamos vivento atualmente, essas notícias estão ficando cada vez mais frequentes.
Basicamente (mas não apenas isso) esse é o tema de Aos Teus Olhos (2018), filme de Carolina Jabor, baseado na peça teatral espanhola O Princípio de Arquimedes. A história gira em torno de Rubens (Daniel de Oliveira), um professor de natação querido por todos que dá aulas para crianças e pré-adolescentes. Um dia, um de seus alunos, Alex (Luiz Felipe Mello), um menino de aproximadamente 10 anos, diz para sua mãe, Marisa (Stella Rabello), que foi beijado na boca pelo professor. A acusação ganha grandes proporções justamente pela Internet.
Tensão e ambiguidade são duas palavras-chave que descrevem o filme. Vale já avisar que é muito comum que nesse tipo de filme, boa parte do público fique mais preocupada com uma conclusão satisfatória sobre o personagem principal ser ou não culpado. Mesmo com a forte dualidade, não só do protagonista, como também dos outros personagens, um pouco de atenção por parte do espectador, pode facilmente trazer a resposta para essa questão. Mas saber se Rubens é ou não pedófilo, é apenas umas das questões do filme, e não deve ser a única coisa a ser refletida.
Diante dessa situação, o filme nos apresenta outras questões referentes aos outros personagens. Davi (Marco Ricca), pai de Alex, é o típico pai que parece sempre cobrar do filho uma postura de vencedor e de “homem”. Estaria o pai mais preocupado com a reputação do filho, ou com o fato do mesmo ter supostamente sofrido um abuso? Aliás percebe-se a ignorância, proposital no filme, quando outros personagens questionam a sexualidade de Rubens ao associarem o questionamento da sexualidade do professor, com a pedofilia. 
Já a mãe de Alex, em alguns momentos é vista tomando remédio, mostrando que seu estado emocional não é algo 100% estável. Além disso, os pais do garoto são separados e a relação dos dois (mesmo sem um background para o espectador) se mostra meio conturbada. E quanto ao próprio filho do casal, será que o menino está lidando bem com a separação dos pais?
Há também a diretora da escola de natação, Ana (Malu Galli), que se encontra sem reação diante da rapidez com que tudo é compartilhado. Há um misto de preocupação para que a situação não prejudique o nome da escola, o medo de cometer uma injustiça com Rubens e até mesmo a dúvida de que o professor tenha abusado do menino. Nisso tudo, a excelente atuação de Galli ainda traz em seu semblante de incertezas, uma ponta de confiança em Rubens.
A ambiguidade, claro, não deixa de lado nem nosso protagonista. A mudança de tom do personagem, ainda no primeiro ato do filme, pode aparecer até brusca demais. Mas como já citado, um dos grandes fortes de Aos Teus Olhos, é manter a constante ambiguidade de seus personagens a partir do momento em que eles também apresentam suas falhas. Rubens parece às vezes se esforçar pouco para se defender da acusação (talvez justamente pra manter a dubiedade de seu personagem), o que pode ser meio prejudicial no roteiro se estivermos falando de alguém inocente.
Esteticamente o longa carrega boas escolhas para reforçar a incerteza de seus personagens. O reflexo de Rubens está presente, ora em um espelho, ora na água da piscina. A água que por vezes também reflete as raias flutuantes da piscina e parte da parede, frisam a ideia de uma imagem, que com o movimento de balançar da água, cria uma imagem que está em movimento e que assim se torna inconstante.
Além dos temas propostos, Aos Teus Olhos se mostra também um bom filme que faz um interessante exercício de gênero (no caso o thriller) e que não só trata de assuntos como o linchamento virtual, mas também constrói bem seus personagens em uma narrativa que irá invocar mais reflexão do que respostas.
Confira o trailer!

Erotismo e a cidade: Vidas nuas (1967) de Ody Fraga

  O aspecto mais interessante em Vidas nuas é a fluidez como a cidade de São Paulo é filmada, desde seu primeiro plano quando temos acesso ...